Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
Barack Obama sabia do simbolismo quando escolheu a Pensilvânia para estrear nos comícios de Joe Biden. A 13 dias da eleição, o primeiro presidente negro da história dos EUA levou seu perfil moderado e conciliador ao estado que se tornou a alegoria perfeita da polarização que marca a disputa à Casa Branca.
Com 12,8 milhões de habitantes, a Pensilvânia reúne no mapa uma fatia importante de eleitores brancos e negros, com e sem diploma de ensino superior, espalhados na divisão demográfica que reflete a atual política americana: enquanto centros urbanos, como Filadélfia e Pittsburgh, são mais progressistas e tendem a votar em democratas, o interior, mais rural e conservador, inclina-se aos republicanos.
Na Filadélfia, brancos e negros se dividem em 41% e 42% da população, respectivamente, mas a região metropolitana da cidade abriga áreas com eleitorado majoritariamente branco, muitos dos que viraram as costas aos democratas em 2016, escalando uma tensão social inerente à trajetória dos EUA.
Obama venceu na Pensilvânia em 2008 e 2012, mas, há quatro anos, parte da classe média do estado —e de outras regiões do chamado Cinturão da Ferrugem, que engloba também Michigan e Wisconsin, por exemplo— dizia-se cansada da política tradicional e preferiu Donald Trump.
O republicano derrotou Hillary Clinton na Pensilvânia por apenas 44,2 mil votos e escancarou o racha no estado que antes era território seguro para o partido de Biden, nascido lá, na cidade de Scranton.
Obama entrou na campanha com o desafio duplo de unir democratas em torno de Biden —principalmente jovens, negros e latinos que não se animam com o ex-vice-presidente— e tentar atrair eleitores independentes que votaram nele duas vezes para, depois, irem de Trump. Uma delas é Judy Phelps, assistente social de 72 anos e moradora de Erie, em uma das pontas da Pensilvânia.
Mas ela mudou e ficou. Segue dizendo que os democratas são socialistas radicais, com promessa de educação e saúde grátis para todos, e defende Trump na condução da pandemia que já matou mais de 220 mil pessoas no país. "O vírus não é culpa dele [Trump]. Sigo com minha posição de quatro anos atrás e vou votar mais uma vez no presidente", diz a ex-eleitora de Obama.
Ao lado das pesquisas que mostram Biden na liderança no estado com, em média, cinco pontos percentuais de vantagem, Judy sinaliza que a polarização ali e no resto do país não vai acabar com a eleição e que os apoiadores de Trump vão continuar sendo uma parte fundamental da política americana.
A crise e a desigualdade econômica crescentes impulsionam o nacionalismo em todo o país e dão novo fôlego a movimentos como o de racistas, reforçados pela retórica divisionista do presidente.
Biden promete construir pontes e unir os EUA, mas analistas acreditam que o caminho é longo e que o dia da eleição pode ser um novo teste para a polarização no país.
A Conferência de Prefeitos dos EUA, que inclui o democrata Jim Kenney, da Filadélfia, divulgou recentemente um comunicado em que expressa "grande preocupação" com a ocorrência de protestos e intimidação de eleitores em 3 de novembro. Fala também em alguns atos "possivelmente violentos."
O pior cenário esperado pelos líderes locais é o que milícias ilegais aparecem armadas —o porte de armas de fogo é um direito constitucional nos EUA— na entrada dos locais de votação e grupos extremistas saem às ruas em atos violentos antes e depois da divulgação dos resultados.
A eleição deste ano ocorre em um cenário incomum, em meio à pandemia e à agitação social que domina o país desde o assassinato de George Floyd, em maio. Enquanto parte dos políticos e dos americanos prende a respiração sobre o que esperar para 3 de novembro, é preciso garantir que a polarização não se radicalize e que uma das disputas mais imprevisíveis dos EUA ocorra dentro dos preceitos democráticos.
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