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Isolamento de contaminados por coronavírus termina em incêndio em campo de refugiados na Grécia

Milhares de migrantes em Lesbos tiveram de deixar acampamento superlotado e não têm para onde ir

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Atenas e Lesbos | AFP e Reuters

Milhares de migrantes precisaram fugir após uma série de incêndios na madrugada desta quarta-feira (9) em um campo de refugiados superlotado na ilha grega de Lesbos. Não houve registro de mortes.

O campo de Moria abriga mais de 12 mil pessoas e foi "99% incendiado", de acordo com o presidente do sindicato dos bombeiros de Lesbos, Yorgos Ntinos. Autoridades buscam soluções para oferecer abrigo alternativo aos milhares de refugiados.

As autoridades investigam o incêndio como um ato criminoso. Atenas colocou Lesbos em estado de emergência e enviou agentes de segurança para ajudar a manter a ordem na ilha, que fica perto da Turquia.

Grupo de refugiados deixa acampamento após incêndios na ilha grega de Lesbos - Angelos Tzorzinis - 9.set.20/AFP

Os incêndios começaram pouco depois da meia-noite (18h de terça, no horário de Brasília). Segundo as autoridades, a principal linha de investigação é a de que o incêndio foi criminoso, iniciado em retaliação ao isolamento de 35 refugiados que testaram positivo para o coronavírus. Destes, oito já foram encontrados.

De acordo com a imprensa local, milhares de barracas e contêineres, escritórios administrativos e uma clínica dentro do acampamento foram atingidos pelas chamas. Na noite desta quarta, um novo incêndio se alastrou, e as pessoas que ainda estavam no acampamento foram forçadas a fugir.

"Não houve apenas um, mas muitos incêndios no campo. Migrantes atiraram pedras nos bombeiros que tentavam apagar o fogo. A causa está sendo investigada", disse Constantine Theophilopoulos, chefe do corpo de bombeiros do norte do Egeu, à emissora estatal ERT.

Formou-se uma grande operação de resgate, que mobilizou 25 bombeiros e 10 veículos. Algumas pessoas tiveram ferimentos leves e apresentaram problemas respiratórios provocados pela inalação de fumaça.

Quase 500 moradores do campo tentaram seguir até o porto de Mitilene, capital de Lesbos, mas foram impedidos pelas forças de segurança. Outros buscaram refúgio nas colinas próximas ao campo. O Ministério da Migração informou que cerca de 3.000 refugiados serão temporariamente alojados em tendas.

Na semana passada, as autoridades detectaram o primeiro caso de coronavírus no campo de Moria e colocaram o local em quarentena. Após 2.000 exames, 35 pessoas tiveram resultado positivo para Covid-19 na segunda-feira (7).

Os primeiros relatos sugerem que os incêndios começaram em diferentes locais no campo de Moria depois de uma tentativa de isolamento das pessoas infectadas. Durante o tumulto provocado pelo fogo, todos se misturaram novamente.

Os bombeiros afirmaram que alguns grupos de refugiados impediram a entrada das unidades e que a polícia teve que atuar para permitir a continuidade do resgate.

O governo adotou medidas de restrição no campo, que não foram eliminadas, apesar das críticas das ONGs de defesa dos direitos humanos, que consideram as medidas discriminatórias, porque o confinamento na Grécia chegou ao fim em maio.

Segundo os grupos humanitários, o acampamento está superlotado e abriga mais de quatro vezes sua capacidade declarada. Nessas condições, seria impossível implantar medidas básicas de higiene e distanciamento social.

Durante quatro meses, Lesbos foi colocada em estado de emergência por razões de saúde pública, o que permitia ao serviço de proteção civil mobilizar apoio à ilha e aos requerentes de asilo.

Segundo o prefeito de Mitilene, os migrantes devem ser movidos ou alojados em navios para evitar a disseminação do coronavírus. Um porta-voz do governo grego, porém, disse à ERT que os refugiados do campo de Moria não terão permissão para deixar a ilha devido à possibilidade de propagação da doença, e que o incêndio não foi acidental.

Um policial disse a outra emissora de TV que a situação está fora de controle, acrescentando que a polícia foi forçada a libertar cerca de 200 pessoas que deveriam ser repatriadas para seus países de origem.

"A situação em Moria não pode continuar [como está] porque é simultaneamente uma questão de saúde pública e de segurança nacional", disse o primeiro-ministro grego, Kyriakos Mitsotakis, em um discurso na televisão, acrescentando que administrar o fluxo migratório era um "problema europeu".

Nesta quarta-feira, o ministro das Relações Exteriores da Alemanha, Heiko Maas, descreveu os incêndios como um "desastre humanitário" e disse que os Estados-membros da União Europeia (UE) deveriam estar prontos para receber alguns dos refugiados do campo.

“Devemos determinar o mais rapidamente possível como podemos apoiar a Grécia. Isso inclui uma distribuição entre os países da UE dispostos a hospedar [migrantes]”, disse Maas, cujo país detém a presidência semestral do bloco.

O grego Margaritis Schinas, vice-presidente da Comissão Europeia, deve ir a Lesbos nesta quinta-feira (10), e o chefe do Conselho Europeu, Charles Michel, disse que o grupo de 27 países está pronto para mobilizar apoio para a Grécia.

Ylva Johansson, comissária de Assuntos Internos da UE, informou que o bloco concordou em financiar a transferência imediata de 400 crianças e adolescentes desacompanhados para o continente grego. "Deixar todos seguros e protegidos em Moria é uma prioridade", escreveu ela, em uma rede social.

De acordo com a Acnur (agência da ONU para refugiados), quase metade dos migrantes nas ilhas gregas são do Afeganistão e outros 19% são da Síria. O órgão disse ter recebido relatos de tensões entre pessoas em aldeias vizinhas e requerentes de asilo que tentavam chegar à cidade de Mitilene.

"Os eventos em Moria são impensáveis, mas tragicamente previsíveis, já que a terrível situação nas ilhas já dura muito tempo", disse Dimitra Kalogeropoulou, diretora grega do Comitê Internacional de Resgate (IRC).

A situação no campo de Lesbos destaca a urgência de reformar a política de migração na UE, que durante anos se deparou com divisões europeias. A Comissão Europeia pretende apresentar sua proposta —já rejeitada em várias ocasiões— de um "novo Pacto sobre Migração e Asilo" no final do mês.

O Executivo europeu também coordenou, durante vários meses, um programa de realocação em dez países da UE de cerca de 2.000 menores desacompanhados que chegaram a acampamentos de refugiados na Grécia.

Até agora, apenas cerca de 640 pessoas (crianças, adolescentes e famílias com crianças doentes) foram transferidas e distribuídas entre sete países: Bélgica, França, Luxemburgo, Alemanha, Irlanda, Portugal e Finlândia.

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