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A pandemia e os argumentos para o sucesso do Uruguai

Solidez institucional, coesão social e uma gestão governamental exemplar seriam algumas das causas do êxito do país

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Jeronimo Giorgi

Jeronimo Giorgi é um jornalista uruguaio que cobre assuntos internacionais e colaborou com diversos veículos na América Latina e Europa.

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A América é o epicentro global da pandemia. Mas há uma exceção: o Uruguai.

Enquanto a maioria dos países da região conta as mortes aos milhares, no Uruguai o número de mortos pela Covid-19 é inferior a 50.

Em agosto, Dialogo a Fondo, um blog do Fundo Monetário Internacional (FMI), publicou um texto explicando a realidade uruguaia.

Solidez institucional, coesão social e um estado de bem-estar social fortalecido durante as últimas décadas, somados a uma gestão governamental exemplar, seriam as causas do sucesso.

Entretanto, os argumentos apresentados neste e em outros artigos, assim como pelo governo e pela oposição, que disputam o reconhecimento, não explicam a realidade do país. As causas fundamentais do milagre podem ter pouco a ver com o mérito charrúa.

O governo "levou a ameaça muito a sério" e agiu com "rapidez", o texto começa explicando.

Quando os primeiros quatro casos foram confirmados em 13 de março, Lacalle Pou anunciou uma emergência sanitária e decretou o fechamento parcial das fronteiras e o cancelamento dos eventos públicos.

O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, concede entrevista coletiva em Montevidéu
O presidente do Uruguai, Luis Lacalle Pou, concede entrevista coletiva em Montevidéu - Nicolás Celaya - 26.ago.2020/Xinhua

Segundo o observatório Covid-19 da Cepal ( Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe), todos os países sul-americanos fecharam suas fronteiras, total ou parcialmente, de 14 a 18 de março e suspenderam os eventos maciços de 12 a 19 de março. O Uruguai não foi o primeiro em nenhum dos casos.

No Uruguai, o confinamento compulsório nunca foi decretado e se apelou para a responsabilidade cidadã. Essa é outra das causas destacadas pelas autoridades em um artigo do Washington Post.

Do ponto de vista sanitário, essa medida é menos rigorosa do que as quarentenas obrigatórias aplicadas nos países vizinhos; portanto, na melhor das hipóteses, a medida não agravou a propagação do vírus.

Nessa linha, o cientista político uruguaio Daniel Chasqueti enfatizou em um artigo na revista PEX que "o comportamento dos cidadãos é uma das peças-chave para entender o bem-sucedido quebra-cabeça uruguaio".

Segundo dados do Google Uruguai, o comparecimento a atividades recreativas na segunda quinzena de março foi reduzido em 75%. Mas, de acordo com um artigo no La Diaria, durante os mesmos dias "a queda na mobilidade foi muito maior" na Argentina.

No artigo "Coronavirus en Uruguay: la singular y exitosa estrategia…", a BBC considera o grupo científico consultivo nomeado pelo presidente um elemento distintivo.

Mas, deixando de lado governos populistas como os de Bolsonaro, López Obrador ou Trump, que até certo ponto priorizaram o amortecimento dos efeitos econômicos a fim de colocar suas agendas pessoais em primeiro lugar, a grande maioria dos governos voltou-se para suas comunidades científicas para definir suas estratégias.

Destaca-se também o desenvolvimento nacional de testes diagnósticos. No final de março, os pesquisadores do Instituto Pasteur e da Universidade da República projetaram um kit que permitiu um melhor rastreamento.

Realizações semelhantes, porém, foram alcançadas na Argentina por cientistas do Conicet, assim como por cientistas chilenos da Universidade de Talca e brasileiros do Hospital Israelita Albert Einstein.

A quantidade de testes é outro fator chave. De acordo com dados de Our Wold in Data, a proporção no Uruguai, embora baixa em comparação com os países desenvolvidos, é alta no contexto latino-americano.

