Mães reagem a ameaça da ditadura da Belarus, mas tiram filhos de protestos

Regime aumenta repressão a mulheres, detém grávidas e afirma que crianças podem ser separadas de pais que forem a manifestações

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Bruxelas

Ameaçadas pelo regime da Belarus de perderem a guarda dos filhos se continuarem participando de atos contra a ditadura, 23 mães colocaram no ar nesta terça (22) um vídeo-manifesto “aos que estão no poder”.

“Vocês roubaram nossa voz, nos bateram com seus pulsos, pernas, cassetetes, puxaram nossos cabelos e nos estupraram. Mutilam nossos homens, usam força brutal contra adolescentes e idosos, atacam estudantes entre as paredes das universidades. Não é o suficiente?”, perguntam as mulheres, que se revezam no vídeo.

Vestidas de branco, elas estão identificadas pelo nome e pelo número de filhos, e algumas aparecem acompanhadas das crianças. “Não queremos que nossas famílias sejam rotuladas de disfuncionais porque não estamos quietos. Nós queremos salvar nossos filhos desta máquina impiedosa de propaganda e arbitrariedade”, dizem elas.

Desde 9 de agosto, quando milhares de bielorrussos foram às ruas contra o resultado da eleição presidencial, considerada fraudada, o ditador Aleksandr Lukachenko tem ampliado o alcance da repressão: dos homens para as mulheres, e, agora, para idosos e grávidas. No último sábado (19), uma gestante de oito meses foi arrastada para um camburão.

Na semana passada, o Ministério do Interior ameaçou separar filhos de pais que os levarem aos atos, e um menino foi colocado num orfanato porque sua mãe, detida pela polícia, não pode buscá-lo na escola.

Policiais também foram a várias escolas sem o conhecimento das famílias e disseram aos alunos que os pais poderiam ser presos por participarem de eventos.

Nas seis semanas de protestos, houve cerca de 10 mil detenções. Ao menos cinco pessoas morreram durante a fase mais violenta da repressão e há quase 500 casos documentados de tortura. Estão na cadeia 250 pessoas consideradas presos políticos.

Apesar do protesto feminino contra as ameaças de Lukachenko, o aumento da repressão contra mulheres já surtiu efeito. Por aplicativo de mensagens, a Folha ouviu duas moradoras de Minsk sobre por que leva(va)m seus filhos aos protestos e como os eventos recentes no país afetaram suas famílias.

Por segurança, elas são identificadas apenas pelo primeiro nome, embora uma delas tenha autorizado a publicação de fotos.

Policial mascarado gesticula mandando mulher de rabo de cavalo com criança de casaco vermelho no colo sair da rua
Com sua filha de 4 anos no colo, a bielorrussa Lena, 34, é retirada de manifestação de mulheres por um policial em Minsk - Arquivo pessoal

Lena, 34, mãe de três filhos, de 11, 9 e 4 anos

Qualquer evento de massa tem algum grau de risco para crianças, seja uma visita ao circo ou uma marcha de protesto. Quando eu e meu marido levávamos nossa filha mais nova conosco às marchas de domingo, ficávamos de lado, não entrávamos no meio do fluxo.

No dia 12 de setembro, estava com ela no colo quando de repente as mulheres ao meu lado foram cercadas pela polícia e arrastadas para o camburão. Não nos tocaram, mas de repente a polícia começou a jogar gás lacrimogêneo.

Nesse dia vi riscos completamente diferentes, e provocados pelas autoridades. Se antes a polícia agarrava principalmente homens, agora esse limite mudou. Eles levam meninas, idosas.

Logo, não vão mais respeitar as crianças. Por isso não vou mais levar minha filha comigo.

Não quero colocar meus filhos em perigo. Mesmo que o agressor seja um policial mascarado, se algo acontecer serei eu a culpada.

Mulher de chapeu e óculos escuros levanta com os dois braços bandeira branca, vermelha e branca
Mãe de 3 filhos, a bielorrussa Lena, 34, parou de levar crianças a protestos contra a ditadura por causa do aumento da repressão; na foto, em manifestação em Minsk, com a bandeira histórica da Belarus - Arquivo pessoal

As mulheres bielorrussas viraram o símbolo da resistência, mas tanto mulheres quanto homens desempenham um papel muito importante agora.

Meu marido e eu concordamos que ele ficará com as crianças quando eu for para as ações de protesto, pois suas chances de apanhar são maiores.

Ambos podemos ser detidos ou multados, mas é melhor ficar inteiro e vivo. Então nos revezamos para cuidar das crianças. Sim, existe medo, mas é mais terrível ler o noticiário, e ainda mais terrível não fazer nada nesta situação.

Svetlana, 28, mãe de dois filhos de 6 e 5 anos

No dia 9 de agosto, fomos com nossos filhos a nossa seção eleitoral para saber o resultado. Eles ficaram impressionados ao ver que a tropa de choque estava lá.

No dia seguinte, estava com as crianças no carro a caminho de uma consulta médica marcada vários meses antes, mas não conseguíamos passar, porque a polícia bloqueou muitas ruas.

Tentamos voltar para casa, mas não estava fácil. Felizmente apareceram desconhecidos que se preocuparam, ofereceram água, tentaram distrair as crianças enquanto organizaram um corredor para que pudéssemos sair.

Hoje em Minsk o perigo não é apenas quando se vai intencionalmente a um evento. Você pode estar em uma loja ou simplesmente caminhando e se deparar com uma crueldade que você nunca suspeitou que existisse.

E então as autoridades vão a público dizer que eu estou expondo meus filhos a um trauma psicológico?

Que estou colocando em risco a vida e a saúde de meus próprios filhos? Realmente?! Eu!?

Houve muitas noites "quentes" perto de nossa casa, de repressão. Sou eu a culpada pelo excesso de força dos policiais? Por meus filhos serem obrigados a ver e ouvir algo que jamais deveriam ter visto e ouvido quando estão dentro de casa?

As crianças fizeram muitas perguntas. Houve muitas conversas difíceis.

Mas tenho um compromisso de responder honestamente a todas as perguntas de meus filhos e fiz o mesmo desta vez. Suavemente, sem detalhes assustadores, no nível deles, mas honestamente.

As crianças sentem quando os outros estão mentindo. Também me conhecem e percebem quando estou preocupada.

Eles perguntaram por que as pessoas formavam correntes de solidariedade nas calçadas. Disse a elas que muitos de nós fomos enganados, nossas vozes foram roubadas, e eles quiseram participar comigo.

Quando ficavam entediados ou queriam ir embora, simplesmente partíamos. Ficávamos por pouco tempo, em nosso bairro, perto de casa, onde as crianças não tinham medo e estavam confortáveis.

Apoiamos também os funcionários da MZKT [fábrica de tratores em Minsk] e fomos a outros eventos, mas as crianças nunca se assustaram, pois eram ações pacíficas.

Mas não vou mais levar meus filhos comigo. Está tudo muito mais assustador agora.

Não é por causa da ameaça, mas pela segurança das crianças.

Se eu sinto medo? Sim, mas de repente ele some. São dois extremos emocionais —aquele cheio de entusiasmo pela unidade, inspiração e uma energia incrível, e aquele de decepção e medo.

Isso vai me impedir de protestar? Não.

Se não pelas crianças, então para quê?! Quero que vivam em segurança, que sejam educados, que amem esta vida e não se intimidem nem tenham medo de pensar. Que não vivam privados de sua singularidade, apenas se acostumando a se adaptar ao caminho "correto".

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