Campanha bilionária de Trump pode ficar sem dinheiro antes das eleições

Presidente afirmou que pagaria 'o que for preciso' de seu próprio bolso

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The New York Times e Reuters

Imaginava-se que o dinheiro seria uma das grandes vantagens do cargo para o presidente Donald Trump, como foi para o presidente Barack Obama em 2012 e para George W. Bush em 2004.

Depois de ver os gastos de campanha de sua rival ultrapassarem os dele em 2016, Trump se registrou candidato à reeleição no dia seguinte à sua posse –em menos tempo do que qualquer outro presidente dos tempos modernos—, apostando que essa dianteira lhe garantiria uma vantagem financeira decisiva neste ano.

Parecia ter funcionado. Seu rival, Joe Biden, estava relativamente quebrado quando emergiu como provável candidato presidencial democrata, na primavera americana deste ano. Trump e o Comitê Nacional Republicano tinham uma vantagem de quase US$ 200 milhões (R$ 1,07 bilhão) sobre Biden.

O presidente americano, Donald Trump, embarca no Air Force One em Palm Beach, na Flórida, em direção a Winston-Salem, na Carolina do Norte
O presidente americano, Donald Trump, embarca no Air Force One em Palm Beach, na Flórida, em direção a Winston-Salem, na Carolina do Norte - Mandel Ngan/AFP

Cinco meses mais tarde, porém, a supremacia financeira de Trump se desfez no ar. Do US$ 1,1 bilhão (R$ 5,9 bilhões) que sua campanha e seu partido levantaram do início de 2019 a julho deste ano, mais de US$ 800 milhões (R$ 4,3 bilhões) já foram gastos.

Agora, segundo funcionários republicanos informados sobre o assunto, algumas pessoas que trabalham na campanha estão prevendo algo antes impensável: que, a menos de 60 dias para a eleição, falte dinheiro em caixa.

Diante da possível crise, o presidente afirmou nesta terça (8) que, se necessário, gastaria "o que for preciso" de seu próprio dinheiro. "Custe o que custar. Temos que vencer. Esta é a eleição mais importante da história do nosso país", disse ele, que já desembolsou recursos próprios para sua candidatura de 2016.

Brad Parscale, o ex-diretor da campanha do republicano, costumava descrever a máquina de guerra da reeleição de Trump como um “rolo compressor imbatível”.

Mas entrevistas com mais de uma dúzia de atuais e antigos assessores de campanha e aliados de Trump, além de uma revisão de milhares de itens em registros federais de campanha, revelaram que a campanha do presidente e o comitê republicano desenvolveram alguns hábitos perdulários enquanto eles gastavam centenas de milhões de dólares.

Desde que Bill Stepien tomou o lugar de Parscale, em julho deste ano, a campanha adotou uma série de medidas para apertar o cinto, reformulando iniciativas que incluem suas práticas de contratação e seus orçamentos para viagens e publicidade.

Sob a direção de Parscale, mais de US$ 350 milhões (R$ 1,9 bilhão) –quase a metade dos US$ 800 milhões (R$ 4,3 bilhões) gastos— foram usados em operações de levantamento de fundos.

Nenhuma despesa foi poupada no esforço para atrair novos doadores online. A campanha formou uma equipe grande e bem paga e alojou seus membros em um escritório amplo e bem equipado nos subúrbios da Virgínia. Despesas legais elevadas foram tratadas como custos de campanha.

E mais de US$ 100 milhões (R$ 536 milhões) foram gastos numa blitz de anúncios na televisão antes da convenção do partido, o ponto em que, historicamente falando, a maior parte do eleitorado começa a acompanhar a disputa de perto.

Entre as aquisições mais caras e possivelmente mais questionáveis estão um par de comerciais no Super Bowl que a campanha reservou por US$ 11 milhões (R$ 59 milhões), segundo a Advertising Analytics –mais do que a campanha gastou na televisão em alguns dos estados indecisos mais importantes.

Foi uma ostentação de vaidade que permitiu a Trump equiparar-se ao que o bilionário Michael Bloomberg, então pré-candidato democrata, gastou na grande partida.

Críticos da gestão da campanha dizem que os gastos fartos não surtiram resultado: com o outono no hemisfério norte começando, Trump está perdendo para Biden na maioria das pesquisas de opinião nacionais e nos estados indecisos, enquanto Biden o ultrapassou na arrecadação de fundos, depois de anunciar uma arrecadação recorde de quase US$ 365 milhões (R$ 2 bilhões) em agosto.

A campanha de Trump não revelou quanto levantou em agosto.

