Opositora descarta eleição e fala em 'operação internacional' na Venezuela

María Corina Machado rompeu com Juan Guaidó e discorda de nova consulta popular

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Buenos Aires

Uma das principais líderes da oposição na Venezuela, María Corina Machado, 52, anunciou neste fim de semana, depois de se reunir com Juan Guaidó, que se afastará de sua proposta de unidade contra a ditadura de Nicolás Maduro.

Em um documento e um vídeo publicados nas redes sociais, Machado explicou por que é contra a ideia do presidente da Assembleia Nacional de realizar uma nova consulta popular. "Já fizemos isso no referendo de 2017 e já sabemos o resultado. Sabemos que as pessoas não querem mais Maduro. Não há por que voltar a fazer uma consulta."

Uma das principais líderes oposicionistas da Venezuela, Maria Corina Machado, responde a perguntas em entrevista - Federico Parra - 23.nov.2017/AFP

No texto do documento, ela foi dura nas advertências que fez a Guaidó. "Você deve cortar as amarras e os vínculos com os corruptos que se infiltraram em seu grupo", disse, além de culpá-lo pelas "oportunidades perdidas", citando o fracasso da tentativa de entrega de ajuda humanitária e do levante, ao lado de Leopoldo López, ambos em 2019.

Em entrevista à Folha, Machado afirmou que é hora de buscar uma nova saída para a crise na Venezuela e que Guaidó já cansou a opinião pública. "Se em 17 meses como presidente interino, suas estratégias não funcionaram, não será convocando um plebiscito que encontrará a saída nos poucos meses que ainda tem de mandato", disse.

A ditadura venezuelana convocou eleições legislativas para o dia 6 de dezembro —mas a maior parte dos partidos de oposição se nega a participar.

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Qual é sua alternativa para a Venezuela? Estamos apresentando a Operação Paz e Liberdade, que deve contar com apoio estrangeiro. Não se trata de simplificar, chamando isso de uma invasão. Mas sim de derrubar os pilares de uma ocupação criminosa que tomou conta de nosso país. Para isso, vamos precisar de apoio internacional.

Mas há uma votação marcada para o dia 6 de dezembro. Você crê que a oposição não deve participar? O que está marcado não é uma eleição. Precisamos chamar as coisas pelo seu nome, com precisão. É por isso que eu insisto em dizer que na Venezuela o que temos não é uma ditadura. Se fosse uma ditadura, já teria caído.

O que é, então? É algo muito mais complicado e muito mais daninho que uma ditadura e que está provocando uma devastação regional. O que temos é um país ocupado por criminosos que, além de tudo, agora, estão usando a pandemia para seguir avançando. É um território ocupado por uma facção criminosa e é assim que o mundo deveria entender o que está ocorrendo.

Com o diagnóstico equivocado, o de que se trata de uma ditadura, não se entende por que a Venezuela é uma bomba do tempo, que já está explodindo em outros países, quando manda inteligência, agentes e forças para desestabilizar outras democracias, como ocorreu no Chile, no Equador e agora na Bolívia.

Temos mais de 60% do território venezuelano controlado por guerrilhas, cartéis de droga e contrabandistas de minerais, de combustível e de pessoas.

E em que crê que Maduro se apoia hoje? Maduro e o grupo que está com ele agem com a lógica do criminoso, que é qual? A de pensar de um dia para o outro, e não a longo prazo. O que Maduro precisa agora é de um símbolo de estabilização, para dar unidade às divisões que existem dentro de seu conglomerado criminoso. Essa pseudoeleição pode lhe dar esse símbolo, esse dia seguinte.

Há vários níveis nesse conglomerado, os que estão atuando no terreno, os que se ocupam da lavagem de dinheiro e os atores transnacionais. Organizações como o Hizbullah, o Hamas e o cartel de Sinaloa, que operam aqui na Venezuela.

Assim como os Estados que estão associados a esse conglomerado, como Rússia, Irã, Síria, Turquia e China.

Não há, portanto, em sua visão, soberania nacional? Não, já a perdemos há tempos. Para termos soberania, é preciso três coisas: controle de território, que não temos, Estado de Direito, que tampouco temos, e garantias à segurança humana, que é evidente que se perderam quando se olha para as condições em que vive a população e as razões pelas quais os refugiados deixam nosso território.

Se a oposição participasse das eleições em dezembro, poderia haver um resultado diferente? Não, porque não é uma eleição, é uma fraude, e não haverá maneira de ganhar nada. Se temos mais de 80% da população que o rejeita [segundo o instituto Datanálisis], por que alguém como Maduro aceitaria ir a eleições legítimas? As pessoas tampouco creem que o resultado poderia ser diferente. Já houve 29 eleições e 15 referendos no chavismo. E ainda 13 tentativas de diálogo por parte da oposição. Não há condições para uma eleição real aqui.

O único lado a ganhar com a ideia de que é uma eleição é o regime, que pode dizer que, de algum modo, há algum tipo de democracia aqui.

Se a Operação Paz e Liberdade não seria por meio de uma invasão, qual é a proposta? O que proponho é um processo amplo, complexo, com múltiplas fases. Estamos falando de um regime criminoso que se sustenta sobre pilares que devem ser destruídos, e a comunidade internacional tem que fazer muito mais do que já está fazendo. É preciso cortar os laços criminosos desse grupo no poder aqui com os criminosos que estão do lado de fora. Por isso, a política de sanções e de coalizão internacional contra o narcotráfico do atual governo dos EUA nos ajuda. Mas é preciso fazer mais do que isso.

Você acha que a liderança de Guaidó está esgotada? A confiança na Venezuela é algo muito frágil. As pessoas se sentiram enganadas muitas vezes, mesmo antes de Hugo Chávez [1954-2013]. A desconfiança na classe política é grande. As pessoas se sentem cansadas, já disseram que se sentem cansadas. Há protestos contra a falta de água, de comida, de gasolina diariamente. Já se votou num referendo, em 2017, para que Maduro fosse embora.

Em várias ocasiões, líderes da oposição tiveram a população a seu lado e estivemos prestes a sair do regime. Só que, num último momento, sempre resolveu sentar-se para um diálogo. E diálogo com esse regime não serve. Maduro riu de todos os mediadores: o papa, a União Europeia, a Noruega, todos.

Guaidó cometeu erros? Sim, vários. O levante de 30 de abril de 2019, em que se anunciou algo que não funcionou. Depois, contra a Constituição, Guaidó mandou chamar de volta para a Assembleia Nacional os deputados chavistas que tinham saído do órgão, apenas porque achava que isso facilitaria o diálogo. Acabou sendo traído na votação de 5 de janeiro [em que foi impedido de entrar no palácio]. Cometeu erros garrafais. E agora está pedindo um novo pacto de unidade, uma consulta popular, para tentar fazer em quatro meses o que não fez em 17. Não vai dar.

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