Rusga com China põe estados rurais como Indiana na linha de tiro da guerra comercial

Chamado de 'melhor acordo do mundo' por Trump, pacto com asiáticos, por ora, mostrou-se inócuo

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São Paulo

Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha passa a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.

Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.

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Ponto central da campanha vitoriosa de Donald Trump em 2016, o embate com a China começa e acaba em uma guerra comercial. Indiana, estado de 6,7 milhões de habitantes, foi um dos pontos nevrálgicos do teste real da disputa, hoje hipertrofiada numa Guerra Fria 2.0.

A briga de Trump com os chineses parte da premissa de que o comércio EUA-China era desigual. Numericamente, incontestável: naquele 2016, o déficit comercial batia US$ 346 bilhões (R$ 1,84 trilhão) em favor de Pequim.

A receita de Trump foi chamar o líder Xi Jinping para conversar, o que resultou em nada em 2017. Em julho do ano seguinte, veio a salva inicial da guerra, com US$ 550 bilhões (R$ 2,93 trilhões) em produtos chineses recebendo tarifas.

Colheita de soja em fazenda em Roachdale, no estado de Indiana
Colheita de soja em fazenda em Roachdale, no estado de Indiana - Bryan Woolston - 8.nov.19/Reuters

A contrapartida de Xi foi menor, US$ 185 bilhões (R$ 987 bilhões), mas atingiu o coração de locais como Indiana. O estado é o líder em manufatura e o décimo maior produtor rural dos EUA.

No primeiro item, o impacto foi certeiro, mas matizado. A queda nas exportações de peças de câmbio, por exemplo, foi de 9,1% de 2017 para 2019.

Um fenômeno, porém, salvou o setor: crescimento de 25,8% nas exportações de produtos farmacêuticos no período, o que ajudou a equilibrar a conta. O PIB per capita em exportações subiu 4,2% no período.

O mesmo não se pode dizer do campo, que nos EUA é responsável por 20% das exportações. Segundo o Sindicato dos Fazendeiros de Indiana, metade da produção local deixou de ter mercado.

Com isso, o biênio 2018-19 tornou-se um grande “annus horribilis”, com aumento de 20% no número de falências e impacto social forte, dado que 98% das fazendas nos EUA são tocadas por famílias.

Desemprego e problemas correlatos, como o alcoolismo, passaram a pontificar reportagens econômicas.

A retaliação chinesa foi pesada. De 36 milhões de toneladas de soja comprados dos EUA em 2016-17, o valor caiu para 5,6 milhões de toneladas em 2019-20. Pacotes de ajuda aos agricultores seguraram a onda até o começo deste ano, quando um cessar-fogo entre as partes foi assinado.

Por ele, a China compraria US$ 200 bilhões (R$ 1 trilhão) anuais a mais em produtos americanos, US$ 36 bilhões (R$ 192 bilhões) deles vindos do agro. Isso fez a aprovação de Trump entre o pessoal do campo, segundo o Escritório de Fazendas Americanas, subir para quase 80%.

Só que a tal salvação da lavoura não contava com a pandemia da Covid-19, que estagnou novamente o mercado. Com efeito, nas contas da agência Bloomberg, os chineses só compraram 23% do prometido no primeiro semestre de 2020.

O chamado “melhor acordo do mundo”, por ora, mostrou-se inócuo. E custoso: em 2018 o déficit comercial com Pequim subiu (US$ 416 bilhões, ou R$ 2,2 trilhões), retornando ao nível de 2016 no ano passado.

Voltando ao chão de fábrica, só em 2019 as tarifas de importação encareceram processos produtivos, que usam insumos e peças chinesas, em US$ 46 bilhões (R$ 245 bilhões) no país.

Com a campanha eleitoral ganhando tração, o rival Joe Biden prometeu um mercado mais livre, algo pouco associado a políticos democratas. Como a disputa que sangrou Indiana está espalhada por lugares como o mar do Sul da China ou o leilão do 5G no Brasil, a retórica precisará passar pelo teste da realidade.​

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