Visíveis após passeata na Virgínia em 2017, extremistas da alt-right ganham impulso sob Trump

Grupos defendem visões anti-imigração, racistas e homofóbicas

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São Paulo

Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.

Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.

*

“Se Trump perder a eleição, a polícia será abolida nos Estados Unidos e os negros vão para sua casa matar você e sua família. Não se trata apenas de política, é uma questão de sobrevivência.”

Recentemente, essa frase figurava com destaque no Stormfront, o maior site nazista dos Estados Unidos, exortando os membros a votarem no presidente Donald Trump na eleição de 3 de novembro.

Em seus quase quatro anos de mandato, o republicano fez de tudo para “normalizar” a alt-right e os supremacistas brancos, que, em linhas gerais, defendem a superioridade dos brancos em relação a outros grupos, como negros e hispânicos.

Como resultado, o número de grupos nacionalistas brancos nos EUA explodiu. Segundo o levantamento anual do Southern Poverty Law Center, entidade que monitora o extremismo no país, os EUA tinham 155 grupos de nacionalistas brancos em 2019 —um salto de 55% em relação a 2017, primeiro ano do mandato de Trump.

Militantes da extrema direita em manifestação racista em Charlottesville, na Virgínia, em 2017 - Alejandro Alvares/News2Share - 11.ago.17/Reuters

O ápice foi a passeata “Unite the Right”, em Charlottesville, no estado da Virgínia, nos dias 11 e 12 de agosto de 2017. A manifestação reuniu centenas de extremistas para protestar contra a remoção de uma estátua que homenageava Robert E. Lee, general confederado da Guerra Civil americana e defensor da escravidão.

Alguns manifestantes usavam suásticas no braço ou empunhavam tochas, aludindo à Ku Klux Klan. Muitos gritavam “vidas brancas importam”, em contraposição ao movimento negro Black Lives Matter, e “judeus não vão nos substituir”.

O protesto teve fim trágico quando um neonazista dirigiu sua caminhonete contra um grupo que organizou uma manifestação pacifista em oposição aos supremacistas. Uma manifestante antirracismo de 32 anos morreu, e várias pessoas ficaram feridas.

Trump, em vez de condenar de forma veemente o protesto racista, igualou supremacistas brancos aos manifestantes contra o racismo. O presidente americano disse que “havia pessoas muito boas dos dois lados” e que “havia muita gente naquele grupo que estava lá para protestar inocentemente e de maneira muito legal", referindo-se aos extremistas.

Supremacistas não demoraram a celebrar o apoio. "Obrigado, presidente Trump, por sua honestidade e coragem ao dizer a verdade", escreveu em uma rede social David Duke, antigo líder da Ku Klux Klan, após a fala de Trump.

O protesto de Charlottesville foi organizado pelo supremacista branco Jason Kessler e por Richard Spencer, um dos fundadores da alt-right. Logo após a eleição de Trump, em 2016, Spencer havia sido flagrado em vídeo fazendo a saudação nazista em uma conferência.

Nas imagens, ele e dezenas de integrantes da alt-right estendem o braço como fazia Adolf Hitler, dizendo: “Hail Trump”, “Hail nosso povo” e “Hail vitória” (tradução do slogan nazista “Sieg heil”).

A chamada alt-right (direita alternativa) é formada por grupos ideológicos associados a visões anti-imigração, racistas e homofóbicas e exímios usuários de mídias digitais para disseminar conteúdo preconceituoso. Eles ganharam força a partir de 2010.

Muitos professam uma defesa da “civilização ocidental” e do cristianismo e querem impedir o “genocídio branco”, dizendo que os brancos estão se tornando minoria no país. Eles rejeitam o globalismo, o igualitarismo e o multiculturalismo.

Segundo Jennifer Rich, diretora do Centro de Estudos do Holocausto, Genocídio e Direitos Humanos da Universidade Rowan, os integrantes da alt-right afirmam acreditar que os brancos, principalmente os homens brancos, estão perdendo seus direitos nos EUA.

Rich fez uma pesquisa entrevistando inúmeros estudantes integrantes da alt-right. “Segundo eles, por causa de ações afirmativas, é menos provável que eles sejam contratados ou que consigam entrar na faculdade”, contou à Folha.

