Após restringir reportagem contra Biden, Twitter recua e muda regras sobre dados hackeados

Plataforma decide manter conteúdos obtidos sem autorização para atender a interesse público

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Reuters

Depois de ocupar o centro das discussões em torno da eleição americana por bloquear o compartilhamento de uma reportagem contra o democrata Joe Biden, o Twitter recuou da ação controversa e anunciou mudanças nas regras sobre dados hackeados.

"Tentamos encontrar o equilíbrio certo entre privacidade das pessoas e direito à liberdade de expressão, mas podemos fazer melhor", escreveu Vijaya Gadde, chefe de políticas de segurança do Twitter.

Segundo Gadde, a plataforma não removerá mais conteúdo hackeado, "a menos que seja diretamente compartilhado por hackers ou por aqueles que agem em conjunto com eles".

O Twitter também passará a colocar avisos em publicações para fornecer contexto em vez de bloquear o compartilhamento de links. As marcações, adotadas recentemente, já foram utilizadas em conteúdos compartilhados pelo presidente dos EUA, Donald Trump.

Capa do New York Post, na quinta (15), questiona ação do Facebook e do Twitter
Capa do New York Post, na quinta (15), questiona ação do Facebook e do Twitter - Reprodução

Para Gadde, a medida "capacita as pessoas a avaliarem o conteúdo por si mesmas e atende melhor ao interesse público". Segundo ela, o Twitter planejou as mudanças para evitar preocupações de que "poderia haver muitas consequências não intencionais para jornalistas e denunciantes".

"A moderação de conteúdo é incrivelmente difícil, especialmente no contexto crítico de uma eleição. Estamos tentando agir com responsabilidade e rapidez para evitar danos, mas ainda estamos aprendendo ao longo do caminho", disse.

Gadde afirma que, após as suas declarações, o Twitter recebeu "feedback significativo" sobre as ações em relação a uma reportagem do tabloide americano New York Post.

O jornal, que pertence ao magnata da mídia Rupert Murdoch, dono de outros veículos como Fox News e The Wall Street Journal, publicou na quarta-feira (14) texto baseado em arquivos que teriam sido recuperados de um computador abandonado em uma loja de reparos no estado de Delaware.

Segundo a reportagem, os emails a que o New York Post teve acesso indicam que Hunter Biden, filho do candidato democrata à Presidência dos EUA, teria usado a influência do pai em negociações com uma empresa ucraniana investigada por corrupção.

O computador foi entregue ao FBI, a polícia federal americana, que agora investiga o conteúdo dos emails, de acordo com uma reportagem da emissora NBC. Antes disso, porém, o dono da loja copiou os arquivos e os entregou ao advogado de Rudy Giuliani, ex-prefeito de Nova York e advogado pessoal de Trump.

Giuliani, que tem um histórico de relações com a interferência russa nas últimas eleições americanas e com uma campanha de desinformação que tem adversários de Trump como alvos, incluindo Biden, foi quem entregou o material ao New York Post, segundo o próprio jornal.

Trump e seus apoiadores repercutiram a reportagem como um escândalo que põe em suspeição a integridade de Biden, mas Twitter e Facebook, em práticas incomuns, limitaram o alcance da publicação.

O Facebook restringiu a frequência com que a reportagem aparece no feed de notícias de seus usuários, alegando risco de desinformação. Segundo as regras da plataforma, se houver sinais de que um conteúdo é falso, a distribuição é reduzida até que o material passe por checagem independente.

Já a decisão do Twitter foi baseada em sua política de uso de material hackeado, uma vez que a reportagem utiliza informações pessoais e privadas obtidas sem autorização —prática comum no jornalismo investigativo.

Com o anúncio das mudanças, entende-se que reações da plataforma como a do caso do New York Post não voltarão a ocorrer. Após a publicação da reportagem, usuários da rede social foram proibidos de compartilhar o link que levava ao conteúdo ou de enviá-lo por meio de mensagens privadas na plataforma.

A despeito das novas regras, um porta-voz da empresa disse à agência de notícias Reuters que o texto sobre o filho de Biden permaneceria bloqueado por violar as normas sobre informações pessoais privadas.

Testes feitos na manhã desta sexta-feira (16) contradizem a informação do porta-voz e indicam que o compartilhamento voltou a ser permitido na rede social. Alguns usuários, entretanto, responderam à publicação de Gadde dizendo que ainda não tinham autorização para republicar o conteúdo.

"Seu tuíte não pôde ser enviado porque o link foi identificado pelo Twitter ou pelos nossos parceiros como sendo potencialmente prejudicial", diz o aviso enviado pela plataforma a um dos usuários.

O perfil do New York Post no Twitter não faz novas publicações desde quarta-feira, quando publicou a controversa reportagem, o que pode indicar que o tabloide segue bloqueado.

A resposta inicial do Twitter foi criticada pelo próprio presidente da empresa, o americano Jack Dorsey. Para ele, "bloquear o compartilhamento de URL via tuíte ou mensagem direta com zero contexto sobre o porquê de estarmos bloqueando é inaceitável".

Nesta sexta, o empresário voltou a afirmar que o bloqueio foi um erro e que o Twitter atualizou sua política para corrigi-lo. "Nosso objetivo é tentar adicionar contexto e agora temos recursos para fazer isso."

Na próxima terça-feira (20), o Comitê Judiciário do Senado americano deve votar o envio de uma intimação a Dorsey para que ele preste esclarecimentos aos congressistas. A iniciativa foi do presidente do Comitê, Lindsey Graham, e de outros dois senadores republicanos, Ted Cruz e Josh Hawley.

Jack Dorsey, presidente do Twitter, durante evento em universidade de Nova Déli, na Índia, em 2018 - Anushree Fadnavis - 12.nov.18/Reuters

Trump, um usuário assíduo das redes sociais, criticou as medidas das empresas para limitar o alcance da reportagem contra seu adversário democrata. "Muito terrível que Facebook e Twitter tenham derrubado a reportagem", escreveu. "É só o começo para eles. Não há nada pior do que um político corrupto."

O perfil da campanha do republicano também foi temporariamente bloqueado nesta quinta. A conta, com 2,2 milhões de seguidores, publicou um vídeo com referências ao material divulgado pelo New York Post.

Horas depois, a conta foi desbloqueada e republicou o conteúdo. "Estamos de volta e postando novamente o vídeo que o Twitter não quer que você assista", diz a publicação, que também acusa Biden de ser "um mentiroso que está enganando o país há anos".

Kayleigh McEnany, porta-voz da Casa Branca, também teve o perfil bloqueado por compartilhar a reportagem e disse que a ação do Twitter "deve assustar todos os americanos que valorizam o discurso livre e aberto". "Censurar o discurso político é o que você esperaria em países como China, Coreia do Norte ou Irã, não nos Estados Unidos", disse.

Deputados republicanos driblaram o bloqueio da plataforma e compartilharam um link que leva à página do partido no site do Comitê Judiciário da Câmara dos Representantes dos EUA em que a reportagem do New York Post foi publicada na íntegra. O Twitter também chegou a bloquear o compartilhamento desse link, mas depois disse que foi um erro e reverteu a decisão.

A campanha de Biden negou as acusações e criticou o teor da reportagem. O porta-voz Andrew Bates disse em um comunicado que os comitês de investigação do Senado americano já concluíram que Biden não se envolveu em nenhum delito relacionado à Ucrânia.

“O New York Post nunca perguntou à campanha de Biden sobre os elementos críticos dessa reportagem”, disse. “Revisamos as programações oficiais de Joe Biden da época e nenhuma reunião, como alegado, jamais ocorreu.”

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