Tribunal eleitoral confirma vitória avassaladora de Arce na eleição presidencial na Bolívia

Pesquisa de boca de urna já apontava triunfo de candidato do partido de Evo Morales

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Belo Horizonte

O Tribunal Supremo Eleitoral da Bolívia chancelou oficialmente nesta sexta-feira (23) a vitória de Luis Arce, do MAS (Movimento ao Socialismo), nas eleições realizadas no último domingo (18).

Com 55,2% dos votos, o aliado de Evo Morales conquistou a Presidência já no primeiro turno, derrotando o ex-presidente Carlos Mesa, de centro-esquerda, que obteve 28,9%.

O novo presidente comemorou no Twitter. "Obrigado, minha querida Bolívia! Recebemos esse mandato democrático com muita humildade", escreveu após o anúncio oficial. "Agora nosso grande desafio é reconstruir a pátria, recuperar a estabilidade e a esperança para todas e todos os bolivianos. Não decepcionaremos a confiança do povo."

A data da posse ainda será definida, mas deve ocorrer no início de novembro.

O presidente eleito na Bolívia, Luis Arce, à esq., ao lado do vice eleito, David Choquehuanca, de máscara, em La Paz
O presidente eleito na Bolívia, Luis Arce (à esq.), ao lado do vice eleito, David Choquehuanca, em La Paz - Ueslei Marcelino - 19.out.20/Reuters

Na Bolívia, para ser eleito no primeiro turno, é preciso ter mais de 50% dos votos, ou alcançar 40% dos votos e ter pelo menos dez pontos percentuais de diferença para o segundo colocado. A apuração avançou lentamente depois de a corte decidir usar apenas o método de contagem voto a voto.

O ultradireitista Luis Fernando Camacho, do Creemos, ficou em terceiro lugar, com 14%.

O aliado de Evo venceu em 6 dos 9 departamentos (regiões) da Bolívia; Mesa em 2, e Camacho em 1.

Mais de 88% dos eleitores registrados compareceram às urnas, o segundo registro mais alto da história da Bolívia, segundo o tribunal.

O MAS também conquistou a maioria nas duas Casas do Legislativo boliviano.

Arce terá 21 senadores, Mesa, 11, e Camacho, 4.

Na Câmara de Deputados, de um total de 130 assentos, 73 farão parte da bancada do MAS. O Comunidad Ciudadana de Mesa terá 41 deputados, e Camacho, 16.

O Brasil é o único país vizinho da Bolívia que ainda não reconheceu a vitória de Arce. Os presidentes Alberto Fernández (Argentina), Mario Abdo Benítez (Paraguai), Luis Lacalle Pou (Uruguai), Sebastián Piñera (Chile) e Martín Vizcarra (Peru) ofereceram suas congratulações, alguns antes mesmo do anúncio oficial desta sexta-feira.

Além deles, os latino-americanos Lenín Moreno, do Equador, e Andrés Manuel Lopez Obrador, do México, também parabenizaram o esquerdista.

O ditador venezuelano Nicolás Maduro, aliado de Evo Morales, publicou uma mensagem nas redes sociais comemorando a vitória do MAS.

Na Bolívia, adversários de Arce já haviam reconhecido a vitória após divulgação da pesquisa de boca de urna na madrugada de segunda (19). A sondagem previa 52,4% para o candidato do MAS, contra 31,5% de Mesa.

“Dissemos que respeitaríamos o resultado da eleição, para a vitória ou para a derrota. Não é possível deixar de reconhecer que houve um claro vencedor neste domingo, que foi Arce”, disse Mesa na segunda.

Jeanine Añez, presidente interina da Bolívia, também reconheceu a vitória do MAS no mesmo dia. "Parabenizo os vencedores e peço que governem pensando na Bolívia e na democracia", disse. Há pouco mais de um mês, ela desistiu da disputa para evitar que a sigla do líder indígena acabasse ganhando.

Por fim, a Organização dos Estados Americanos (OEA), uma das principais vozes responsáveis pela anulação da eleição presidencial de 2019, também reconheceu a vitória de Arce, por meio de seu secretário-geral, o uruguaio Luis Almagro.

Nesta sexta, no Twitter, Evo disse que a confirmação do resultado era "a maior prova de que não houve fraude" no pleito de 2019. "Aqueles que denunciaram têm a obrigação de retirar essas denúncias. Deve-se colocar em liberdade todas as pessoas presas injustamente por esse motivo."

