Putin anuncia empréstimo de US$ 1,5 bi à Belarus, e Lukachenko fala em mais integração

Presidente russo classificou como 'oportuna' reforma constitucional apresentada pelo ditador bielorrusso

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Bruxelas

O presidente russo, Vladimir Putin, prometeu apoio financeiro ao ditador da Belarus, Aleksandr Lukachenko, mas cobrou maior integração política durante reunião em Sochi, na Rússia, nesta segunda (14).

“Concordamos que a Rússia concederá à Belarus um empréstimo estatal de US$ 1,5 bilhão [cerca de R$ 8 bilhões] neste momento difícil e cumpriremos esse acordo”, afirmou Putin, no encontro que durou quatro horas. A TV russa divulgou um vídeo com os 20 minutos iniciais.​

Foi a primeira visita externa do ditador bielorrusso desde a contestada eleição de 9 de agosto.

O líder russo também classificou como “lógica, oportuna e conveniente” a proposta de Lukachenko de reformar a Constituição da Belarus. A reforma vinha sendo apresentada pelo ditador como uma resposta aos que pedem sua renúncia, mas ele não a mencionou no encontro.

O presidente russo, Vladimir Putin, à dir., e o ditador bielorrusso, Aleksandr Lukachenko, durante encontro em Sochi
O presidente russo, Vladimir Putin, à dir., e o ditador bielorrusso, Aleksandr Lukachenko, durante encontro em Sochi - Reproducao/RBC

Para analistas, a referência feita por Putin foi um recado de que mudanças constitucionais serão o preço a pagar por seu apoio. Uma reforma da Constituição tiraria poder do atual ditador e abriria mais espaço para a atuação russa.

É mais um passo da "dança política permanente" entre os dois líderes, na qual Putin tenta aprofundar sua influência sobre a Belarus e Lukachenko tenta resistir, diz o analista de origem russa Serguei Sumlenni, chefe do escritório de questões bielorrussas da fundação alemã Heinrich Boell.

Para o russo, é fundamental manter a Belarus sob sua esfera de influência, porque o território bielorrusso separa seu país das tropas da Otan instaladas na União Europeia e porque é zona de passagem para o gás e o petróleo russos exportados para o Ocidente.

A Rússia é o maior investidor externo na Belarus, onde está construindo uma usina nuclear orçada em US$ 10 bilhões (R$ 53 bi). Mais de 50% do faturamento do comércio exterior bielorrusso vem do país vizinho, e quase 2.500 empresas com capital russo operam na Belarus.

Os dois países firmaram em 1999 uma associação, o Estado Unido, que permite a seus cidadãos livre circulação, residência, trabalho e estudo.

Putin quer ir muito além disso e, no ano passado, pressionou para que a Belarus adotasse o rublo russo em vez da moeda nacional, o que tiraria de Lukachenko o poder de fazer política monetária (e de emitir moeda para saldar o déficit de uma economia fortemente estatizada e ineficiente).

O projeto de unificação monetária provocou grandes protestos, usados pelo ditador bielorrusso como argumento para frear os avanços nessa área.

Há dois anos, novas manifestações serviram para afastar planos russos de instalar bases militares na Belarus.

No encontro desta segunda, Putin deixou claro que "a Rússia continua comprometida com todos os nossos acordos, inclusive os decorrentes do Tratado do Estado Unido".

Lukachenko, que tem na Rússia sua única chance de resistir à oposição interna, afirmou que a Belarus precisa "ficar mais próxima de nosso irmão mais velho”, usando a metáfora familiar que costuma atribuir à Rússia.

​Segundo Sumlenni, Lukachenko adotou retórica inflamada e tentou vender a Putin a ideia de que a Otan prepara uma invasão militar.

Declarou, por exemplo, que não deveriam ser repetidos "os erros da Grande Guerra Patriótica [como os soviéticos chamavam a Segunda Guerra Mundial, no período que vai da invasão nazista à vitória na frente europeia]".

"Na mitologia soviética, o 'grande erro' foi não perceber que a URSS seria atacada", afirma o analista.

O ditador bielorrusso também falou em traçar uma linha vermelha (impor limites) aos protestos, "assim como Putin traçou uma linha vermelha na Tchetchênia", região que foi palco de conflitos armados.

"Está claro que Lukachenko quer escalar a situação para garantir o apoio russo", diz Sumlenni. O presidente russo repetiu que os bielorrussos devem resolver seus problemas internamente, ou seja, que não deve haver interferência do Ocidente.

“Todos sabemos que estão a decorrer eventos políticos internos na Belarus, relacionados a estas eleições. Defendemos os próprios bielorrussos, sem quaisquer estímulos e pressões de fora, de forma serena e em diálogo uns com os outros, cheguem a uma solução comum”, disse Putin.

A situação atual interessa a Putin, que quer "um Lukachenko cada vez mais vulnerável internamente e, portanto, mais dependente do socorro russo", disse Luke Goffey, diretor do Centro Douglas e Sarah Allison de Relações Internacionais em debate sobre os países do leste europeu.

O custo político de bancar um líder que usa tanta violência contra seu próprio povo, porém, é muito alto e não deve interessar ao presidente russo, afirmou o embaixador Philip Reeker, do escritório de Assuntos Europeus do Departamento de Estado dos EUA.

Segundo Sumlenni, Putin não confia em Lukachenko, ainda que enfraquecido: "Mesmo um fantoche pode ter ideias próprias, ainda mais um com décadas de experiência".

Ele não descarta uma intervenção militar para sufocar as manifestações na Belarus, mas diz que o desfecho para a situação atual é imprevisível: "A situação é totalmente nova para os dois líderes. Nenhum deles teve que conviver até hoje com protestos de dezenas de milhares nas ruas durante quase dois meses".

No encontro em Sochi, o presidente russo se disse disposto a continuar a cooperação “nas empresas de defesa e na esfera militar”, mas afirmou: "Vou repetir, para que não haja especulação, que os exercícios militares conjuntos que começam nesta semana já eram planejados e até anunciados no ano passado".

Em uma rede social, a principal candidata da oposição, Svetlana Tikhanovskaia, disse que nenhum acordo entre os dois líderes será válido, porque Lukachenko é um presidente ilegítimo.

“O povo bielorrusso se recusou a confiar em Lukachenko e apoiá-lo nas eleições. Lamento muito que você tenha decidido dialogar com um ditador e não com o povo bielorrusso”, escreveu ela.

Lukachenko negou violência ou excesso de força na repressão aos protestos contra o regime, embora mais de 7.000 pessoas tenham sido detidas na Belarus desde o começo de agosto e haja ao menos 450 casos de tortura documentados por organizações de direitos humanos.

As denúncias levaram o Conselho de Direitos Humanos da ONU a aprovar um debate urgente sobre a situação na Belarus, cuja situação foi considerada "alarmante".

A reunião foi marcada para esta sexta (18). A Belarus não é membro do conselho e se opôs à proposta da UE apresentada pela Alemanha, qualificando-a de “deplorável” e uma violação do direito internacional.

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