A 27 dias da eleição, Trump precisa de reviravolta inédita para se reeleger

Nunca um candidato em uma desvantagem tão grande tão perto do pleito conseguiu vencer a disputa

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São Paulo

Em uma campanha marcada pela imprevisibilidade causada pela pandemia de coronavírus, Donald Trump precisará realizar uma reviravolta inédita na história da democracia americana para continuar morando na Casa Branca por mais quatro anos.

Ao menos é isso que indicam as pesquisas mais recentes de intenção de voto.

A 27 dias da eleição, que será em 3 de novembro, o democrata Joe Biden tem uma vantagem de 9,5 pontos percentuais sobre o republicano (51,7% contra 42,2%), segundo a compilação dos levantamentos feita pelo site especializado FiveThirtyEight nesta quarta (7).

Desde que as pesquisas eleitorais nos EUA passaram a adotar metodologias científicas, nos anos 1930, nenhum candidato conseguiu reverter uma desvantagem tão grande a tão pouco tempo da eleição.

Isso não significa que não existam surpresas na história eleitoral dos EUA. O próprio Trump, aliás, protagonizou uma das mais conhecidas quando foi eleito em 2016.

Joe Biden e Donald Trump participam do primeiro debate presidencial da campanha de 2020
Joe Biden e Donald Trump participam do primeiro debate presidencial da campanha de 2020, em Cleveland - Olivier Douliery - 29.set.20/AFP

Na ocasião, o republicano chegou ao dia da eleição como azarão —o FiveThirtyEight apontava que ele tinha cerca de 30% de chance de vitória— e saiu como presidente eleito dos Estados Unidos.

Mas ainda que ele consiga repetir o desempenho e diminua a diferença em relação a Biden assim como fez com Hillary Clinton, isso provavelmente não será suficiente para lhe dar a vitória.

Há quatro anos, Hillary tinha 6,2 pontos percentuais de vantagem sobre Trump a 27 dias da eleição. Quando as urnas abriram, a vantagem da democrata era de apenas 2,1 pontos —48,2% dos votos para ela, 46,1% para ele.

No peculiar sistema eleitoral americano, porém, não necessariamente o vencedor da disputa é o candidato mais votado.

Isso porque quem de fato escolhe o presidente é o Colégio Eleitoral, que não segue proporcionalmente os votos totais.

Cada estado tem um número de votos no Colégio Eleitoral proporcional à sua população. A Califórnia, com 39,51 milhões de habitantes, por exemplo, tem direito a 55 representantes. Já a Dakota do Sul, com 884,6 mil, a 3.

O candidato que vence a eleição em um estado leva todos os votos dele —as exceções são Nebraska e Maine, que dividem os votos de maneira um pouco mais proporcional. No fim do processo, é eleito quem conquistar mais da metade dos votos no Colégio Eleitoral, ou seja, ao menos 270 dos 538 votos possíveis.

Ao diminuir a vantagem de Hillary nas vésperas da eleição, Trump conseguiu virar a disputa dentro do Colégio Eleitoral —ele foi eleito com 304 votos, contra 227 da rival.

Segundo analistas, é possível que a situação se repita em 2020. De acordo com o FiveThirtyEight, Trump tem atualmente cerca de 10% de chance de perder no voto popular e mesmo assim ser reeleito (a possibilidade de algo semelhante acontecer com Biden é menor que 1%).

Para isso, porém, o republicano precisa diminuir a vantagem do democrata de uma maneira ainda mais intensa do que há quatro anos.

Se a vantagem de Biden caísse 4,1 pontos até a eleição (igual a 2016), o democrata venceria Trump por uma vantagem de 5,4 pontos no voto popular. Nesse cenário, o democrata teria 98% de chance de vencer o Colégio Eleitoral, novamente segundo o FiveThirtyEight.

Ou seja, Trump até teria alguma chance de vitória, mas extremamente baixa. Para o republicano de fato entrar na disputa, a vantagem de Biden precisa cair para algo abaixo de 3 pontos percentuais —nesse caso, a chance de vitória de cada um ficará próximo de 50%.