Justamente devido às acusações de fraude, o pleito do último domingo era considerado um teste para a democracia boliviana, quase um ano depois de o líder indígena renunciar, pressionado por protestos populares e pelas Forças Armadas.

Desta vez, o clima de incerteza se instalou na véspera, quando o presidente do Tribunal Supremo Eleitoral, Salvador Romero, anunciou a mudança de última hora no método de apuração: o sistema de contagem rápida, questionado no ano passado, foi substituído pela contagem voto a voto, sob a justificativa de aumentar a confiabilidade no resultado. Arce criticou duramente a decisão do tribunal.

O sistema de contagem rápida foi o estopim do agravamento da tensão política na Bolívia no ano passado. Na ocasião, a apuração de quase 80% dos votos indicava que o pleito seguiria para o segundo turno, a ser disputado por Evo e Mesa.

A contagem, entretanto, foi interrompida e, ao ser retomada com o método voto a voto, indicava vitória do líder indígena em primeiro turno. Opositores e observadores internacionais acusaram Evo de fraude eleitoral, e o país tornou-se palco de uma série de protestos violentos.

Neste ano, também gerou críticas o atraso na divulgação das pesquisas de boca de urna, previstas para as 20h do domingo (18), mas que só saiu à 0h de segunda-feira (19).

De acordo com o principal instituto de pesquisa do país, o Ciesmori, o atraso ocorreu porque, no prazo combinado para a divulgação da sondagem, a amostragem obtida não representava 95% dos votos válidos —muitos preferiram não revelar o voto. Com as horas a mais, foi possível concluir o processo.

Quem é o novo presidente

Arce, 57, entrou na política em 2006, quando foi nomeado por Evo como ministro da Economia e Finanças. Antes disso, atuou por anos em cargos técnicos no Banco Central boliviano.

Filho de professores, estudou economia na Bolívia e fez um mestrado na Universidade de Warwick, no Reino Unido. Depois, passou a lecionar na Universidade Franz Tamayo, além de ter sido professor convidado na Universidade de Buenos Aires, na Argentina, e em Harvard e Columbia, nos EUA.

Durante a campanha, levantou a bandeira do boom econômico que a Bolívia viveu durante o governo Evo, quando o índice de pobreza caiu de 59,9% para 34,6%, de acordo com dados do Banco Mundial.

Como ministro, esteve à frente dos processos de nacionalização da exploração de petróleo e gás natural, os maiores responsáveis pelo crescimento do PIB boliviano —de US$ 11,45 bilhões, em 2006, para US$ 40,89 bilhões, em 2019. Em entrevista à Folha na última terça (20), disse que pretende renegociar os contratos de gás entre seu país e o Brasil, acordados pelos governos de Jair Bolsonaro e Añez.

A vitória de Arce pode reforçar a imagem de Evo, exilado na Argentina desde dezembro sob status de refugiado. Agora, ele deve voltar à Bolívia. Após a divulgação das pesquisas de boca de urna que indicavam o triunfo do MAS no primeiro turno, o líder indígena disse que “a vontade do povo foi imposta".

"O grande triunfo do povo é histórico, inédito e único no mundo: um ano após o golpe, reconquistamos democraticamente o poder político com consciência e paciência do povo", escreveu.

Anulação questionada

A OEA foi um dos protagonistas da anulação da eleição passada. Em um relatório divulgado cerca de 45 dias após a votação, a organização concluiu que houve “ações deliberadas para manipular os resultados das eleições", incluindo alteração e queima de atas de votação e falsificação de assinaturas.

Entretanto, artigo publicado pelo jornal americano The Washington Post, de autoria de dois pesquisadores do MIT (Massachusetts Institute of Technology), questionou a auditoria realizada pelo órgão. John Curiel e Jack R. Williams, membros do MIT Election Data and Science Lab (laboratório de ciência e dados de eleições), afirmaram não haver "evidência estatística de fraude".

​Eles realizaram cálculos a partir das tendências de voto no momento em que a contagem rápida, o chamado TREP (que contabilizava as atas das mesas), foi interrompida.

O documento original da OEA relatou que o tempo para que o TREP fosse retomado foi suficiente para extravio e queima de atas, duplicação de nomes e outras irregularidades.

Os especialistas do MIT afirmaram que, ainda assim, pela quantidade de votos contabilizados (84%, pelo TREP) até o momento em que a contagem parou, já havia "uma diferença significativa do ponto de vista estatístico", o que impediria que os resultados fossem diferentes dos anunciados pelo governo.

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