Quando Donald Trump surpreendeu os pesquisadores e analistas ao vencer as eleições de 2016, o comediante sul-africano Trevor Noah disse que os Estados Unidos finalmente teriam um presidente africano, e eu acrescentaria latino-americano.
Trump está à altura do ex-presidente equatoriano Abdalá Bucaram em sua vulgaridade e machismo. Enquanto Bucaram alegou que seus rivais tinham sêmen aquoso, Trump gabou-se de que agarraria qualquer mulher que quisesse.
Similar aos políticos latino-americanos que não separam o cargo de presidente da República de seus negócios, o New York Times relatou como os negócios de hotelaria e clubes de Trump se beneficiaram durante sua presidência. Assim como outros populistas que negam a possibilidade de o povo não votar neles, Trump disse que se perder será por fraude e não se comprometeu a aceitar os resultados das eleições.
O que aconteceu na democracia americana? Como chegou ao ponto de um presidente e cerca da metade da população parecerem dispostos a ignorar as eleições se não ganharem? Ao contrário de quando os partidos Democrata e Republicano competiam pelo eleitor médio e tinham propostas semelhantes, estes partidos se polarizaram. As guerras culturais marcaram dois campos que têm até mesmo estilos de vida diferentes.
Os democratas são mais seculares e progressistas, incluindo feministas, grupos não-brancos e comunidades LGBTQ. Os republicanos são um partido majoritariamente branco, cristão, que não acreditam no Estado e que procura reverter as políticas de reconhecimento cultural para não-brancos, mulheres, lésbicas e gays.
As eleições primárias, que pretenderam democratizar os partidos políticos, permitiram que grupos radicalizados administrem suas agendas. Enquanto os ativistas de direita assumiram o partido republicano, as elites do Partido Democrata continham grupos de esquerda.
Os partidos atuaram com a lógica dos movimentos sociais. A esquerda politizando as diferenças socioeconômicas entre o 99% e o 1%. A direita se rebelou contra as mudanças de poder racial, geracional e de gênero, procurando retornar a um passado mítico onde as mulheres, não-brancos e homossexuais estavam em seu lugar.
Quando Trump anunciou sua candidatura, alegando que os mexicanos são criminosos, o terreno estava preparado para um político que daria voz a setores xenófobos, racistas e àqueles que procuravam impor sua fé a toda a sociedade. Trump era a ponta de lança de um movimento de brancos que se sentiam uma minoria esmagada pelo "political correctness". As palavras de Trump lhes pareciam libertadoras. Os fundamentalistas cristãos e católicos o apoiaram pois ele prometeu colocar juízes conservadores que terminem como o direito ao aborto, o casamento gay e a intromissão do Estado na política de saúde.
Após quatro anos, Trump manteve o apoio de grupos conservadores, as igrejas fundamentalistas estão mobilizando os fiéis em seu favor, e ele ressuscitou o anticomunismo e o medo de mudanças. Sua grande vantagem é que seus seguidores sairão para votar e provavelmente o apoiarão se ele disser que houve fraude.
Os democratas estão se beneficiando da incapacidade de Trump de controlar a Covid, da crise econômica e da fadiga da polarização. Entretanto, é menos certo que os democratas irão votar, principalmente porque muitos apoiadores de Bernie Sanders não se sentem representados por Joe Biden ou Kamala Harris.
O populismo se legitima nas urnas, quando as eleições não decidem, os populismos se transformam em ditaduras. 2020 poderia ser o ano da pandemia, da crise econômica mais forte desde os anos 30 do século passado e o ano em que a democracia americana morreu. Ou, alternativamente, o ano em que a democracia sobreviveu apesar de todas as adversidades.
Trump é mais um sintoma de um sistema político e de uma sociedade que necessitam mais de reformas do que sua causa. Os EUA são um país profundamente desigual, onde a polícia mata minorias étnicas impunemente e onde os laços de solidariedade entre os cidadãos foram cortados.
É uma sociedade polarizada na qual a política não pode ser discutida em reuniões familiares e na qual o uso de uma máscara em uma epidemia é um ato político. Se Trump não reconhecer a vitória de Biden, ele poderá incitar o confronto nas ruas e levar os militares a decidir quem é o futuro presidente, como aconteceu em tantos países do chamado terceiro mundo onde as forças armadas ainda são os árbitros da democracia.
*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima
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