“Donald Trump verbaliza o medo e a raiva que esses jovens sentem em relação ao futuro e fornece bodes expiatórios. Com Trump no poder, na visão deles, é socialmente aceitável demonstrar raiva contra imigrantes, pessoas de outras raças, judeus, muçulmanos e mulheres.”

O principal veículo da alt-right era o Breitbart News, que disseminou, em 2016, notícias falsas sobre supostos rituais de magia negra da então candidata democrata, Hillary Clinton. O site era capitaneado por Steve Bannon, que foi coordenador da campanha de Trump naquele pleito e ocupou o cargo de estrategista na Casa Branca por oito meses, até se desentender com o chefe.

“Trump usa a linguagem dos supremacistas brancos quando recorre a termos como 'infestação' para descrever imigrantes latinos e 'buraco de merda' para falar de países 'não brancos'. Isso tudo é música para os ouvidos dos supremacistas porque espelha o jeito como eles falam nos chats”, diz à Folha Peter Simi, professor de sociologia da Chapman University, especializado no estudo do extremismo e violência.

Mas o líder americano não fica apenas na retórica. “Trump também promove políticas que ressoam com os supremacistas brancos. Por exemplo, o veto a imigrantes muçulmanos no início do mandato, a construção de um muro e outras medidas anti-imigração, e [o discurso de] 'lei e ordem' contra manifestantes do Black Lives Matter”, diz.

Steven Miller, assessor de Trump e idealizador da maior parte das políticas linha-dura anti-imigração, é outro exemplo de integrante do governo com inclinações supremacistas.

Em sua campanha eleitoral, Trump já retuitou comentários de contas abertamente supremacistas, usa linguagem racista ao dizer que os subúrbios de classe média estarão ameaçados pela invasão de habitação popular se o democrata Joe Biden vencer e apoia os seguidores do QAnon —eles dizem acreditar na teoria da conspiração de que existe uma rede global de pedófilos que inclui políticos democratas.

Para a alt-right, o protesto de Charlottesville foi um divisor de águas. Ao mesmo tempo em que ganharam visibilidade e provaram que não estavam restritos aos chats online de extremistas, seus integrantes passaram a ser visados. Muitos tiveram suas identidades reveladas e perderam o emprego ou foram processados, e plataformas de internet baniram contas ligadas ao grupo.

Simi, no entanto, não considera que o movimento esteja morto. Diz que uma reeleição de Trump pode empoderar grupos de extrema direita em seus embates contra o Black Lives Matter e os antifas.

O professor afirma que uma vitória de Joe Biden, por sua vez, deve inflamar os supremacistas, que podem contestar os resultados da eleição, incitados pelo presidente Trump.

“Uma vitória de Biden não será aceita por grande parte da base de Trump, e muitos acham que se deve recorrer a uma ação armada contra o que consideram uma eleição ilegítima”, diz Simi.

Brian Levin, diretor do Centro de Estudos sobre Ódio e Extremismo, da Universidade Estadual da Califórnia, também antecipa violência na eleição por causa dos supremacistas.

“Estereótipos e teorias da conspiração são onipresentes, estamos preocupados porque isso deve resultar em violência”, disse à Folha. “Os dois piores períodos em termos de crimes de ódio na década passada ocorreram perto de eleições —novembro de 2016 e outubro de 2018 [eleição legislativa].”

50 ESTADOS, 50 PROBLEMAS

  1. Minnesota

    Morte de George Floyd em Minnesota escancarou outra vez racismo sistêmico americano

  2. Texas

    Divisa do Texas se tornou ícone da cruzada de Trump contra imigrantes

  3. Indiana

    Rusga com China põe estados rurais como Indiana na linha de tiro da guerra comercial

  4. Missouri

    Caso no Missouri ajudou a pavimentar decisão da Suprema Corte que protege comunidade LGBT

  5. Califórnia

    Califórnia, de moradores de rua e aluguéis caríssimos, espelha problema da habitação nos EUA

  6. Idaho

    Superlotação em prisões de Idaho expõe encarceramento em massa nos EUA

  7. Arizona

    Arizona põe à prova discurso de Trump de destruição dos subúrbios americanos

  8. Colorado

    Legalização federal é pedra no sapato de empresários da maconha no Colorado

  9. Arkansas

    Solidamente republicana, Arkansas facilita venda de armas

  10. Alasca

    Chance de explorar petróleo em reserva ambiental no Alasca opõe modelos de desenvolvimento

