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Brasileiro é o primeiro a se naturalizar com teste em galês no Reino Unido

Em toda a história, estrangeiros sempre optaram por fazer a prova em inglês

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Vivian Oswald
Londres | RFI

O catarinense Rodolfo Piskorski mora no Reino Unido desde 2013, onde fez um doutorado em crítica literária. Professor de português e inglês na Universidade de Cardiff, a capital do País de Gales, ele decidiu dar entrada no processo de naturalização com uma peculiaridade: exigiu fazer a prova em galês.

A iniciativa surpreendeu as autoridades locais. É primeira vez na história que um estrangeiro faz o teste no idioma nativo do País de Gales.

“Croeso i Gymru!" ou, em galês, "bem-vindo ao País de Gales!", uma das quatro unidades que compõem o Reino Unido. Todos os idiomas celtas estão em vias de extinção nas suas regiões respectivas.

O brasileiro Rodolfo Piskorski, que mora no Reino Unido desde 2011
O brasileiro Rodolfo Piskorski, que mora no Reino Unido desde 2013 - Radek Piskorski no Facebook

Mas, no País de Gales, décadas de políticas de estímulo fazem com que o galês siga a direção oposta. É uma língua diferente, com muitas consoantes, sons "esquisitos" e formações sintáticas contra-intuitivas.

Todos esses aspectos representaram um desafio para o brasileiro Rodolfo Piskorski.

"Resolvi fazer a prova de cidadania em galês para realmente me desafiar, de certa forma. Mas não foi só por isso. Eu queria me tornar um cidadão britânico um pouco diferente", explica o catarinense, dizendo que a prova é um pouco ultrapassada.

Segundo Rodolfo, os próprios britânicos criticam sua existência. "Tem um livro que você tem que ler com vários fatos sobre a história da sociedade britânica, como se fosse uma enciclopédia, com uma linguagem bem simples. É uma visão muito restrita sobre o que é ser britânico, até meio estereotípico, eu diria, mas tem que fazer", conta.

"Então, como transformar isso em uma coisa mais interessante? Eu queria um processo mais pessoal, que revelasse a minha experiência. E a minha experiência foi morar no País de Gales.”

Rodolfo nunca morou em outro lugar no Reino Unido. Ele sabia que tudo o que é fornecido para o cidadão no País de Gales era bilíngue e descobriu que poderia fazer a prova em galês. "Seria, digamos, uma resistência silenciosa a esse tipo de prova, porque estou fazendo nos meus termos, do jeito que eu acho interessante.”

Crowdfunding

O catarinense precisou insistir junto às autoridades, conta. A própria pessoa da empresa terceirizada que organiza as provas para o Departamento de Imigração britânico não tinha certeza de que era possível passar o exame no idioma. O processo dele demorou um pouco mais do que o normal.

O teste, que costuma ser feito em computador, foi impresso e precisou ser traduzido para o galês. As respostas, idem. No fim, ele foi aprovado sem dificuldades.

Mas um outro problema surgiu: os documentos para fazer o passaporte custavam quase 1.400 libras, pouco mais de R$ 10 mil, dinheiro que o catarinense não tinha. Rodolfo resolveu, então, fazer um crowdfunding para acelerar os trâmites.

Com o brexit —o Reino Unido deixa a União Europeia de fato no dia 31 de dezembro—, ele achava que era preciso agilizar o processo. Para a sua surpresa, em apenas dois dias já tinha obtido 75% do valor. Até uma deputada do partido galês Plaid Cymru, no Parlamento britânico, contribuiu para a causa.

“Eu fiz um vídeo falando em galês, escrevi um texto explicando em inglês e coloquei no Twitter. Aos poucos, eu chamei a atenção de umas pessoas que eu já conhecia, e a mensagem viralizou. Eu não sabia que seria tão rápido e que seria um apoio tão caloroso. Na verdade, consegui 1.600 libras em menos de uma semana”, conta.

Um estrangeiro que venha a morar no Reino Unido não precisa saber galês, nem em Gales. Mas há várias cidades e regiões em que se pode viver a vida inteira em galês.

"Essa sensação de ter várias pessoas literalmente pagando para eu ficar é uma sensação muito especial, de que a comunidade, a cultura e a sociedade do país estão nos recebendo”, afirmou.

Idioma é essencial para identidade do país

O professor brasileiro afirma que a experiência confirmou que o idioma é um aspecto muito importante da identidade nacional do País de Gales, nação que ele decidiu abraçar pelo menos no futuro próximo.

Ele explica que, apesar de ser uma língua oficial e de ter todos os direitos e proteções, nem sempre é vísivel em nível nacional. "Por isso foi tão importante e chocante para algumas pessoas que eu tenha feito tudo isso.”

Agora, ele tem pela frente a última fase deste longo processo: a cerimônia de cidadania, quando fará o juramento de lealdade à Rainha Elizabeth 2ª.

Aliás, segundo ele, justamente a palavra “lealdade" é uma das que considera mais difíceis no idioma.

Rodolfo também vai continuar estudando galês, porque ainda não é fluente. Ele diz que as pessoas estão em contato e torcendo por ele. O catarinense não descarta, no futuro, usar o idioma no ambiente acadêmico.

De acordo com censo de 2011, 19% da população do país fala galês. A meta do governo é conseguir até 1 milhão de falantes do idioma até 2050. A população da região é de pouco mais de 3 milhões.

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