Incerteza sobre apuração de votos gera críticas e marca eleição na Bolívia

Suspensão inesperada de contagem rápida causa tensão; Arce, líder nas pesquisas, e Mesa pedem calma

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La Paz

“Teremos um resultado claro, seguro e confiável”, disse o presidente do Tribunal Eleitoral da Bolívia, Salvador Romero, depois de fechadas as urnas neste domingo (18). Só faltou dizer quando.

Até as 21h30 locais (22h30 em Brasília), apenas 1% dos votos havia sido computado pelo órgão eleitoral oficial. O líder nas pesquisas Luis Arce, do MAS (Movimento ao Socialismo), partido do ex-presidente Evo Morales, aparecia com 51%, e seu rival, o também ex-presidente Carlos Mesa, tinha 34,6%.

Luis Arce, candidato presidencial do MAS, durante entrevista coletiva em La Paz
Luis Arce, candidato presidencial do MAS, durante entrevista coletiva em La Paz - Ueslei Marcelino/Reuters

O presidente do tribunal eleitoral disse que a contagem seria acelerada nas três horas seguintes, mas que seria interrompida durante a madrugada, para ser retomada na segunda-feira (19) pela manhã.

As pesquisas de boca de urna, cuja divulgação estava prevista paras as 20h locais (21h de Brasília), tiveram atraso. Em rede social, Evo escreveu que “as empresas de pesquisas estão se negando a publicar os resultados de boca de urna” e “escondendo o grande triunfo do povo representado pelo MAS".

O clima de incerteza já havia se instalado na noite de sábado (17), quando o tribunal eleitoral decidiu não divulgar resultados preliminares do sistema de contagem rápida usado até a eleição passada. A mudança pegou todos de surpresa e causou certa tensão entre as candidaturas de Arce e de Mesa.

A apuração preliminar foi o cerne da crise do pleito de 2019. A contagem foi suspensa no momento em que a apuração, em 80% do total, apontava para um segundo turno entre Evo e Mesa.

O órgão eleitoral só voltou a contar no dia seguinte, usando outro método, que deu vitória ainda no primeiro turno a Evo. A isso se seguiram distúrbios que culminaram em violentos confrontos entre os dois lados e na renúncia do então presidente, em 10 de novembro do ano passado.

A estimativa, desta vez, é que a contagem voto a voto demore de um a quatro dias.

O dia de votação foi calmo na maior parte do país, mas com ares de anticlímax. “Votamos hoje e sabe-se lá quando saberemos quem é o novo presidente. Continuaremos na nuvem de incerteza em que vivemos há quase um ano”, disse Alexis Michel, 45, que votou em um colégio na zona sul de La Paz.

Arce criticou duramente a decisão do tribunal, que alegou dificuldades técnicas para abandonar a apuração rápida. “Foi uma decisão irresponsável e que não colabora para melhorar a imagem da Bolívia. Mostra que o tribunal não fez seu trabalho e se deu conta de que não era capaz tarde demais, na véspera da eleição", disse a jornalistas no domingo. "Mas estamos tranquilos, vamos esperar de modo pacífico.”

Arce se mostrou tranquilo e afirmou estar confiante numa vitória ainda no primeiro turno. Se o resultado indicar a necessidade de uma nova votação, ela será realizada em 29 de novembro.

O MAS realizará uma contagem paralela e diz ter delegados em todas as mesas do país. “Vamos divulgar nosso número”, afirmou Arce. De Buenos Aires, Evo também criticou o tribunal e pediu paciência.

Do lado de Mesa, houve um lamento por causa da decisão do tribunal, mas também um pedido de “tranquilidade e paciência” em relação ao tempo necessário para a divulgação do resultado oficial.

Logo após votar, Mesa afirmou que ele e seu partido atuarão com “extrema prudência para que não se gerem conflitos de rua e para que a Bolívia recupere sua imagem de país estável e democrático”.

Os centros de votação estiveram cheios pela manhã, quando havia sol, mas mais vazios durante a tarde, quando o tempo virou e começou a chover. Por isso, houve aglomerações, sem controle de agentes sanitários ou de outros órgãos para minimizar os contatos.

A Bolívia é um dos países da América do Sul mais afetados pela pandemia do coronavírus, embora a curva de contágios tenha diminuído nas últimas semanas.

Medidas de isolamento social, na maioria dos locais visitados pela Folha, não foram cumpridas. Em La Paz via-se mais gente usando máscaras, algo que não ocorria em El Alto, cidade da região metropolitana.

O mesmo ocorreu nos comitês dos dois candidatos. Foi permitida a entrada de muita gente em locais pequenos para ouvir entrevistas coletivas, divulgação de anúncios e para a distribuição de credenciais.

Na entrevista de Arce, os jornalistas foram colocados numa sala minúscula e com as janelas fechadas.

Tanto Mesa como Arce saíram dos seus centros de votação rodeados de apoiadores e de jornalistas, sem que ninguém controlasse as distâncias recomendadas pela OMS (Organização Mundial da Saúde).

A presença militar e policial nas ruas foi muito visível, já desde o sábado à noite. Os oficiais armaram barreiras em frente a locais de votação e a prédios públicos para evitar distúrbios, que não ocorreram.

O transporte público foi suspenso, e somente carros com autorização podiam transitar. A polícia vigiou rigidamente essa norma. Numa das enormes filas de votação, em Socopachi, havia um vendedor ambulante de dióxido de cloro, substância que tem sido usada na Bolívia para combater o coronavírus —e que não só não tem eficácia comprovada cientificamente como é nociva.

O garoto carregava um cartaz com ofertas de preços das garrafas de diferentes tamanhos. Vendia na fila como se fosse um refrigerante, aos olhos de policiais que não reagiam à comercialização da substância. “O governo não cuida da gente, então nos cuidamos entre nós”, disse o vendedor.

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