“Se você gastou US$ 800 milhões (R$ 4,3 bilhões) e está dez pontos percentuais atrás do outro candidato, acho que você precisa responder à pergunta: ‘Qual era o plano de jogo?’”, diz Ed Rollins, um veterano estrategista republicano que comanda um pequeno super-PAC (comitê de ação política) pró-Trump e que acusa Parscale de ter gasto dinheiro “como um marinheiro embriagado”.

“Acho que muito dinheiro foi gasto quando os eleitores não estavam prestando atenção”, acrescentou ele.

Parscale, que ainda é assessor sênior da campanha, afirmou em entrevista que a operação Trump investiu fortemente em atrair doadores para anular a vantagem grande que os democratas haviam construído digitalmente após os anos Obama.

“Eliminamos essa dianteira deles”, disse ele, comentando que os gastos feitos na fase inicial da campanha são “a única razão pela qual os republicanos estão perto” dos democratas em matéria de levantamento de fundos online.

Nicholas Everhart, estrategista republicano que possui uma firma especializada na colocação de anúncios políticos, disse que os US$ 800 milhões (R$ 4,3 bilhões) gastos até agora ressaltam “o perigo de se iniciar uma campanha de reeleição semanas apenas depois de ter ganho a primeira eleição”.

“Uma campanha presidencial custa muito dinheiro”, disse Everhart. “Essencialmente, a campanha vem gastando sem parar há quase quatro anos.”

Contendo o orçamento

No topo do quadro branco no escritório de Bill Stepien estão as cifras mais recentes do orçamento da campanha, e Stepien instituiu várias alterações desde que foi promovido de vice a diretor da campanha.

Uma proposta de gastar US$ 50 milhões (R$ 268 milhões) em custos ligados a grupos de coalizões foi descartada. Também foi abandonada a ideia de gastar US$ 3 milhões (R$ 16 milhões) com um carro da Nascar que ostentaria o nome de Trump.

O número de membros da equipe autorizados a viajar para eventos foi reduzido para evitar algo que um funcionário sênior da campanha descreveu como “férias patrocinadas”.

As viagens a bordo do avião presidencial, almejadas porque possibilitam aos assessores passar tempo cara a cara com o presidente –mas que precisam ser pagas pela campanha— foram reduzidas também.

“A coisa mais importante que faço todos os dias é prestar atenção ao orçamento”, falou Stepien em entrevista breve. Ele se negou a discutir aspectos específicos, mas disse que a campanha tem fundos suficientes para vencer.

Mais visivelmente, a campanha de Trump reduziu fortemente seus gastos com a televisão em agosto, praticamente abandonando essa mídia durante as convenções partidárias.

Na última quinzena do mês a campanha de Biden gastou US$ 35,9 milhões (R$ 192 milhões) com TV, segundo a Advertising Analytics, enquanto a de Trump desembolsou US$ 4,8 milhões (R$ 26 milhões).

“Seguramos as rédeas do dinheiro para ter a certeza de que teremos o poder de fogo necessário” no outono, disse Jason Miller, estrategista sênior da campanha de Trump.

Para ele, a campanha de Biden desperdiçou dinheiro com anúncios na televisão durante as convenções. “Queremos guardar para poder gastar quando isso realmente fará uma diferença.”

Miller defendeu os gastos com anúncios na televisão nesta primavera e no verão, dizendo que foi uma decisão difícil para conservar Trump competitivo enquanto o país sofria com a pandemia e suas consequências econômicas. “Tivemos que abrir caminho de volta a duras penas”, comentou ele.

Uma das razões por que Biden conseguiu zerar a vantagem financeira inicial de Trump foi que ele conteve os custos fortemente com uma campanha minimalista durante os piores meses da pandemia.

Assessores de Trump ironizaram a estratégia de Biden, chamando-a de sua estratégia “de porão”, mas a partir desse porão Biden realizou eventos de arrecadação de fundos pelo Zoom em que até US$ 720 mil (R$ 3,9 milhões) foram pedidos aos maiores doadores.

Esses eventos virtuais, que geralmente ocupavam menos de 90 minutos do tempo do candidato, podiam arrecadar milhões de dólares e tinham custo quase zero. Trump se negou quase completamente a promover eventos desse tipo. Assessores dizem que o presidente não gosta deles.

Batendo de porta em porta para conquistar eleitores

Há algumas diferenças de opinião na operação Trump sobre as dimensões de qualquer potencial crise de caixa. Alguns assessores pensam que não faltará dinheiro novo entrando de doadores online nos dois últimos meses da campanha e que reduzir os anúncios na TV em agosto foi uma decisão míope.

A campanha anunciou uma arrecadação conjunta com o partido de US$ 76 milhões (R$ 407 milhões) durante os quatro dias de sua convenção.

Outros disseram que a campanha esperava que o levantamento de valores pequenos continuasse no mesmo ritmo e que também estavam contando com um número expressivo de cheques de US$ 5.600 (R$ 30 mil), o limite máximo permitido para doações diretas de campanha, algo que não se concretizou.

