Morte de George Floyd em Minnesota escancarou outra vez racismo sistêmico americano

Questão racial, reforçada por grandes protestos em todo o país, desafia discurso da lei e da ordem de Trump

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Washington

Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha passa a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.

Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.

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Fazia quatro dias que George Floyd tinha sido assassinado em Minnesota quando uma multidão de manifestantes marchou pela primeira vez em frente à Casa Branca.

O fim da tarde de 29 de maio marcava a chegada dos protestos antirracismo a Washington, numa alegoria da forte influência que a questão racial terá na escolha do próximo presidente americano.

Floyd era um homem negro que foi asfixiado por um policial branco que manteve o joelho sobre seu pescoço por quase nove minutos. A ação foi filmada e viralizou na internet, desencadeando a maior onda antirracismo no país desde 1968, com a morte de Martin Luther King.

Os protestos começaram em Minnesota, onde apenas 7% dos 5,6 milhões de habitantes são negros, e se espalharam por centenas de cidades, em todos os estados americanos, com gritos que clamavam por uma ampla reforma na Justiça do país.

Mural em homenagem a George Floyd, homem negro morto por um policial branco, pintado no bairro do Brooklyn, em Nova York
Mural em homenagem a George Floyd, homem negro morto por um policial branco, pintado no bairro do Brooklyn, em Nova York - Angela Weiss - 13.jul.20/AFP

O problema é histórico e exige mais do que vontade política —nem mesmo o primeiro presidente negro dos EUA, Barack Obama, conseguiu avançar no tema e fazer o sistema ser mais igualitário.

Numa sociedade fraturada, entre questões que vão muito além da violência policial contra a população negra, o racismo estrutural atravessa instituições e escancara disparidades econômicas e sociais que marcam o país majoritariamente branco —dos 328 milhões de americanos, somente 13% são negros.

Segundo dados do governo, a média do patrimônio de famílias de pessoas brancas é dez vezes maior que a de famílias de pessoas negras, que têm salários mais baixos e, portanto, acumulam menos dinheiro ao longo da vida.

A renda média dos negros é pouco menos de 60% da dos brancos, o que faz com que o primeiro grupo figure como líder entre a população mais pobre do país. Em 2018, 11,8% da população vivia na pobreza nos EUA, de acordo com o censo americano, sendo que 20,8% delas eram negras, e 8,1%, brancas.

O desemprego, historicamente mais alto entre negros, afetou ainda mais o grupo durante a severa crise deste ano. Geralmente em postos de trabalho da linha de frente, as pessoas negras eram 16,7% dos desempregados em abril, quando a taxa nos EUA bateu o recorde de 14,7%, enquanto os brancos sem trabalho eram 14,2%.

Foi diante dessa desigualdade —amplificada com a pandemia que matou milhares nos EUA e atingiu pessoas negras de maneira desproporcional— que multidões foram mais uma vez às ruas pedir mudança.

Preocupado com a campanha à reeleição, Donald Trump reagiu com o discurso da lei e da ordem, aprofundando a polarização que o beneficia em aceno à sua base conservadora.

A maior parte dos protestos era pacífica, mas houve episódios de violência e depredação, o que estimulou a escalada do presidente, que visava também assustar moderados, moradores dos subúrbios do país.

Após pouco mais de um mês, os atos arrefeceram, mas ganharam novo fôlego em 23 de agosto, quando Jacob Blake, um homem negro, foi baleado sete vezes pelas costas durante uma abordagem policial.

O episódio no estado de Wisconsin escalou a divisão nas ruas, com conflitos entre racistas e antirracistas, e a morte de pelo menos três pessoas até o início de setembro.

Trump viu mais uma oportunidade para reforçar sua narrativa, enquanto seu adversário, o democrata Joe Biden, precisou reagir para evitar uma reviravolta no cenário que o mostrava à frente das pesquisas.

​O presidente nega que haja racismo sistêmico nos EUA e acusa Biden de ser um extremista de esquerda, conivente com a violência e defensor da retirada de recursos da polícia.

O democrata, por sua vez, é um político centrista e não apoia a diminuição dos repasses de verbas às forças de segurança, uma demanda das manifestações.

Diz que é preciso combater o racismo sistêmico nas corporações e escolheu uma mulher negra, a senadora Kamala Harris, como vice em sua chapa, em uma tentativa de mobilizar jovens e negros que estão nas ruas a votar nele em novembro —o voto não é obrigatório nos EUA.

Somente o consenso entre os dois lados da política americana será capaz de aprovar leis que apontem para uma reforma do sistema judicial. Até lá, os candidatos tentam se apropriar da narrativa para avançar uma casa em uma das corridas mais imprevisíveis da história americana.​​

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