Trump pressiona por vacina antes de eleição, e órgãos de saúde se preparam para distribuir

Documento com diretrizes foi enviado a todos os estados e territórios no dia da convenção republicana

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Sheila Kaplan Katherine J. Wu Katie Thomas
The New York Times

O Centro de Controle e Prevenção de Doenças dos Estados Unidos (CDC, na sigla em inglês) notificou as autoridades de saúde pública de todos os 50 estados e de cinco grandes cidades para se prepararem para distribuir uma vacina contra o coronavírus para profissionais de saúde e outros grupos de alto risco já no final de outubro ou início de novembro.

Os documentos foram enviados no mesmo dia em que o presidente Donald Trump afirmou em um discurso na Convenção Nacional Republicana que uma vacina poderia chegar antes do final do ano, o que aumentou as preocupações de que seu governo esteja tentando apressar a distribuição de uma vacina —ou simplesmente anunciar que isso é possível— antes das eleições de 3 de novembro.

Na semana passada, Anthony Fauci, o maior especialista em doenças infecciosas dos EUA, e Stephen Hahn, que dirige a Food and Drug Administration (FDA, a agência nacional reguladora de medicamentos), disseram em entrevistas que uma vacina poderia estar disponível para certos grupos antes dos ensaios clínicos serem concluídos, caso os dados preliminares sejam extremamente promissores.

“Este cronograma de implantação inicial para o final de outubro é profundamente preocupante para a politização da saúde pública e as potenciais ramificações de segurança”, disse Saskia Popescu, epidemiologista de prevenção de infecções baseada no Arizona. “É difícil não ver isso como um incentivo para uma vacina pré-eleição.”

Especialistas em saúde pública concordam que órgãos de todos os níveis de governo devem se preparar urgentemente para o que será um esforço vasto e complexo para vacinar centenas de milhões de americanos.

Para uma gestão que tem tropeçado nos desafios logísticos para conter o coronavírus, a distribuição de milhões de vacinas que devem ser armazenadas em temperaturas abaixo de zero e fornecidas primeiro a grupos de alto risco por meio do sistema de saúde fragmentado e falho dos Estados Unidos seria um desafio assustador.

A própria orientação do CDC reconhece que seu plano é hipotético e baseado na necessidade de começar imediatamente a organizar o gigantesco esforço que seria necessário caso a FDA aprovasse uma ou duas vacinas neste ano.

Três documentos foram enviados a funcionários de saúde pública em todos os estados e territórios, bem como funcionários em Nova York, Chicago, Filadélfia, Houston e San Antonio em 27 de agosto. Eles descrevem cenários detalhados para a distribuição de duas vacinas potenciais não identificadas em hospitais, clínicas móveis e outras instalações que oferecem fácil acesso aos primeiros destinatários visados.

As vacinas citadas pelo CDC necessitam ser administradas em duas doses, com algumas semanas de intervalo.

Muitos dos detalhes listados para as duas vacinas —incluindo a temperatura de armazenamento exigida, o número de dias necessários entre as doses e o tipo de centro médico que pode acomodar o armazenamento do produto— correspondem ao que a Pfizer e Moderna disseram sobre seus produtos, que são baseados na chamada tecnologia de mRNA. Nenhuma das empresas respondeu aos pedidos de comentários.

Em 20 de agosto, a Pfizer disse que estava "no caminho certo" para solicitar uma avaliação do governo "já em outubro de 2020".

As diretrizes do CDC preveem que profissionais de saúde, incluindo cuidadores, estariam entre os primeiros a receber a imunização, assim como outros trabalhadores essenciais e agentes de segurança nacional.

Pessoas com 65 anos ou mais, indígenas, membros de "minorias raciais e étnicas” e presos —grupos que apresentam maior risco de infecção e de contrair as formas mais graves da Covid-19— também aparecem como prioridade.

Esse é um desenvolvimento positivo “para que tudo não vá parar em subúrbios ricos e de alta renda”, disse Cedric Dark, médico emergencial do Baylor College of Medicine, no Texas.​

Os cenários, que presumem que as duas vacinas demonstrarão segurança e eficácia suficientes para uma autorização de emergência do FDA até o final de outubro, observaram que a Vacina A, que parece ser compatível com a da Pfizer, teria cerca de 2 milhões de doses prontas dentro deste prazo, e que a Vacina B, cuja descrição coincide com a da Moderna, teria cerca de 1 milhão de doses prontas —ambas as empresas produziriam dezenas de milhões de doses até o final do ano.

Embora seja possível que alguns resultados preliminares positivos possam surgir até o final de outubro, os especialistas estão céticos.

“O cronograma previsto parece um pouco ambicioso para mim”, disse Dark. “Outubro é daqui 30 dias.”

Os ensaios que testam a eficácia de uma vacina podem levar anos para produzir resultados confiáveis. É possível tirar conclusões mais cedo "se houver uma reação determinante" que mostre que pessoas vacinadas parecem estar muito mais protegidas contra a doença, disse Padmini Pillai, imunologista do MIT (Massachusetts Institute of Technology) que desenvolve pesquisas sobre vacinas.

Mas pode haver riscos significativos na aprovação de uma vacina para amplo uso no público antes que os ensaios clínicos de fase 3, que envolvem dezenas de milhares de participantes, sejam concluídos. Efeitos colaterais raros, mas perigosos, podem surgir com o tempo, após um grande número de pessoas terem sido vacinadas.

Além disso, os dados coletados na fase inicial de testes podem mudar à medida que o processo avança. Os pesquisadores também precisam de tempo para testar um grande número de pessoas de várias origens para determinar o quão bem a vacina funciona em diferentes populações —incluindo as comunidades vulneráveis priorizadas nas diretrizes.

Se algum desses empecilhos ocorrer, disse Pillai, o público pode não confiar plenamente na vacina.

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