Quem era a brasileira que morreu em atentado terrorista na França

Mulher de 44 anos e mãe de três filhos morava no país europeu e foi atacada na basílica de Notre-Dame

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Brasília, Bruxelas e Salvador

Entre os três mortos no ataque a faca desta quinta (29) em Nice, no sul da França, que fez aumentar o nível de alerta contra terrorismo no país, estava a brasileira Simone Barreto Silva, 44.

Mãe de três filhos —um adolescente, um menino e uma menina—, ela estava havia cerca de 30 anos na França, onde também vivem suas três irmãs mais velhas, Solange, Bárbara e Conceição.

A família Barreto era conhecida na região por organizar eventos de música e cultura brasileira. As irmãs também fizeram carreira como bailarinas de samba, conta o músico brasileiro Jorge Bezerra Filho, 42. Ele e Simone eram amigos havia 20 anos. Conheceram-se quando ela morou e trabalhou em Paris, há cerca de dez anos.

“Era uma mulher expansiva, adorável, admirada por toda a comunidade brasileira do sul da França e uma excelente profissional”, diz o percussionista. Ele conta que Simone era uma das melhores artistas do Brasil Tropical, casa de shows da capital francesa.

A brasileira Simone Barreto, uma das vítimas do atentado terrorista à basílica de Nice, França, na quinta-feira (29). Na foto, ela participa da Lavage de la Madeleine, em Paris, em 2019
A brasileira Simone Barreto, uma das vítimas do atentado terrorista na França - Divulgação/Lavage de la Madeleine

Eles se encontravam quase todos os anos em julho, quando as irmãs organizavam uma festa para Iemanjá, orixá do Candomblé que também é o centro de festividades em 2 de fevereiro na Bahia, onde nasceu a família de Simone.

"A família Barreto respeitava as religiões de matriz afrodescendente, assim como o catolicismo", afirmou o babalorixá Anderson Argolo, que realizou cerimônias em um dos eventos organizados pela Brasuca Show, das irmãs de Simone.

Simone era católica, mas participava dos festejos em homenagem a Iemanjá organizados pela família na França. A festa costuma reunir grupos culturais de dança, capoeira e maculelê e tem como objetivo reafirmar a identidade da cultura afro-brasileira na Europa.

"Sempre foi uma batalhadora, e morreu como uma guerreira. Apesar de ferida, correu e foi capaz de dar o alarme, evitando uma tragédia maior", afirmou Argolo.

Na manhã desta sexta (30), familiares de Simone preferiram não dar entrevistas, para preservar as crianças. A filha mais nova da brasileira tem cerca de 6 anos, um dos meninos tem cerca de 9 anos e o mais velho, em torno de 15.

Simone e suas irmãs foram criadas no Lobato, bairro do Subúrbio Ferroviário de Salvador. Adolescentes, elas fizeram aulas de dança afro no Centro Social Urbano no bairro da Liberdade.

Para frequentar as aulas, lembra o professor de dança Luiz Alberto Badaró, as irmãs percorriam a pé os cerca de sete quilômetros que separam os bairros do Lobato e da Liberdade.

“Simone era uma pessoa muito doce, a mais doce das quatro irmãs. Era muito tranquila, tinha uma paciência que nunca vi”, conta Badaró, que também deu aulas de dança na Europa e manteve a amizade com as irmãs.

O cantor e compositor Tonho Matéria, que também é amigo das irmãs Barreto desde quando ainda eram muito jovens, conheceu Simone por meio de Bárbara, irmã que foi rainha do bloco afro Araketu.

Ele diz que esteve com Simone pela última vez há cinco anos na Lavagem de Madeleine, festa realizada anualmente em Paris com inspiração na Lavagem do Bonfim, da Bahia.

“É muito triste ela ter partido desta maneira. Era uma pessoa que queria o bem e fazia o bem para as outras pessoas”, lembra Tonho Matéria. Neste ano, ele havia planejado retornar em julho à Europa para a festa de Iemanjá, em Nice, mas o cortejo acabou sendo cancelado por causa da pandemia.

Simone e suas irmãs também organizavam apresentações de capoeira. "A Simone era uma mulher muito feliz, acabara de se formar como chef de cozinha e tinha muito orgulho disso", contou a francesa Hélène Chaudonneret, casada com um brasileiro, também capoeirista.

Em vídeo gravado na cerimônia de diplomação do curso, Simone fala, em francês fluente, sobre a importância da formação para abrir novas oportunidades.

"Ela tem muitos amigos em Nice, onde toda a comunidade brasileira e a comunidade da capoeira a lamentam", disse.

Nos últimos anos, Simone vinha trabalhando como cuidadora de idosos. “É um recurso dos bailarinos, quando a idade vai passando”, diz Bezerra.

​Após a confirmação de que havia uma brasileira estava entre as vítimas do atentado, o Itamaraty divulgou uma nota dizendo que o governo brasileiro "deplora e condena veementemente o atroz atentado".

"O presidente Jair Bolsonaro, em nome de toda a nação brasileira, apresenta suas profundas condolências aos familiares e amigos da cidadã assassinada em Nice, bem como aos das demais vítimas, e estende sua solidariedade ao povo e governo franceses", diz o texto.

O comunicado segue dizendo que "o Brasil expressa seu firme repúdio a toda e qualquer forma de terrorismo, independentemente de sua motivação, e reafirma seu compromisso de trabalhar no combate e erradicação desse flagelo, assim como em favor da liberdade de expressão e da liberdade religiosa em todo o mundo".

A nota diz ainda que o governo manifesta em especial "sua solidariedade aos cristãos e pessoas de outras confissões que sofrem perseguição e violência em razão de sua crença".

Ao comentar o ataque com apoiadores na porta do Palácio da Alvorada, Bolsonaro lembrou ter denunciado o que chama de "cristofobia" em seu discurso na ONU (Organização das Nações Unidas) em setembro.

"Ficamos sabendo de notícias tristes mundo afora, de decapitação de pessoas... De pessoas não, de cristãos na França", disse o presidente em declaração transmitida por apoiadores. "O mundo tem que se preocupar com isso. Falei na ONU agora sobre a tal da cristofobia."

Bolsonaro afirmou ainda que "admitimos qualquer religião, mas não podemos admitir a intolerância, ainda mais desta forma". O presidente também fez insinuações sobre o islamismo. "Tem bairros na França que parece que tem uma religião dominando lá, e alguns países também."

Mais tarde, em sua live semanal, Bolsonaro voltou a lamentar as mortes ocorridas na França e a mencionar a cristofobia.

"Agora, isso aqui tem que ser combatido. Não tem que ser com florzinha, não. Isso aqui tem que ser combatido, quem não suporta outra pessoa acreditar em Deus... Pode até não acreditar, ninguém vai brigar contra quem é ateu. Agora chegar ao ponto de cometer essas atrocidades...", disse o presidente.

O ministro Ernesto Araújo (Relações Exteriores) foi às redes sociais lamentar a morte.

"Profundo pesar pela morte de uma brasileira de 44 anos, mãe de três filhos, ocorrida hoje em Nice, na França, uma das três vítimas fatais do brutal atentado cometido por um terrorista na Basílica de Nossa Senhora", escreveu o chanceler.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.