Descrição de chapéu oriente médio

Forças reconhecidas pela ONU e rebeldes assinam cessar-fogo na Líbia

Saída de combatentes estrangeiros e fusão de grupos armados serão objeto de negociações futuras

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Trípoli e Genebra | Reuters

As facções em conflito na Líbia assinaram nesta sexta-feira (23) um acordo de cessar-fogo imerso em ceticismo, uma vez que qualquer solução duradoura para anos de caos e derramamento de sangue exigirá um trato mais amplo entre os grupos armados do país e as potências externas que os apoiam.

A vice-representante especial da Organização das Nações Unidas (ONU) para assuntos políticos na Líbia, Stephanie Williams, disse que a trégua começaria imediatamente e que todos os combatentes estrangeiros devem deixar o território dentro de três meses.

Engenheiros militares do Governo de Acordo Nacional (GNA) se preparam para descartar munições e explosivos em Trípoli
Engenheiros militares do Governo de Acordo Nacional (GNA) se preparam para descartar munições e explosivos em Trípoli - Mahmud Turkia - 12.out.20/AFP

Quando o primeiro voo comercial de passageiros em mais de um ano cruzou as linhas de frente de Trípoli para a cidade de Benghazi, no leste, nesta sexta, Williams lembrou a frágil história recente da Líbia, as inúmeras tréguas rompidas e as soluções políticas fracassadas.

"Mas não devemos deixar os cínicos vencerem", disse ela, saudando os dois lados pela coragem em concordar com um cessar-fogo e dizendo que mereciam apoio internacional.

O trato foi alcançado após o Governo de Acordo Nacional (GNA), reconhecido pela comunidade internacional, derrotar o Exército Nacional Líbio (LNA), do general rebelde Khalifa Haftar, em junho, depois de 14 meses de ataques à capital. Desde então, as linhas de frente se estabilizaram perto da cidade costeira de Sirte, e o LNA encerrou o bloqueio de oito meses que fazia à produção de petróleo do país.

A Líbia vive profunda instabilidade desde o levante apoiado pela Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte), em 2011, que levou à morte do ditador Muammar Gaddafi. Desde 2014, o país está dividido em áreas controladas pelo GNA, governo de união criado criado pela ONU com apoio dos EUA, no noroeste e em Trípoli, e pelo LNA, no leste.

À época, Haftar anunciou que planejava unificar a Líbia sob seu controle e passou os três anos seguintes lutando para capturar a cidade de Benghazi, que estava sob domínio de milícias islâmicas. Com apoio estrangeiro, conseguiu estabelecer controle sobre boa parte da porção leste do país.

O general de 75 anos é um antigo oficial do Exército de Gaddafi e chegou a receber apoio da CIA (a agência americana de inteligência). Ele é apoiado por Emirados Árabes Unidos, Egito e Rússia.

Frente a esse panorama, há muito ceticismo de que o trato assinado nesta sexta tenha desdobramentos duradouros. A Turquia, principal patrocinador da GNA, expressou dúvidas de que o cessar-fogo será mantido, com o presidente Recep Tayyip Erdogan dizendo que o quadro "não parece muito realizável".

Também houve cautela dentro do país. "Todos nós queremos acabar com a guerra e a destruição. Mas, pessoalmente, não confio naqueles que estão no poder", disse o empresário Kamal al-Mazoughi, 53.

Detalhes cruciais sobre a implementação do pacto, incluindo o monitoramento da saída de combatentes estrangeiros e a fusão de grupos armados, foram deixados para subcomitês em conversas futuras.

Países que apoiam ambos os lados do conflito enviaram milhares de combatentes estrangeiros para a Líbia, incluindo sírios, sudaneses, chadianos e mercenários europeus trazidos pela Rússia. Desde junho, eles se entrincheiraram ao longo da linha de frente de Sirte com novas armas e posições defensivas.

Enquanto isso, as negociações agendadas para ocorrer na Tunísia, no início do próximo mês, com o objetivo de desenhar a realização de eleições nacionais, precisarão chegar a um acordo sobre questões historicamente difíceis, além de superar a desconfiança generalizada.

"Ainda não há nenhum sinal claro de que os beligerantes líbios estão olhando para isso como outra coisa senão um período de manobras e posicionamento", diz Tarek Megerisi, pesquisador político do Conselho Europeu de Relações Exteriores.

O ataque de Haftar a Trípoli no ano passado foi lançado quando o secretário-geral da ONU, o português António Guterres, chegou à capital líbia para se preparar para negociações de paz.

Com o colapso da ofensiva rebelde nos últimos meses —graças ao apoio turco à GNA—, o Egito ameaçou intervir diretamente, criando o risco de uma sangrenta escalada regional.

As instalações de energia da Líbia, o maior prêmio para ambos os lados, estavam na linha de frente enquanto mercenários avançavam sobre portos e campos de petróleo.

As Nações Unidas também pressionam por medidas econômicas que busquem um acordo entre as principais facções sobre a gestão futura da riqueza da Líbia e suas instituições nacionais.

"O que prevalece [entre as facções líbias] é o desejo de reiniciar a economia", diz Jalel Harchaoui, analista que trabalha no país. "Esse alinhamento é frágil e temporário."

Guterres disse que esperava nomear o atual enviado da ONU ao Oriente Médio, o búlgaro Nickolai Mladenov, como o novo enviado à Líbia, substituindo Ghassan Salame, que renunciou devido a estresse.

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