Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
Wisconsin raramente aparece no notíciário internacional, mas poderá ter seu segundo momento de atenção global neste longo 2020. Em 23 de agosto, o estado foi cenário de uma abordagem policial chocante: dois agentes atiraram pelas costas em Jacob Blake, um homem negro, na cidade de Kenosha.
Nos dias seguintes, a cidade teve protestos e confrontos nas ruas, além de visitas de Donald Trump e Joe Biden, adversários nas eleições de 3 de novembro. Trump usou a viagem para reforçar seu discurso da lei e da ordem, e Biden se encontrou com familiares de Blake. Em um momento em que a pandemia limita os eventos de campanha, as visitas foram um sinal do peso do estado para a disputa presidencial.
Wisconsin é um estado-pêndulo: ora elege democratas, ora republicanos, e a briga é sempre acirrada.
Em 2016, Trump superou Hillary Clinton ali por apenas 22 mil votos, ou 0,7% do total. Houve vitórias ainda mais parelhas: o democrata Al Gore ganhou em 2000 por 5.708 cédulas (0,22%), e John Kerry, em 2004, teve 11.384 apoiadores a mais (0,38%) que o republicano George W. Bush.
Em um pleito apertado, cresce a chance de que os partidos peçam recontagens de votos. Essa chance é ainda maior neste ano por dois fatores: o aumento dos votos por correio e a postura de Trump de questionar a lisura do sistema eleitoral —sem apresentar evidências que sustentem as declarações.
O presidente sugeriu a eleitores votar duas vezes, pessoalmente e por carta, para testar a segurança do pleito, o que analistas consideram um estímulo a tentativas de fraude. Ele também se recusou a dizer se aceitaria uma derrota e afirmou acreditar que a apuração será decidida na Suprema Corte, como em 2000.
Naquele ano, a eleição foi desempatada pelo resultado da Flórida, outro estado-pêndulo, onde a apuração inicial apontou vantagem para George W. Bush, por cerca de 500 votos.
Houve uma batalha judicial até a vitória do republicano ser confirmada. A palavra final foi dada pela Suprema Corte, que determinou o fim da apuração, sob argumento de que o prazo máximo para proclamar o resultado deveria ser respeitado.
Desta vez, em vez da ensolarada região de Miami, a imprensa e os apoiadores dos candidatos poderão correr para alguma cidade de Wisconsin, próximo do Canadá e local de estações de esqui.
O estado também é considerado o berço do Partido Republicano, criado em 1854 por defensores do fim da escravidão. A primeira reunião para a criação da legenda foi feita lá. Outra tradição que vem daquela época é a independência dos estados para organizar a eleição presidencial em seus domínios: cada um escolhe o sistema de votação que quiser e fica responsável por coordenar a apuração.
"Houve avanços desde 2000. Muitos estados abandonaram o modelo de papel picotado que deu problema na Flórida daquela vez", diz Alberto Rollo, professor de direito eleitoral do Mackenzie. "Os candidatos têm o direito de questionar o resultado, mas precisam apresentar evidências fortes de que houve problemas."
O professor lembra que não há uma Justiça Eleitoral para julgar questões da votação. Assim, os casos acabam na Justiça comum. Com a morte de Ruth Bader Ginsburg, Trump teve a chance de indicar um terceiro nome para a Suprema Corte, o que abre espaço para que a maioria conservadora no tribunal seja ampliada para 6 a 3, o que, ao menos em teoria, daria uma posição favorável ao atual presidente.
Os republicanos correm para confirmar a nomeação de Amy Coney Barrett antes das eleições.
Pesquisas apontam Biden à frente em Wisconsin, com 50,2% das intenções de voto, ante 43,8% de Trump, segundo o site FiveThirtyEight. O democrata teve ligeira alta em setembro, após visitar o estado. Faltam 34 dias para que os eleitores do estado confirmem qual dos viajantes deixou a melhor impressão.
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