Centenas de agentes e apoiadores da Polícia Nacional Haitiana (PNH), muitos dos quais com o rosto coberto e armados, causaram pânico na capital, Porto Príncipe, durante um protesto nesta segunda (14).
Os policiais exigem melhores salários e condições de trabalho e querem a libertação de um colega preso em maio sob acusação de homicídio, incêndio criminoso e vandalismo.
Andando de moto pelas ruas da cidade, os agentes deram tiros para o alto e colocaram fogo em carros, pneus e num prédio, paralisando parte da capital do país caribenho.
Um protesto semelhante aconteceu na última sexta (11), quando agentes exigiram a soltura de cinco oficiais, o que acabou acontecendo após o governo ceder.
“A situação está cada vez mais alarmante”, disse Renan Hedouville, da Secretaria de Proteção do Cidadão, à agência de notíciais AFP. “Corremos o risco de perder a polícia como perdemos as Forças Armadas.”
Os policiais também questionam a liderança do diretor interino da PNH, Normil Rameau. “Policiais morrem e são baleados, mas ele não diz nada”, disse um dos agentes, de máscara para não ser identificado.
A PNH foi criada em 1995 após o presidente Jean-Bertrand Aristide desmobilizar as Forças Armadas do país, responsáveis por um golpe que o tirou do poder em 1991.
Com a ajuda dos EUA, Aristide voltou ao poder em 1994 e, no ano seguinte, desmobilizou o Exército. Criou então a Polícia Nacional, cujo único propósito era cuidar da segurança pública.
Desde então, os EUA ajudaram a financiar a corporação. De acordo com a embaixada do país no Haiti, os americanos contribuíram com US$ 250 milhões (R$ 1,3 bilhão) entre 2010 e 2018 para armar e aumentar a infraestrutura da polícia. Hoje, o país conta com 16 mil policiais.
Em 2004, Aristide foi deposto novamente, desta vez por milícias formadas por ex-militares. O fato deu início à intervenção das Nações Unidas no país —a chamada Minustah (Missão das Nações Unidas para a Estabilização do Haiti) que durou de 2004 a 2017 e foi chefiada pelo Brasil.
No início da intervenção, a PNH foi o principal problema para os militares brasileiros, descrita em relatórios internos como ineficiente e violenta. Um exemplo ocorreu em 25 de fevereiro de 2005, quando 400 pessoas saíram às ruas de Porto Príncipe para protestar no primeiro aniversário da queda de Aristide.
Manifestantes atiraram paus e pedras contra a polícia e os militares da ONU. Segundo relato do general brasileiro João Carlos Vilela Morgero, a polícia investiu contra os manifestantes “com violência descabida e sem nenhuma coordenação”.
Em seguida, abandonou a área, deixando para a Minustah a tarefa de conter a violência.
Com o fim da intervenção, a ONU estabeleceu uma missão menor, a Minujusth (Missão das Nações Unidas para o Apoio à Justiça no Haiti). Sem componente militar e com contingente de cerca de 1.200 policiais e civis, tinha como objetivo treinar agentes e reforçar o sistema judiciário.
Após o fim da Minustah, o atual presidente do Haiti, Jovenel Moïse, recriou as Forças Armadas em 2017. A baixa popularidade das tropas da ONU no país, acusadas de violações de direitos humanos, ajudou o presidente a argumentar que o país precisava de um meio autônomo de garantir a soberania nacional.
A ONU deixou o país oficialmente em outubro de 2019, em meio a protestos contra o governo de Moïse que deixaram 17 mortos e centenas de feridos. O presidente governa por decreto desde janeiro de 2020, uma vez que o país não realizou eleições legislativas e o mandato de deputados e senadores expirou.
Desde então, o Exército, alinhado a Moïse, se tornou rival à PNH. Em 1º de março, durante outro protesto de policiais, as forças entraram em confronto em um tiroteio que durou seis horas e deixou dois mortos.
No dia 4 de setembro, em meio a aumentos em mortes violentas causadas por confrontos entre facções do crime organizado, Moïse disse que utilizaria o Exército para auxiliar a PNH no policiamento.
O Haiti é o país mais pobre das Américas. Tem o menor PIB per capita, de US$ 754, segundo o Banco Mundial, e a menor expectativa de vida, 63 anos. Em comparação, o Brasil tem US$ 8.717, ligeiramente abaixo da média da América Latina e do Caribe (de US$ 8.847), e expectativa de vida de 76 anos.
Um em cada 3 haitianos, ou 3,7 milhões de pessoas, precisa de assistência alimentar com urgência. O país está em 111º lugar entre 117 no Index Global de Fome, junto a países da África subsaariana.
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