Chefe de gabinete contraria médico da Casa Branca e diz que situação de Trump é preocupante

Aos 74 anos, presidente americano segue internado em hospital militar, sem previsão de alta

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São Paulo

Depois de o médico da Casa Branca, Sean Conley, afirmar neste sábado (3) que Donald Trump, 74, está "passando bem", o chefe de gabinete do presidente dos EUA, Mark Meadows, disse a jornalistas que o republicano está passando por um período "muito preocupante" e que as próximas 48 horas serão vitais para a recuperação do líder americano.

As informações contraditórias —divulgadas com minutos de diferença e cercadas de polêmicas— deixaram o mundo sem saber qual é o real estado de saúde do presidente.

A declaração de Meadows foi inicialmente repassada sob condição de anonimato a um grupo de jornalistas que tem acesso direto aos eventos oficiais e é responsável por distribuir informações da Casa Branca aos demais repórteres.

Ao longo do dia, porém, diferentes veículos de imprensa dos EUA confirmaram que o chefe de gabinete era o responsável pela informação.

"Os sinais vitais do presidente nas últimas 24 horas foram muito preocupantes e as próximas 48 horas vão ser críticas em termos de seu tratamento", disse Meadows a jornalistas logo após Conley dar uma entrevista coletiva que ia pelo caminho contrário.

O médico da Casa Branca afirmou instantes antes que Trump não teve febre nas 24 horas anteriores, mas foi evasivo ao ser questionado sobre o uso suplementar de oxigênio pelo presidente e deixou dúvidas sobre a data exata do diagnóstico de Covid-19 dado ao líder republicano.

"Estamos extremamente felizes com o progresso do presidente", disse, em frente ao hospital militar Walter Reed, para onde Trump foi transferido no fim da tarde de sexta-feira para receber atendimento médico imediato caso seja necessário. Não há, entretanto, segundo o médico, uma previsão de alta para o líder americano.

De acordo com Conley e outros membros da equipe que atende o presidente, Trump teve febre baixa, tosse e congestão nasal, mas o médico da Casa Branca deu respostas vagas quando questionado se o republicano precisou de oxigênio suplementar.

O presidente dos EUA, Donald Trump, 74, na Casa Branca, caminha até o helicóptero que o transferiu para o hospital militar - Saul Loeb - 2.out.20/AFP

Mais de uma vez, Conley afirmou que Trump não estava usando oxigênio neste sábado, mas, diante de perguntas mais específicas dos jornalistas presentes, ele evitou cravar uma resposta definitiva.

"Quinta-feira, sem oxigênio. Nenhum neste momento, e ontem [sexta-feira (2)], enquanto estávamos todos aqui, ele não estava recebendo oxigênio", disse o médico.

A afirmação levantou dúvidas sobre o uso de oxigênio suplementar pelo presidente ainda na Casa Branca, antes da internação no hospital militar. O jornal The New York Times afirmou já neste sábado que Trump precisou receber oxigênio na sexta na residência oficial da Presidência e que, por isso, ele foi internado.

Na tarde de sábado, depois da repercussão do caso, o chefe de gabinete do presidente falou novamente com os jornalistas e adotou um tom mais otimista. "Os médicos estão muito satisfeitos com os sinais vitais [de Trump]. Eu o encontrei por diversas vezes hoje [para debater] vários assuntos", disse Meadows para a agência Reuters.

Outro ponto que provocou questionamentos foi a data exata do diagnóstico de Covid-19 dado a Trump. O presidente anunciou na madrugada de sexta-feira que ele e sua esposa, Melania, tiveram resultados positivos no teste para coronavírus.

Durante a entrevista coletiva, entretanto, Conley falou sobre "72 horas do diagnóstico", o que poderia indicar que houve confirmação da contaminação por coronavírus na quarta, mais de um dia antes do anúncio feito pelo presidente e reiterado pela Casa Branca.

Horas depois, Conley publicou um comunicado em que afirma que usou "incorretamente o termo '72 horas' em vez de 'dia três' e '48 horas' em vez de 'dia dois' em relação ao diagnóstico e à administração da terapia de anticorpo policlonal".

"O presidente recebeu diagnóstico de Covid-19 na noite de quinta-feira, 1º de outubro, e recebeu o coquetel de anticorpos [da empresa farmacêutica] Regeneron na sexta-feira, 2 de outubro", diz o texto divulgado pela Casa Branca.

O coquetel, conhecido como REGN-COV2, é uma combinação de cópias sintéticas de anticorpos humanos. O medicamento emula a função do sistema imunológico para combater o coronavírus e vem sendo estudado para uso em pacientes nos estágios iniciais da Covid-19.

O médico da Casa Branca, Sean Conley, acompanhando de outros profissionais que atendem o presidente Donald Trump, durante entrevista coletiva em frente ao hospital militar Walter Reed - Ken Cedeno - 3.out.20/Reuters

Apesar dos aspectos que demandaram esclarecimentos, os médicos procuraram passar uma imagem bastante positiva da evolução do quadro clínico de Trump. Segundo Sean Dooley, outro membro da equipe médica, o presidente está com um "bom humor excepcional".

"O presidente não está no oxigênio nesta manhã, não tem dificuldades para respirar ou andar", disse Dooley. "Quando estávamos concluindo as rondas multidisciplinares, ele [Trump] disse: 'Acho que posso sair daqui hoje', e esse foi um comentário encorajador vindo do presidente."