O Chile e a Costa Rica, no entanto, testaram proporcionalmente muito mais. A partir de 1º de abril, pouco mais de uma em cada mil pessoas foi testada por dia no Uruguai, enquanto no Chile eram quase duas e na Costa Rica, 1,7. Quatro meses depois, essas diferenças haviam se ampliado.

De acordo com O Globo, o sistema de saúde tem sido fundamental para explicar a excepcionalidade uruguaia. "Nosso sistema universal de saúde é decisivo para os resultados que registramos", disse o ministro da Saúde uruguaio, Daniel Salinas.

No entanto, esse não parece ter sido tão essencial, já que até 21 de setembro apenas 43 pacientes haviam passado por cuidados intensivos e cerca de 120 por cuidados intermediários.

Talvez a medida mais eficaz tenha sido a vigilância epidemiológica. Segundo a Deutsche Welle, "nos primeiros três meses da pandemia nunca houve mais do que cinco gerações de propagação".

Não se pode ignorar, no entanto, o número de casos importados e sua cronologia na evolução da pandemia.

Em 13 de março, o Uruguai tornou-se o último país sul-americano a registrar uma infecção, e a partir do dia seguinte. e durante os quatro dias posteriores, todos os países sul-americanos fecharam suas fronteiras total ou parcialmente. Até então, Brasil, Equador ou Venezuela haviam identificado seus primeiros casos duas semanas antes.

Os argumentos apresentados nesses artigos descrevem as qualidades conhecidas do país e a ação correta das autoridades uruguaias. Mas essas razões, por si só, não explicam a situação sem precedentes do país.

O isolamento geográfico tem sido fundamental para conter a pandemia. De acordo com um artigo da BBC, os únicos dez países do mundo sem casos confirmados no final de agosto eram ilhas do Pacífico.

Mais representativo é o caso da Nova Zelândia, uma ilha com uma população e densidade semelhante à do Uruguai, que, segundo dados do Worldometer, tem atualmente números semelhantes de pessoas infectadas e mortas.

O Uruguai não é uma ilha. Entretanto, enquanto a Argentina está separada pelo rio da Prata e o rio Uruguai, que é atravessado por apenas três pontes, o Brasil está separado por 1.068 km de fronteira que o ligam a uma região com uma densidade populacional muito baixa. Na prática, isso faz do Uruguai um território geograficamente isolado de zonas com alta densidade populacional.

Além disso, o Uruguai não está no caminho de lugar nenhum. Isso explica, juntamente com seu tamanho, a baixa conectividade aérea e o fato de ter sido o último país sul-americano a registrar seu primeiro caso.

De acordo com o Global Connectivity Ranking, São Paulo, Lima, Bogotá, Buenos Aires, Santiago, Rio e Caracas estavam em 2016 entre a 128ª e 25ª posição das cidades com a maior conectividade aérea do mundo. Quito ficou em 384º lugar, e Montevidéu, em 525º, posição semelhante à de Santa Cruz e de Assunção.

O Uruguai também teve, até recentemente, uma situação semelhante à do Paraguai no que diz respeito à pandemia. No final de julho, o país vizinho, um dos mais frágeis da região, contava com apenas 40 mortes. No entanto, a Tríplice Fronteira –uma área altamente povoada que se estende ao Brasil e à Argentina– acabou pagando seu preço, e Ciudad del Este acabou se convertendo na fonte de perturbação do Paraguai.

Apesar da baixa densidade populacional nas áreas de fronteira com o Brasil, vários dos principais focos no Uruguai surgiram ali. Entretanto o país conseguiu manter, por enquanto, a pandemia sob controle.

O primeiro grande desafio do Uruguai ainda está por vir.

Para a próxima temporada de verão, um dos países da região com mais turistas em relação à sua população, não terá outra escolha. Ou mantém seu isolamento e sacrifica o turismo, o que implicaria um enorme custo econômico e social, ou se abre para a chegada maciça de estrangeiros, o que poderia pôr um fim nas manchetes que tanto orgulham o país.

www.latinoamerica21.com, um projeto plural que dissemina diferentes visões da América Latina.

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