  11. Nova York

    Nova York procura saída para déficit bilionário agravado pela pandemia de coronavírus

  12. Flórida

    Flórida se tornou laboratório da postura errática de Trump diante da pandemia

  13. Carolina do Sul

    Briga na Carolina do Sul por estátua de Pantera Negra evidencia onda contra símbolos confederados

  14. Nevada

    Com dados alarmantes, Nevada retrata epidemia da violência doméstica nos EUA

  15. Alabama

    No top 5 de tiroteios em escolas, Alabama alimenta estatística que assombra EUA

  16. Dakota do Norte

    Na Dakota do Norte, indígenas enfrentam pobreza e oleoduto apoiado por Trump

  17. Maryland

    Disputa entre público e privado em Maryland é retrato da educação nos EUA

  18. Havaí

    Relação conturbada dos EUA com Coreia do Norte espalha medo no Havaí

  19. Wisconsin

    Sombra da judicialização paira sobre disputas acirradas em estados como Wisconsin

  20. Virgínia

    Passeata na Virgínia em 2017 deu visibilidade para extremistas da alt-right

  21. Kansas

    Kansas quer levar supressão do voto, trincheira dos direitos civis nos EUA, à Suprema Corte

  22. Carolina do Norte

    Com programa inovador, Carolina do Norte enfrenta problema crônico de acesso à saúde

  23. Oklahoma

    Biden visa aumento salarial a professores e mira demanda de grevistas em Oklahoma

  24. Wyoming

    Wyoming espelha diferenças salariais entre homens e mulheres nos EUA

  25. Iowa

    Confusão nas prévias em Iowa reaviva discussões sobre reforma no sistema eleitoral

  26. Nova Jersey

    Governador de Nova Jersey vive rebote de fake news que tomaram EUA desde 2016

  27. Louisiana

    Louisiana espelha tentativas de estados conservadores de cercear o aborto

  28. Ohio

    Às voltas agora com fentanil, Ohio vê nova alta de mortes por opioides

  29. Delaware

    Berço político de Biden, Delaware é paraíso da evasão de impostos nos EUA

  30. New Hampshire

    New Hampshire vira palco de disputa entre religiosos e defensores do Estado laico

  31. Nebraska

    Taxar bilionários, como o 'oráculo de Nebraska', vira tema de campanha

  32. Utah

    Com 1 caso de fraude em voto por correio desde 2013, Utah derruba tese de Trump

  33. Rhode Island

    Vírus leva desemprego a montanha-russa, e estados como Rhode Island pagam a conta

  34. Massachusetts

    Sonho de universidade de ponta em Massachusetts vira pesadelo de dívida estudantil

  35. Maine

    Baixo índice de crimes violentos deixa Maine fora do radar do discurso de 'lei e ordem'

  36. Novo México

    Novo México enfrenta com terapia aumento do suicídio de crianças e adolescentes

  37. Geórgia

    Prefeita negra na capital da Geórgia é exceção que confirma falta de diversidade na política dos EUA

  38. Illinois

    Berço político de presidentes, Illinois simboliza a corrupção nos EUA

  39. Connecticut

    Com dívida bilionária e alta desigualdade, Connecticut ilustra contradições americanas

  40. Mississippi

    Com 40% de obesos, Mississippi lidera epidemia que deixou de ser combatida sob Trump

  41. Kentucky

    Dependência de carvão no Kentucky reflete percepção distorcida sobre aquecimento global

  42. Virgínia Ocidental

    Crise de empregos faz América grande novamente só uma ilusão na Virgínia Ocidental

  43. Pensilvânia

    Divisões na Pensilvânia viram alegoria perfeita da polarização nos EUA

  44. Vermont

    População idosa de Vermont espelha bomba relógio da previdência americana

  45. Dakota do Sul

    Caso na Dakota do Sul chama a atenção para debate sobre pena de morte nos EUA

  46. Washington

    Washington desafia barreiras de Trump para acolhimento a refugiados

  47. Michigan

    Michigan simboliza falha de Trump em promessa de recuperar empregos industriais

  48. Tennessee

    Conservador, Tennessee retrata a força dos grupos de ódio nos EUA

  49. Montana

    'Deserto de creches', Montana é caso extremo de crise silenciosa nos EUA

  50. Oregon

    Envio de tropas federais ao Oregon catalisou crises de 2020 em torno de Trump

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