O jornal The New York Times calculou estado a estado o que aconteceria em 2020 se as pesquisas errassem na mesma intensidade que as de quatro anos atrás e chegou à mesma conclusão.

Nesse caso, a eleição seria mais disputada que o cenário atual, mas Biden mesmo assim venceria com certa folga, por 319 a 219 no Colégio Eleitoral.

O FiveThirtyEight calculou, ainda, como estava a disputa em todas as eleições anteriores desde 1976 e também percebeu que nenhum candidato que estava em uma desvantagem como a de Trump atualmente conseguiu reverter o quadro tão perto da votação.

Na verdade, além de Trump em 2016, só Barack Obama estava atrás da disputa a 27 dias do pleito e conseguiu se sair vitorioso.

Diga-se que a desvantagem do democrata para seu então rival, o republicano Mitt Romney, era de apenas 0,4 ponto. No fim, Obama venceu a eleição por 3,9 pontos e no Colégio Eleitoral por 332 a 206.

Segundo esse levantamento, Bill Clinton foi o presidente que mais perdeu vantagem na reta final da disputa. Em 1992, o democrata tinha 12,6 pontos à frente do republicano George H. W. Bush, mas no fim venceu por apenas 5,6 pontos (43% a 37,4%).

Assim, ele perdeu 7 pontos no último mês de campanha, ainda que tenha conseguido vencer o pleito.

Em 1996, o cenário foi semelhante: Clinton viu a vantagem de 14,1 pontos sobre o republicano Bob Dole a 27 dias da eleição cair 5,6 pontos. Mesmo assim, o democrata ganhou com uma larga margem, com 8,5 pontos de vantagem sobre o rival.

Além dessas disputas, há registro de outras viradas na história americana —mas ou elas aconteceram em um momento anterior da campanha, ou ocorreram quando as diferenças eram menores, ou são de uma época em que havia poucas pesquisas confiáveis.

A mais conhecida virada em uma eleição americana ocorreu em 1948. No final de outubro daquele ano, o republicano Thomas E. Dewey aparecia com cerca de 5 pontos de vantagem sobre o então presidente, o democrata Harry Truman.

Mas o presidente conseguiu vencer a eleição com 49,6% do total de votos, contra 45,1% do adversário. Para comemorar o resultado, o democrata posou feliz com a capa do jornal Chicago Daily Tribune, que anunciava incorretamente em sua manchete que o republicano tinha sido o vencedor, e não Truman.

Outro caso conhecido ocorreu no pleito de 1936. Na época, o principal levantamento eleitoral do país era realizado pela revista The Literary Digest.

A publicação perguntava por correspondência em quem seus leitores iriam votar —ou seja, não usava uma amostra científica para determinar quem respondia ao levantamento.

Após acertar o resultado das cinco eleições anteriores, a revista tinha ganhado a confiança dos leitores quando publicou em sua edição de 31 de outubro de 1936 que o republicano Alf Landon conquistaria 57,1% dos votos e derrotaria o então presidente, o democrata Franklin Roosevelt.

Quando as urnas abriram, o resultado foi um massacre de Roosevelt, que obteve 60,8% dos votos contra apenas 36,5% do rival.

Já o Instituto Gallup, que tinha sido fundado no ano anterior, fez uma pesquisa baseada em uma amostra científica e corretamente apontou a vitória do democrata.

No fim, os dois responsáveis pelas projeções tiveram futuros bastante distintos. Após o erro, a Literary Digest perdeu o apoio do público e acabou fechando em meados de 1937.

Enquanto isso, o Gallup e seus métodos científicos se tornaram modelo para as pesquisas eleitorais em todo o país, e ele seguiu como um dos principais institutos de pesquisa dos EUA nas décadas seguintes —até decidir em 2016 que iria parar de fazer levantamentos eleitorais porque as disputas estavam muito imprevisíveis.

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