Chance de explorar petróleo em reserva ambiental no Alasca opõe modelos de desenvolvimento

Estado que abriga um dos maiores refúgios naturais dos EUA tem cerca de 85% do orçamento atrelado à indústria

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Brasília

Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.

Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.

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Sob uma planície gelada, lar de ursos polares e terra de povos índigenas do Ártico, a possibilidade de produzir bilhões de barris de petróleo é motivo de uma disputa que opõe modelos distintos de desenvolvimento para os Estados Unidos.

Após seis décadas, o Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico (ANWR, na sigla em inglês), no Alasca, uma das maiores reservas naturais ainda intocadas do país, teve durante o governo de Donald Trump parte de seu território liberado para leilões de áreas para exploração de óleo e gás.

O riacho Kolotuk, próximo às montanhas Romanzof, no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico, no Alasca
O riacho Kolotuk, próximo às montanhas Romanzof, no Refúgio Nacional de Vida Selvagem do Ártico, no Alasca - Christopher Miller - 15.jun.19/The New York Times

Uma lei obriga que as licitações de ao menos duas zonas ocorram até o fim de 2021, e a atual Casa Branca corre para realizar uma delas ainda neste ano. Entretanto, ações na Justiça que contestam a rapidez e a forma como o governo produziu o estudo do impacto ambiental, além da dificuldade de explorar o local e dos riscos de danos à imagem das empresas envolvidas, podem atrasar o processo.

Com mais de 17% da extensão territorial dos EUA, o Alasca chegou a representar, na década de 1980, cerca de 25% da produção petrolífera do país. Mas, apesar de os EUA terem se tornado o maior produtor do mundo em 2015, a produção anual no estado vem caindo ano após ano, desde 2003.

Ainda assim, o estado é altamente dependente dessa indústria. Cerca de um terço dos empregos no Alasca é gerado pelo setor, e aproximadamente 85% do orçamento estadual vêm do petróleo.

Segundo a Agência de Informação Energética dos EUA, o estado ainda tem vastas reservas não exploradas, entre as quais as planícies costeiras do ANWR. Estimativas do Departamento do Interior projetam que os 6.313 m² —cerca de 8% do refúgio— podem produzir até 10 bilhões de barris.

No entanto, para os Gwich'in, povo indígena que habita a área há milhares de anos, "a decisão de violar um território sagrado é um ataque a nossos direitos, à nossa cultura e ao nosso modo de vida", diz Bernadette Demientieff, diretora-executiva do Comitê Gwich'in.

Segundo ambientalistas, a exploração de petróleo na região causaria impactos à vida selvagem, incluindo renas, ursos polares e aves migratórias, e afetaria a subsistência de povos nativos. A extração também contribuiria para o aquecimento global em uma região que já sofre com o degelo.

A presidente da Associação de Petróleo e Gás do Alasca, Kara Moriarty, por outro lado, argumenta que o desenvolvimento "em uma pequena parte do ANWR" é necessário para suprir a demanda doméstica e internacional e "é apoiado pelos cidadãos do Alasca".

A polêmica sobre o refúgio foi incluída na corrida presidencial e reflete duas concepções diferentes sobre a relação entre desenvolvimento energético e mudanças climáticas.

O democrata Joe Biden diz que, caso eleito, vai trabalhar para reduzir significantemente as emissões de carbono. Entre as propostas para a área ambiental está a proteção do refúgio do Alasca.

O ex-vice-presidente promete ainda investir US$ 2 trilhões (R$ 10,48 trilhões) em infraestrutura de energia limpa nos setores de transporte, energia e construção civil ao longo de quatro anos. O objetivo é zerar em 15 anos as emissões de carbono provenientes do setor elétrico no país.

Já o atual presidente e candidato republicano à reeleição, Donald Trump, comemorou quando o Congresso autorizou o plano para os leilões no ANWR. De acordo com uma lista de 50 prioridades para um novo mandato, ele "continuará a agenda desregulatória para independência energética", baseada em combustíveis fósseis, orientação que vem implementando desde 2017, quando assumiu a Casa Branca.

Trump, que nega a existência do aquecimento global, retirou os EUA do Acordo de Paris, a principal iniciativa global para frear as mudanças climáticas. Internamente, expandiu a exploração de petróleo e gás no oceano, aprovou a instalação de oleodutos em áreas indígenas e eliminou regras impostas no governo de Barack Obama para incentivar a produção de energia limpa.

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