Depois de ocupar o centro das discussões em torno da eleição americana por bloquear o compartilhamento de uma reportagem contra o democrata Joe Biden, o Twitter recuou da ação controversa e anunciou mudanças nas regras sobre dados hackeados.
"Tentamos encontrar o equilíbrio certo entre privacidade das pessoas e direito à liberdade de expressão, mas podemos fazer melhor", escreveu Vijaya Gadde, chefe de políticas de segurança do Twitter.
Segundo Gadde, a plataforma não removerá mais conteúdo hackeado, "a menos que seja diretamente compartilhado por hackers ou por aqueles que agem em conjunto com eles".
O Twitter também passará a colocar avisos em publicações para fornecer contexto em vez de bloquear o compartilhamento de links. As marcações, adotadas recentemente, já foram utilizadas em conteúdos compartilhados pelo presidente dos EUA, Donald Trump.
Para Gadde, a medida "capacita as pessoas a avaliarem o conteúdo por si mesmas e atende melhor ao interesse público". Segundo ela, o Twitter planejou as mudanças para evitar preocupações de que "poderia haver muitas consequências não intencionais para jornalistas e denunciantes".
"A moderação de conteúdo é incrivelmente difícil, especialmente no contexto crítico de uma eleição. Estamos tentando agir com responsabilidade e rapidez para evitar danos, mas ainda estamos aprendendo ao longo do caminho", disse.
Gadde afirma que, após as suas declarações, o Twitter recebeu "feedback significativo" sobre as ações em relação a uma reportagem do tabloide americano New York Post.
O jornal, que pertence ao magnata da mídia Rupert Murdoch, dono de outros veículos como Fox News e The Wall Street Journal, publicou na quarta-feira (14) texto baseado em arquivos que teriam sido recuperados de um computador abandonado em uma loja de reparos no estado de Delaware.
Segundo a reportagem, os emails a que o New York Post teve acesso indicam que Hunter Biden, filho do candidato democrata à Presidência dos EUA, teria usado a influência do pai em negociações com uma empresa ucraniana investigada por corrupção.
O computador foi entregue ao FBI, a polícia federal americana, que agora investiga o conteúdo dos emails, de acordo com uma reportagem da emissora NBC. Antes disso, porém, o dono da loja copiou os arquivos e os entregou ao advogado de Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado pessoal de Trump.
Giuliani, que tem um histórico de relações com a interferência russa nas últimas eleições americanas e com uma campanha de desinformação que tem adversários de Trump como alvos, incluindo Biden, foi quem entregou o material ao New York Post, segundo o próprio jornal.
Trump e seus apoiadores repercutiram a reportagem como um escândalo que põe em suspeição a integridade de Biden, mas Twitter e Facebook, em práticas incomuns, limitaram o alcance da publicação.
O Facebook restringiu a frequência com que a reportagem aparece no feed de notícias de seus usuários, alegando risco de desinformação. Segundo as regras da plataforma, se houver sinais de que um conteúdo é falso, a distribuição é reduzida até que o material passe por checagem independente.
Já a decisão do Twitter foi baseada em sua política de uso de material hackeado, uma vez que a reportagem utiliza informações pessoais e privadas obtidas sem autorização —prática comum no jornalismo investigativo.
Com o anúncio das mudanças, entende-se que reações da plataforma como a do caso do New York Post não voltarão a ocorrer. Após a publicação da reportagem, usuários da rede social foram proibidos de compartilhar o link que levava ao conteúdo ou de enviá-lo por meio de mensagens privadas na plataforma.
A despeito das novas regras, um porta-voz da empresa disse à agência de notícias Reuters que o texto sobre o filho de Biden permaneceria bloqueado por violar as normas sobre informações pessoais privadas.
Testes feitos na manhã desta sexta-feira (16) contradizem a informação do porta-voz e indicam que o compartilhamento voltou a ser permitido na rede social. Alguns usuários, entretanto, responderam à publicação de Gadde dizendo que ainda não tinham autorização para republicar o conteúdo.
"Seu tuíte não pôde ser enviado porque o link foi identificado pelo Twitter ou pelos nossos parceiros como sendo potencialmente prejudicial", diz o aviso enviado pela plataforma a um dos usuários.
O perfil do New York Post no Twitter não faz novas publicações desde quarta-feira, quando publicou a controversa reportagem, o que pode indicar que o tabloide segue bloqueado.
A resposta inicial do Twitter foi criticada pelo próprio presidente da empresa, o americano Jack Dorsey. Para ele, "bloquear o compartilhamento de URL via tuíte ou mensagem direta com zero contexto sobre o porquê de estarmos bloqueando é inaceitável".
Nesta sexta, o empresário voltou a afirmar que o bloqueio foi um erro e que o Twitter atualizou sua política para corrigi-lo. "Nosso objetivo é tentar adicionar contexto e agora temos recursos para fazer isso."
Na próxima terça-feira (20), o Comitê Judiciário do Senado americano deve votar o envio de uma intimação a Dorsey para que ele preste esclarecimentos aos congressistas. A iniciativa foi do presidente do Comitê, Lindsey Graham, e de outros dois senadores republicanos, Ted Cruz e Josh Hawley.
Trump, um usuário assíduo das redes sociais, criticou as medidas das empresas para limitar o alcance da reportagem contra seu adversário democrata. "Muito terrível que Facebook e Twitter tenham derrubado a reportagem", escreveu. "É só o começo para eles. Não há nada pior do que um político corrupto."
O perfil da campanha do republicano também foi temporariamente bloqueado nesta quinta. A conta, com 2,2 milhões de seguidores, publicou um vídeo com referências ao material divulgado pelo New York Post.
Horas depois, a conta foi desbloqueada e republicou o conteúdo. "Estamos de volta e postando novamente o vídeo que o Twitter não quer que você assista", diz a publicação, que também acusa Biden de ser "um mentiroso que está enganando o país há anos".
Kayleigh McEnany, porta-voz da Casa Branca, também teve o perfil bloqueado por compartilhar a reportagem e disse que a ação do Twitter "deve assustar todos os americanos que valorizam o discurso livre e aberto". "Censurar o discurso político é o que você esperaria em países como China, Coreia do Norte ou Irã, não nos Estados Unidos", disse.
Deputados republicanos driblaram o bloqueio da plataforma e compartilharam um link que leva à página do partido no site do Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos EUA em que a reportagem do New York Post foi publicada na íntegra. O Twitter também chegou a bloquear o compartilhamento desse link, mas depois disse que foi um erro e reverteu a decisão.
A campanha de Biden negou as acusações e criticou o teor da reportagem. O porta-voz Andrew Bates disse em um comunicado que os comitês de investigação do Senado americano já concluíram que Biden não se envolveu em nenhum delito relacionado à Ucrânia.
“O New York Post nunca perguntou à campanha de Biden sobre os elementos críticos dessa reportagem”, disse. “Revisamos as programações oficiais de Joe Biden da época e nenhuma reunião, como alegado, jamais ocorreu.”
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