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Madri entra em choque com governo central por estratégia contra novo pico de Covid

Capital espanhola estende restrições a mais 8 áreas; medida afeta cerca de 1 milhão de pessoas

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São Paulo

Madri vive um dilema: vale a pena limitar a circulação de pessoas para reduzir o contágio pela Covid-19? Cada nível de governo tem uma resposta, o que gera uma crise política na Espanha que ameaça colocar fim a uma aproximação entre a esquerda e a direita, iniciada há poucos dias.

O país enfrenta uma nova alta nos casos da doença. O total de diagnósticos diários está acima de 10 mil, nível similar aos índices de março. Já as mortes diminuíram: foram 114 no balanço desta sexta (25), contra quase mil nos piores dias da crise sanitária.

A Espanha soma 31 mil óbitos por Covid-19 e 716 mil casos, sendo que 400 mil deles ocorreram nos últimos dois meses. É, ainda, o país com mais infecções pela doença na Europa ocidental.

Policial checa documentos em bloqueio no bairro de Villaverde, parte das restrições por zona realizadas em Madri
Policial checa documentos em bloqueio no bairro de Villaverde, parte das restrições por zona realizadas em Madri - Sergio Perez - 23.set.20/Reuters

A região da capital espanhola é o epicentro da nova alta, registrada desde meados de agosto. Há vagas nas UTIs, mas a ocupação nos hospitais começa a preocupar. Em resposta, o governo local adotou restrições por zonas da cidade, com base no número de casos registrados.

Nesta sexta, mais oito áreas entraram na lista, totalizando 45, o que afeta cerca de 1 milhão de pessoas. A área metropolitana de Madri abriga 6,7 milhões de habitantes.

Os moradores das regiões sob restrição só podem deixar suas zonas para trabalhar, estudar, ir ao médico, ao banco ou ao tribunal. Parques e jardins foram fechados, e os estabelecimentos precisam mandar os clientes embora até as 22h.

A eficácia da medida é questionada: as pessoas das áreas sob bloqueio podem sair diariamente para estudar e trabalhar em outras partes da capital, o que facilita a circulação do vírus. E se o bar fecha às 22h, basta ir até outro bairro sem restrições para seguir a noite.

Em Vallecas, no sudeste de Madri, um protesto contra as medidas de contenção terminou em confronto com policiais em uma praça na quinta (24). Três pessoas foram presas.

Nesta sexta, o governo central subiu o tom. O ministro da Saúde, Salvador Illa, disse em entrevista coletiva que o governo recomendou ao comando de Madri que adotasse restrições em toda a capital —onde vivem 3 milhões— e nas zonas de cidades próximas com mais contágios, além de proibir o consumo em balcões de bares e lanchonetes, mas foi ignorado.

"É preciso fazer isso. Atalhos não valem", alertou o ministro, que marcou a entrevista coletiva para o mesmo horário em que o governo local anunciava novas regras. A administração central não pode impor à capital decisões na área de saúde, exceto se adotar medidas como a declaração de um estado de emergência ou uma intervenção federal. As duas opções são descartadas por ora.

"Mais que confinar Madri, nossa missão é ajudar as pessoas. As medidas que estamos tomando são as adequadas. Testes em massa, limitações de público, quarentenas e o resto, a seguir em frente", respondeu Isabel Ayuso, governadora da comunidade de Madri, nas redes sociais.

A chamada de atenção em público veio poucos dias após uma aproximação entre o governo nacional, chefiado pelo socialista Pedro Sánchez, e Ayuso, do Partido Popular (PP), de direita, que lidera a oposição.

Na segunda (21), os dois se reuniram e posaram para fotos, com máscaras e posicionados a certa distância. Prometeram criar um órgão de coordenação e fazer ações conjuntas.

O premiê Pedro Sánchez e a governadora da comunidade de Madri, Isabel Ayuso, durante encontro na segunda (21) - Palácio de la Moncloa via Xinhua

Os dois maiores partidos da Espanha, PSOE e PP, alternam-se no poder desde os anos 1980. Conservador, o PP tem radicalizado o discurso nos últimos anos, como reação ao avanço do Vox, legenda de ultradireita que se tornou a terceira força do Parlamento em 2019.

Durante o auge da pandemia, Sánchez conseguiu aprovar medidas com apoio da oposição, mas foi alvo constante de ataques, que o acusavam de ter falhado na crise.

Em março, o país adotou um "lockdown" rigoroso. As medidas foram sendo retiradas aos poucos, até serem completamente encerradas em junho. Naquele período, também houve atritos com o governo de Madri, que defendia aliviar as restrições mais rapidamente.

Além de lidar com o repique, o governo precisa definir se estende ou não a ajuda a trabalhadores afastados durante a pandemia. Sindicatos pedem mais benefícios, mas as autoridades resistem.

O dilema sobre restringir a circulação afeta, claro, a economia. Cerca de 12% do PIB espanhol é gerado pelo turismo, segundo dados da OCDE, de 2017. Um novo fechamento geral pode abalar ainda mais os setores de viagens e lazer, responsáveis por milhares de empregos.

Além de Madri, outras regiões do país, como Navarra e La Rioja, exibem números elevados, com mais de 400 novos casos por dia, e cidades e governos locais debatem medidas.

Na Catalunha, que inclui Barcelona, o governo pretende limitar os encontros sociais a no máximo seis pessoas, com exceções para atividades profissionais, educativas e religiosas, além de no transporte público. Em alguns casos, ações culturais e esportivas em grupos maiores serão liberadas.

Entre as possíveis causas para o ressurgimento atual da Covid estão festas de rua e em casas noturnas e a permissão para um número maior de pessoas realizarem reuniões familiares. ​Já as mortes não voltaram a crescer por algumas razões, listadas pela líder técnica da OMS, Maria van Kerkhove.

A primeira é a descoberta de tratamentos e medicamentos que evitam a morte em casos severos, como o uso de corticoides para reduzir a resposta do corpo à presença do vírus. Um segundo motivo é que os países e as instituições estão mais preparadas para prevenir o contágio de pessoas mais vulneráveis, como idosos em asilos ou doentes em locais de longa permanência.

O aumento do número de testes permitiu também detectar a infecção mais precocemente, o que evita que a doença evolua para estágios mais graves. Há ainda um número maior de novos casos entre jovens, que apresentam menos risco de morrer por Covid-19, embora existam casos de óbitos até de bebês.

Um estudo da revista médica Lancet, publicado nesta sexta, avalia que houve uma série de erros na retomada das atividades da Espanha após o auge da pandemia.

Segundo os especialistas que fizeram o levantamento, a reabertura foi feita sem a criação de um sistema efetivo de busca, testes, rastreamento, isolamento e apoio, e as decisões foram tomadas sem haver um padrão unificado para o país todo.

Com AFP.

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