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Juliano Machado

Com ares de tragédia, história dos mineiros chilenos acabou em grande festa

Jornalista relembra cobertura do resgate em mina de San José, há dez anos

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Juliano Machado
São Paulo

O sol inclemente no meio do deserto do Atacama, sem nenhuma nuvem por perto, é sucedido por uma queda abrupta de temperatura, com noites de primavera em torno de 5ºC. Não bastasse, há um vento fustigante que vem dos morros de areia e pedra daquela paisagem lunar.

Era esse o cenário nada convidativo para os cerca de 1.700 jornalistas que se espalharam pela mina San José, no norte do Chile, para acompanhar o resgate dos 33 mineiros.

O mineiro Franklin Lobos deixa a cápsula após ser resgatado da mina São José
O mineiro Franklin Lobos deixa a cápsula após ser resgatado da mina São José - Juan Mabromata - 13.out.10/AFP

Aguardada pelo mundo todo, a operação começou na noite de 12 de outubro de 2010, varou a madrugada e se estendeu por todo o dia 13. Enviado pela revista Época, trabalhei por quase 24 horas ininterruptas, apenas com uma pausa de cerca de três horas para dormir dentro da caminhonete que havia alugado —alguns colegas brasileiros e eu fizemos uma espécie de rodízio do sono, sem o qual não teríamos aguentado o cansaço e não estaríamos preparados para o grande momento.

De partida, a história dos 33 tinha todos os contornos de tragédia. Mesmo após se saber que estavam vivos com então 17 dias de soterramento, parecia impossível que nenhum sucumbisse ao longo dos mais de dois meses tão debaixo da terra. Pois todos persistiram até a hora decisiva.

Quando Florencio Ávalos, o primeiro a ser içado, surgiu aos olhos de todos, desfez-se boa parte da tensão que havia no acampamento Esperanza —criado para abrigar parentes e dar um suporte mínimo aos jornalistas, com uma tenda que servia de sala de imprensa. Então veio o segundo, veio o terceiro, o quarto, sem nenhuma intercorrência... Lá pelo sétimo, tive aquela sensação de que tudo ia dar certo, que era só questão de tempo. Parecia, entre meus pares, que pensavam o mesmo.

Assim foi até 21h55, quando Luis Urzúa, o 33º, saiu da cápsula Fênix. Familiares dos mineiros pulavam, gritavam, se abraçavam. “Chi-chi-chi, le-le-le, los mineros de Chile!” era o que mais se ouvia pelo acampamento, como se estivéssemos nas arquibancadas do Estádio Nacional, em Santiago.

Houve estouro de champanhe, o hino chileno começou a ser intensamente entoado. Embora estivesse concentrado em escrever um texto para rápida publicação, senti que meus olhos marejavam.

O sucesso da retirada dos 33 trouxe alívio aos repórteres, que passaram a ter a tarefa bem mais agradável de registrar o clima de Copa do Mundo em Copiapó, onde vivia a maioria dos mineiros. A cidade não se cabia de tão feliz, e a toda hora havia buzinaço.

Uma vez que eles tiveram de ficar até 48 horas em observação num hospital local, para monitorar eventuais problemas de saúde pós-resgate, os parentes se organizaram para fazer as festas de boas-vindas no fim de semana.

A família de Ariel Ticona, com a qual construí uma relação de confiança ao longo dos dias que antecederam a operação, comemorou no sábado, 16 de outubro. Fui convidado, com a condição de contribuir com uma quantia para os comes e bebes (assim como todos os outros participantes).

Na empolgação, ainda tive a ideia de ir a um mercado para comprar cachaça brasileira e limões. Nunca paguei tão caro por uma garrafa da marca mais conhecida, mas achei que merecíamos brindar com caipirinha naquela noite.

Como já havia entrevistado Ticona na véspera, não vi motivo para importuná-lo com novas perguntas. Decidi que estava ali à paisana, e outros poucos jornalistas que receberam convite também entenderam que era hora apenas de relaxar. Fiz uma caipirinha mediana, mas ali tudo era festa e todo mundo gostou. Bebi, comi, dei risada, livrei-me de toda a tensão de vários dias de trabalho pesado.

Dez anos depois, tenho certeza de que essa cobertura é (e provavelmente continuará a ser) a que me traz mais boas lembranças na carreira.

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