Isso ocorreu em parte porque a campanha depende de eventos presenciais, que foram dificultados pelo vírus.

Alguns funcionários do partido defenderam os gastos iniciais como sendo prudentes, incluindo verbas destinadas à extensa operação em campo e a uma rede de doadores online que estava batendo recordes de levantamento de fundos. O Partido Republicano tem mais de 2.000 funcionários espalhados por cem escritórios e afirma que seus voluntários visitam 1 milhão de pessoas por semana.

A campanha de Biden evitou visitas a eleitores até agora, devido à pandemia.

“A campanha de Biden está guardando dinheiro e torcendo para que os anúncios na televisão durante o outono lhe dê uma dianteira grande”, comentou Richard Walters, chefe de gabinete do comitê republicano.

“Mas quando um estado é conquistado com uma diferença de apenas 10.700 votos, como foi o caso do Michigan em 2016, achamos que o contato direto com os eleitores –aqueles milhões de telefonemas que fazemos e portas em que batemos toda semana— será crucial.”

Muitos dos detalhes específicos dos gastos da campanha de Trump são opacos. Desde 2017, a campanha e o comitê republicano canalizaram US$ 227 milhões (R$ 1,2 bilhão) para uma única empresa de responsabilidade limitada ligada a funcionários da campanha.

A firma em questão, American Made Media Consultants (AMMC), vem pagando por anúncios na televisão e em mídias digitais e foi alvo de uma denúncia feita recentemente junto à Comissão Eleitoral Federal que alega que a empresa foi usada para disfarçar o destino final do dinheiro, que teria incluído pagamentos feitos a Lara Trump (esposa de Eric Trump, filho do presidente) e Kimberly Guilfoyle (namorada de Donald Trump Jr.).

Outros milhões foram canalizados para firmas ligadas ao comitê republicano e a funcionários ligados a Trump, incluindo mais de US$ 39 milhões (R$ 209 milhões) para duas empresas, Parscale Strategy LLC e Giles-Parscale, controladas por Parscale desde o início de 2017.

Parscale disse que “não tem interesse financeiro nem de proprietário na AMMC” e que “negociou um contrato com a família por 1% dos gastos com anúncios digitais e não recebeu porcentagem alguma depois de se tornar diretor da campanha”.

'É preciso gastar dinheiro para ganhar dinheiro'

Não há dúvida de que Parscale ajudou a campanha de Trump a construir uma operação republicana ímpar para atrair pequenos doadores online. Ele comandou um investimento colossal em anúncios digitais e criação de listas, um esforço que parece ter em grande medida se pago.

Alguns dos assessores de Trump acham que o investimento vai continuar a render grandes dividendos nas semanas finais da campanha, apontando para os US$ 165 milhões (R$ 884 milhões) arrecadados pelo presidente e seu partido em julho –mais que em qualquer mês de 2016.

“É preciso gastar dinheiro para ganhar dinheiro”, explicou Walters, o chefe de gabinete do comitê republicano. “Tivemos um aumento grande de receita devido a investimentos iniciais que fizemos em levantamento de fundos online e mala direta.”

Mesmo assim, os custos das operações financeiras do Partido Republicano vêm sendo altíssimos.

Desde 2019, o comitê e seus escritórios compartilhados gastaram US$ 145 milhões em custos ligados a mala direta, quase US$ 42 milhões na aquisição de listas digitais e locação de listas (para ampliar o número de endereços de email) e outras dezenas de milhões de dólares em anúncios online.

Trump também acumulou muitos custos que são incomuns para uma reeleição presidencial.

Os republicanos, por exemplo, vêm arcando com honorários legais adicionais —mais de US$ 21 milhões desde 2019— resultantes das investigações sobre Trump e o julgamento de seu impeachment.

O comitê republicano também fez um pagamento judicial de US$ 666.666,67 (R$ 3,6 milhões) à agência de notícias Reuters News & Media no final de junho.

Tanto a Reuters quanto o órgão se negaram a discutir o valor. Nos registros contábeis, ele foi classificado como “processos legais - resolução de PI”, sugerindo que teria sido ligado a um potencial litígio em torno de propriedade intelectual.

Houve outros custos perdulários decorrentes dos desejos às vezes voláteis de Trump.

Ele mudou duas vezes seus planos para a convenção, incorrendo em muitas despesas pelo caminho. Em julho, por exemplo, o comitê republicano pagou US$ 325 mil (R$ 1,7 milhão) ao hotel Ritz-Carlton de Amelia Island, perto de Jacksonville, mas o evento acabou não acontecendo no local.

A previsão é que esse dinheiro não será devolvido ao partido.

Tradução de Clara Allain

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