Pouco depois do fim da entrevista coletiva, encerrada abruptamente, Trump usou as redes sociais para dizer que, com a ajuda da equipe médica, está se sentindo bem.

"Médicos, enfermeiras e todos do grande Centro Médico Walter Reed, e outros de instituições igualmente incríveis que se juntaram a eles, são incríveis!", escreveu o presidente. "Um progresso tremendo foi feito nos últimos seis meses no combate a esta praga. Com a ajuda deles, estou me sentindo bem!"

A equipe médica disse que o presidente continua sendo tratado com remdesivir. Trump tomou a primeira dose nesta sexta, e o tratamento completo com o medicamento deve durar um total de cinco dias.

O remdesivir é um antiviral desenvolvido inicialmente para o combate ao vírus ebola, mas a FDA (agência de vigilância sanitária dos EUA) autorizou, em agosto, seu uso emergencial para tratamento da Covid-19 em pacientes adultos e crianças.

O último boletim emitido pela Casa Branca, na noite de sexta, informava que Trump estava "muito bem".

"Ele não está precisando de oxigênio suplementar, mas, em consulta com especialistas, escolhemos iniciar a terapia com remdesivir", diz o comunicado assinado por Conley. "Ele completou sua primeira dose e está descansando confortavelmente."

Apesar de ter incentivado o uso de hidroxicloroquina e dito que a usava como método de prevenção, o líder americano até agora não tomou o medicamento, cuja eficácia contra o coronavírus não tem comprovação científica.

Segundo os médicos, Trump está "levemente acima do peso", mas não apresenta fatores de risco que possam agravar a Covid-19. A frequência cardíaca, na faixa dos 70 batimentos por minuto, e a pressão arterial do presidente estão em níveis normais.

Conley afirmou ainda que a saturação de oxigênio de Trump é de 96%. O número representa a concentração de oxigênio transportada pelo sangue e, em pessoas saudáveis, deve ser igual ou superior a 96%.

Concentração igual ou inferior a 92% indica alerta para a possibilidade de alguma alteração no transporte de oxigênio pelo organismo. Caso a medição indique porcentagem igual ou inferior a 89%, a falta de oxigenação é considerada grave.

De acordo com o que a ciência já descobriu sobre os pacientes com coronavírus, entretanto, Trump está dentro do grupo de maior risco, devido a seus 74 anos. Com 1,90 m de altura e 110 kg, seu índice de massa corporal (IMC) é de 30,5, o que o faz ser considerado obeso.

Desde o anúncio do diagnóstico, Trump recebeu mensagens de diversos líderes mundiais e outras personalidades, incluindo seu adversário na eleição de 3 de novembro, o democrata Joe Biden, e o dirigente chinês, Xi Jinping, com quem o republicano tem travado uma espécie de Guerra Fria 2.0, que envolve questões econômicas e geopolíticas, da pandemia de Covid-19 à autonomia de Hong Kong.

Ambos desejaram a Trump e Melania uma rápida recuperação, à semelhança de autoridades como o presidente brasileiro, Jair Bolsonaro, a chanceler alemã, Angela Merkel, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, e o presidente russo, Vladimir Putin.

Biden e sua esposa, Jill, também fizeram testes para detecção do coronavírus, e os resultados foram negativos. Havia risco de que o democrata tivesse se contaminado durante o debate eleitoral da última terça-feira (29).

Ainda é cedo, entretanto, para descartar completamente a possibilidade de infecção devido à chamada "janela imunológica". Neste período, o indivíduo pode ter se contaminado, mas o organismo ainda não teve tempo de produzir anticorpos e, portanto, os testes podem apontar falsos resultados negativos.

Neste sábado, Biden usou as redes sociais para reforçar a orientação sobre o uso de máscaras como prevenção contra o coronavírus. "Usar uma máscara irá protegê-lo. Mas também protegerá aqueles ao seu redor —sua mãe, seu pai, seu filho, sua filha, seu vizinho, seu colega de trabalho", escreveu o democrata. "Seja um patriota. Faça sua parte."

Trump foi visto usando máscara em público em raras ocasiões, uma delas nesta sexta quando caminhava, sozinho, até o helicóptero que o levaria ao hospital em Bethesda. Durante o debate, chegou a zombar do adversário democrata dizendo que ele usava uma "máscara grande demais", em mais um exemplo da postura contrária ao conhecimento científico sobre o risco de propagação do coronavírus.

Na noite de sexta, o ex-presidente Barack Obama e a candidata à vice-presidência na chapa de Biden, Kamala Harris, abriram um evento virtual de campanha novamente expressando solidariedade ao presidente e à primeira-dama.

"Mesmo quando estamos no meio de grandes batalhas políticas com muita questões em jogo, somos todos americanos e somos todos seres humanos, e queremos ter certeza de que todos estão saudáveis", disse Obama.

Kamala ofereceu "as mais profundas orações" ao casal e disse que a situação deve ser "um lembrete a todos nós de que devemos permanecer vigilantes e cuidar de nós mesmos e uns dos outros".

Nas redes sociais, entretanto, muitos usuários têm desejado a morte ou a incapacitação de Trump. O volume de publicações com esse teor levou a equipe de comunicação do Twitter a reforçar a aplicação de uma das políticas da rede.

"Tuítes que desejam morte, lesões corporais graves ou doenças fatais contra qualquer pessoa não são permitidos e deverão ser removidos", escreveu a equipe.

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