Maria Kalesnikava, uma das líderes do movimento que pede a renúncia do ditador bielorrusso Aleksandr Lukachenko, afirmou que foi ameaçada de morte por oficiais da KGB (polícia secreta do país) e do grupo de combate a crime organizado (Gubopik).
“Disseram que, se eu não deixasse voluntariamente o território da Belarus, seria retirada viva ou aos pedaços”, afirmou ela em depoimento nesta quinta (10).
A ativista está presa desde terça, após frustrar uma tentativa de ser retirada à força do país. Para impedir o exílio involuntário, ela rasgou seu passaporte e escapou pela janela do carro em que havia sido trancada, a poucos metros da fronteira com a Ucrânia.
Kalesnikava, 38, foi uma das três mulheres que lideraram a principal campanha eleitoral contra Lukachenko, ao lado de Svetlana Tikhanovskaia e Veronica Tsepkalo. Ela é a única que ficou na Belarus após a eleição de 9 de agosto: as outras duas deixaram o país, sob ameaças.
A ativista presa vinha participando dos atos antididatura que irromperam no país logo após o anúncio oficial que deu a Lukachenko, 66, 80% dos votos. Também integrou o conselho criado pela oposição para negociar uma transição pacífica e novas eleições.
A ditadura não recebeu os membros do conselho, abriu processo contra eles por criação de entidade ilegal e passou a prender ou expulsar seus membros do país.
No depoimento desta quinta, foi Kalesnikava quem pediu um processo criminal contra agentes da KGB e do Gubopik, por sequestro, prisão ilegal e ameaça de morte.
No detalhamento do que aconteceu com ela nos dias 7 e 8 de setembro, relatou também pressão psicológica e disse que pode identificar todos os envolvidos.
Além da alusão a tirá-la do país “aos pedaços”, policiais, de acordo com o depoimento, ameaçaram prendê-la por até 25 anos e “arranjar problemas” para ela nos locais de detenção.
Segundo ela, quando oficiais da KGB perceberam que ela não aceitaria as pressões para deixar o país, colocaram um saco em sua cabeça, empurraram-na para dentro de uma van e partiram para a fronteira.
A oposicionista rasgou seu passaporte para impedir a entrada na Ucrânia e foi novamente detida em uma cidade perto da fronteira, de onde foi transferida para Minsk. O regime bielorrusso não comentou as acusações feitas por Kalesnikava.
Na capital, a oposicionista precisou de atendimento médico devido a um aumento da pressão arterial. Segundo sua advogada, ela tem hematomas no corpo e dor nas mãos, resultado das vezes em que foi forçada a entrar em diferentes veículos.
A defesa afirmou, porém, que ela está bem e divide a cela com outras seis pessoas. Na noite de quarta, o pai de Kalesnikava pôde entregar no centro de detenção comida, água, agasalhos e outros objetos pedidos pela filha, mas não livros. “Infelizmente, só passam livros didáticos”, disse ele ao site informativo Tut.by. Assinaturas de veículos informativos também não são permitidas.
Antes da tentativa de exilar Kalesnikava, o regime já havia atingido 4 dos 7 líderes do comitê oposicionista. Na quarta, apenas a escritora Svetlana Aleksiévich continuava livre no país. O sexto integrante da liderança, o advogado Maksim Znak, também foi preso.
O sequestro seguido de prisão da ativista acompanha um aumento da repressão bielorrussa contra as mulheres nas ruas do país. Desde o terceiro dia de protestos, elas têm feito “correntes de solidariedade” em várias cidades do país, em geral vestidas de branco e vermelho e levando flores.
Passeatas femininas pelo fim da violência também ocorreram todos os sábados desde 9 de agosto. Até esta semana, as manifestantes não vinham sendo presas ou atingidas pelos policiais, com raras exceções.
Por isso, elas vinham se tornando uma das principais forças de defesa dos homens manifestantes. A cada investida da polícia, elas formavam um cordão de isolamento em volta do grupo masculino, impedindo que os agentes chegassem até eles.
Mulheres também passaram a investir em grupo contra policiais para impedir que eles colocassem manifestantes presos dentro de camburões. Desde esta segunda, porém, tem sido frequentes casos em que os agentes da ditadura usam força contra as manifestantes ou as incluem entre os detidos.
Nesta quinta, foram julgados estudantes de medicina, homens e mulheres, detidos durante manifestação. Todos foram condenados ao pagamento de multas, de 625 rublos (cerca de R$ 1.300).
Apesar da repressão crescente, os protestos contra a ditadura completaram nesta quinta o 33º dia. Houve manifestações em universidades e em frente à Igreja Vermelha, no centro de Minsk. À tarde, bielorrussos pró-Lukachenko também fizeram uma passeta na capital.
No poder desde 1994, quando venceu a primeira e única eleição considerada livre e justa na Belarus, o ditador nega que tenha fraudado o pleito deste ano e disse que não deixará o cargo.
Em entrevista a jornalistas russos, acenou com a possibilidade de convocar eleições antecipadas após uma reforma constitucional.
O ditador pediu apoio ao presidente russo, Vladimir Putin, que considera estratégico manter seu controle sobre a Belarus. O país separa a Rússia das tropas da Otan, a aliança militar ocidental, instaladas na União Europeia e é também zona de passagem do petróleo e gás exportados para o ocidente.
Acompanhe o relato da oposicionista
Sequestro
Kalesnikava caminhava no centro de Minsk na manhã de segunda (7), quando foi agarrada por homens mascarados e levada à força em um furgão
Detenção ilegal
Sem ordem judicial ou justificativa, foi mantida por uma hora numa cela do Gubopik (grupo de combate ao crime organizado), em Minsk
Ameaças
Durante a detenção, agentes a ameaçaram caso ela se recusasse a sair do país. Declararam que ela teria que deixar a Belarus “viva ou aos pedaços”. Ameaçaram prendê-la por 25 anos e “arranjar problemas” nos locais de detenção
Tentativa de expulsão
Quando os oficiais da KGB perceberam que ela não deixaria voluntariamente a Belarus, cobriram sua cabeça com um saco e a levaram à força para a fonteira, em um furgão
Fuga e apreensão
Kalesnikava foi colocada à força no banco de trás do carro de um membro do conselho de oposição que havia concordado em deixar o país. A porta foi trancada. Ela rasgou seu passaporte, para impedir a entrada na Ucrânia, e escapou do carro pela janela. Foi novamente agarrada e colocada num microônibus
Manobras e escapada
Temendo serem presos também, os oposicionistas que haviam aceitado sair do país disseram em entrevista que aceleraram o carro e, com uma manobra arriscada, conseguiram passar antes que a estrada fosse bloqueada pelos policiais, entrando na Ucrânia
Construindo versões
A ditadura, que na segunda (7) havia afirmado primeiro que Kalesnikava saíra do país e depois que tentara fugir irregularmente, anunciou na terça (8) que ela estava detida perto da fronteira, mas não informou o motivo
Transferência e nova prisão
A oposicionista foi transferida para um centro de detenção em Minsk, onde teve um episódio de hipertensão na quarta (9). Após atendimento, recebeu comida, água e roupas enviadas pela família. Outro líder da oposição, Maksim Znak, foi preso
Processo
Nesta quinta, Kalesnikava prestou depoimento e exigiu que agentes da repressão sejam processados por sequestro, prisão ilegal e ameaça de morte
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