Delator diz ter sido pressionado a minimizar impacto de interferência russa nas eleições nos EUA

Ex-chefe de inteligência também afirma que superiores o instruíram a diminuir importância de ameaças de racistas

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Brasília

As duas principais autoridades do Departamento de Segurança Nacional dos Estados Unidos instruíram funcionários de carreira do órgão a minimizar o impacto da interferência russa nas eleições, segundo denúncia de Brian Murphy, ex-diretor do setor de inteligência do departamento. Ele diz ainda que a orientação também visava a diminuição da importância dada à ameaça de violência por grupos racistas.

Em um documento encaminhado ao inspetor-geral do órgão e revelado nesta quarta (9) pela comissão de inteligência da Câmara, Murphy afirma que foi orientado pelo secretário interino de Segurança Nacional, Chad Wolf, a parar de produzir relatórios sobre a interferência russa nas eleições.

Segundo ele, em vez disso, foi guiado a ressaltar os esforços de interferência chinesa e iraniana.

O secretário interino de Segurança Nacional dos Estados Unidos, Chad Wolf, discursa em Kenosha, no Wisconsin - Mandel Ngan - 1.set.2020/AFP

A possível interferência russa nas eleições de 2016 pairou sobre boa parte do governo de Donald Trump. No ano passado, o ex-procurador especial Robert Mueller concluiu que não houve conspiração do presidente e de integrantes de sua equipe com a Rússia para interferir na eleição, mas não isentou o líder americano de ter cometido obstrução de Justiça.

Em agosto deste ano, um relatório de uma comissão de inteligência comandada por republicanos no Senado dos EUA apontou a existência de uma rede de contatos entre assessores da campanha de Trump de 2016 e agentes do governo russo, incluindo alguns ligados ao serviço secreto.

Murphy afirma também que Wolf e o diretor interino de Serviços de Imigração e Cidadania e número dois do departamento, Ken Cuccinelli, deram orientações para que seu setor modificasse avaliações de forma que as ameaças de grupos racistas parecessem "menos severas" e que fossem incluídas informações sobre grupos violentos de esquerda, como os Antifa, ajustando as informações ao discurso de Trump.

Murphy havia sido transferido de posição recentemente, após revelações de que o setor que ele chefiava havia coletado informações e produzido relatórios de inteligência sobre jornalistas que cobriam os protestos antirracismo e contra a violência policial em Portland.

Ele afirma que a mudança foi uma retaliação por ter levantado preocupações aos seus superiores sobre os pedidos e por estar cooperando com o inspetor-geral do departamento. Ele também pediu à autoridade que investigasse a suposta represália.

No documento, Murphy afirma que se recusou a realizar as mudanças para que as avaliações de inteligência se aproximassem da retórica de Trump sobre os grupos de esquerda e disse a Wolf e Cuccinelli que só relataria informação precisa, conforme coletada pelo departamento.

Segundo a denúncia, ele também se recusou a alterar versões prévias de um relatório que fazia um alerta sobre ameaças de grupos racistas, obrigando Wolf e Cuccinelli a interromper a produção do documento.

“As informações protegidas divulgadas que levaram às ações de retaliação pessoal enfocaram primeiramente a compilação de relatórios de inteligência e avaliações de ameaças que eram conflitantes com os objetivos políticos da Casa Branca e do Departmento de Segurança Nacional", diz o documento.

À CNN o porta-voz do Departamento de Segurança, Alexei Woltornist, negou as acusações.

"Essas alegações são patentemente falsas. Os líderes do Departamento de Segurança Nacional lidaram com todas as ameaças à pátria, independentemente da ideologia", disse.

Em carta enviada aos advogados de Murphy, a comissão de inteligência da Câmara, cuja maioria é do Partido Democrata, pediu que o ex-diretor testemunhe sobre as acusações. Membros da comissão afirmaram nesta quarta que a denúncia indica quebra da lei e abusos de autoridade que colocam a "nação e sua segurança sob risco".

A tensão racial no país e os protestos contra a violência policial se tornaram dois dos principais assuntos da corrida pela Casa Branca. A pouco mais de 50 dias das eleições, Trump tenta dominar a narrativa dos protestos, e seu rival democrata, Joe Biden, reage para evitar reviravolta.

O republicano coloca-se como o candidato da lei e da ordem e tem se aproveitado de alguns atos violentos durante os protestos que tomaram os EUA desde a morte de George Floyd para chamar os manifestantes de anarquistas, agitadores e saqueadores.

Líder nas pesquisas nacionais e na maior parte dos estados decisivos, Biden tem trajetória centrista, mas é acusado por Trump de ser um radical de esquerda que vai mergulhar o país na violência caso seja eleito.

O presidente usa a retórica do medo para animar sua base conservadora e tentar assustar eleitores independentes e moderados que escolheram o republicano em 2016 e, agora, cansados de sua postura agressiva, flertam com a candidatura de Biden.

Na semana passada, Trump e Biden, visitaram a cidade de Kenosha, em Wisconsin, onde mora Jacob Blake, homem negro que ficou com parte do corpo paralisada após ser baleado várias vezes nas costas por policiais brancos.

Biden se reuniu com a família da vítima e falou com ele pelo telefone. O republicano esteve na cidade antes do democrata, mas se recusou a encontrar os parentes de Blake após saber que um advogado da família estaria presente.

Em vez disso, Trump se encontrou com policiais, cujo trabalho elogiou, e chamou os protestos contra a violência policial e antirracistas que irromperam na cidade de "terrorismo doméstico".

Em um aceno a racistas, o presidente relativizou o caso de Kyle Rittenhouse, um adolescente branco que matou dois manifestantes e feriu um terceiro em Kenosha após andar à noite pelas ruas com um fuzil.

Trump insinuou que Rittenhouse teria agido em legítima defesa. "Ele estava tentando se afastar e foi atacado. Ele provavelmente teria sido morto", disse o republicano.

Rittenhouse foi acusado de homicídio em primeiro grau, equivalente ao homicídio doloso no Brasil, quando há intenção de matar, e pode ser condenado a prisão perpétua.

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