Brasil veta plano do Mercosul por incluir expressão 'crimes de ódio' contra pessoas LGBT

Em decisão de 2019 que criminalizou a homofobia, STF usou termo 21 vezes

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São Paulo

O governo brasileiro vetou um plano de ação de direitos humanos do Mercosul devido à inclusão da expressão “crimes de ódio” contra pessoas LGBT e de citação a “identidade de gênero".

Em reunião da Comissão Permanente LGBT nesta quinta (22), representantes do Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos e do Itamaraty afirmaram que trecho que propunha a criação de “registro de crimes de ódio e discriminação por razões de identidade de gênero e orientação sexual” era inaceitável.

O presidente Jair Bolsonaro, ao fundo, observa a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) em cerimônia no Palácio do Planalto
O presidente Jair Bolsonaro observa a ministra Damares Alves (Mulher, Família e Direitos Humanos) em cerimônia no Palácio do Planalto - Pedro Ladeira - 2.set.20/Folhapress

Também houve oposição à proposta de incluir “identidade de gênero” nos registros administrativos dos países. Procurado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirmou em nota que “no tocante ao termo ‘crime de ódio’, a pasta parte do entendimento de que não há tipificação referente a tal modalidade no direito brasileiro, o que pode causar impedimentos legais de aprovação de diretrizes internacionais para registro de crimes que não são reconhecidos pelo ordenamento jurídico pátrio”.

Para Thiago Amparo, professor de direito internacional da FGV-Direito e colunista da Folha, a justificativa é “completamente descabida”. “Em junho do ano passado, o STF [Supremo Tribunal Federal] determinou que a discriminação por orientação sexual e identidade de gênero passasse a ser considerada um crime punível pela Lei de Racismo", diz. "E, na decisão, o STF usou a expressão ‘crimes de ódio’ 21 vezes.”

A corte também determinou que delegacias em todo o Brasil qualifiquem discriminação contra pessoas LGBT como motivo torpe em crimes de homicídio em que haja intenção de matar. Ou seja, mortes em razão de orientação sexual e identidade de gênero passaram a ser vistas como homicídios qualificados.

Segundo Marcelo Ernesto Ferreyra, coordenador para a América Latina da ONG Synergía, dedicada à defesa de direitos humanos, o veto do Brasil inviabiliza o plano para defesa de populações LGBT no bloco.

“Sem acordo não há plano de trabalho, e o grupo de trabalho fica imobilizado”, diz Ferreyra, que participou da reunião como representante da sociedade civil. Ele também aponta que a expressão “crime de ódio” foi usada em documentos anteriores da comissão, e o Brasil nunca havia se oposto.

No comunicado, o Ministério da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos afirma que “nenhuma medida pode ser aprovada sem o expresso aval da integralidade dos Estados membros” e que o tema só voltará a ser discutido na próxima reunião da comissão, no primeiro semestre de 2021.

Desde 2019, o Itamaraty orienta diplomatas para que, em negociações em foros multilaterais, reiterem “o entendimento do governo de que a palavra gênero significa o sexo biológico: feminino ou masculino”.

A teoria de gênero estabelece que gênero e orientação sexual são construções sociais, e não apenas determinações biológicas. Já para segmentos da direita, a “ideologia de gênero” é um ataque ao conceito tradicional de família. O chanceler Ernesto Araújo é crítico contumaz do termo.

Em discurso em seminário promovido pelo Itamaraty e pela Fundação Alexandre de Gusmão (Funag) em 10 de junho do ano passado, Ernesto criticou o globalismo, afirmando que o conceito promove ideias como a "ideologia de gênero” e tenta criar um mundo no qual “você não tem mais nação, no qual você não tem mais família, no qual você não tem mais homem e mulher”.

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