Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
No dia 4 de julho de 2017, os moradores do Havaí se reuniram para a tradicional queima de fogos em comemoração à independência dos EUA.
Naquela mesma data, 7.500 km a oeste dali, um outro tipo de projétil subia aos céus: era o primeiro teste do Hwasong-14, ou Marte-14, o primeiro míssil intercontinental norte-coreano.
O ano já vinha tenso. Desde que Donald Trump assumira, em janeiro, ele e o ditador Kim Jong-un trocavam farpas. Na forma de xingamentos (“homem-foguete!”) e de ameaças (“fogo e fúria”) da parte de Trump, ou de testes de mísseis e de uma explosão atômica que ocorreria em setembro por cortesia de Kim.
Quando ficou evidente que o Hwason-14 poderia atingir o Alasca e, provavelmente, o Havaí, uma certa paranoia se instalou no estado de 1,4 milhão de habitantes. A crise nuclear atravessou todo o ano de 2017, e era para valer, a acreditar nas entrevistas de Trump divulgadas agora pelo repórter Bob Woodward.
Em 13 de janeiro do ano seguinte, os havaianos foram acordados com uma mensagem em seus celulares avisando que era preciso correr para abrigos antiaéreos.
“Ameaça balística rumo ao Havaí”, começava o texto, enviado por engano por uma pessoa do serviço de comunicações do governo local, que se confundiu com um teste.
Por 38 minutos, moradores de cidades como Honolulu acharam que seriam vaporizados, apesar de as sirenes da Guerra Fria, reativadas em 2017, não terem tocado.
A posição geográfica, no meio do Pacífico, já custou ao estado o trauma do ataque japonês à base de Pearl Harbour, que em 1941 marcou a entrada dos EUA na Segunda Guerra Mundial.
Tal mentalidade de alvo foi reativada por Kim, mas em 2018 a chantagem atômica do norte-coreano deu certo: ele e Trump se encontraram em Singapura. As tensões decaíram, e os testes pararam.
Uma segunda reunião, em fevereiro de 2019 no Vietnã, contudo, acabou com ambos deixando Hanói dois dias antes do previsto. A incerteza seguiu, embora agora Woodward revele que ambos os líderes seguiram trocando açucaradas cartas.
Essa estranha proximidade rendeu um breve e histórico momento da dupla na fronteira das duas Coreias, divididas desde 1953 após uma guerra empatada entre o norte comunista e o sul capitalista.
Ele ocorreu em junho de 2019, mas desde então a situação se deteriorou. Segundo relatos de agências de inteligência ocidentais e da Coreia do Sul, a volatilidade talvez esteja maior do que antes.
Kim é um líder jovem (tem aparentemente menos de 40 anos) de uma ditadura bizarra que mistura poder dinástico e stalinismo. Especialistas buscam sinais de dissenso, mas o fato é que ele até aqui repetiu a estratégia de seu pai e de seu avô, o fundador do país, matando os opositores a sangue frio.
Pyongyang já enganou os americanos uma vez, obtendo uma moratória de sanções de 1994 a 2003 que levou ao desenvolvimento final da bomba atômica, em 2016. O estado de suspensão atual pode reservar surpresas ainda maiores, e os últimos que gostariam de saber disso em primeira mão moram no Havaí.
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