Descrição de chapéu machismo

França quer ampliar prazo para aborto e proibir teste de virgindade

Deputados aprovam lei que permite interromper gravidez até 14 semanas

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Bruxelas

Enquanto o Legislativo da França deu o primeiro passo para ampliar de 12 para 14 semanas o prazo legal para realizar um aborto, o governo do país prepara um projeto de lei para punir com multa e prisão médicos que forneçam "certificados de virgindade", usados por famílias religiosas em acordos de casamento.

No caso do aborto, a medida foi aprovada em primeira leitura na Assembleia e seguiu para o Senado na sexta (9). Se a extensão for aprovada, a lei francesa vai se igualar à da Espanha, que permite o aborto até 14 semanas.

Segundo o Centro de Direitos Reprodutivos, 41 países europeus permitem o procedimento de forma ampla (87% do total), com prazo que varia de 12 a 24 semanas. A Suécia o autoriza até 18 semanas, a Holanda, até 22 semanas, e o Reino Unido, até 24 (com algumas restrições).

Ativista discursa durante protesto em Paris organizado por grupos feministas para defender o direito ao aborto
Ativista discursa durante protesto em Paris organizado por grupos feministas para defender o direito ao aborto - Geoffroy Van der Hasselt - 26.set.20/AFP

Dados do governo francês indicam que os chamados abortos tardios (com mais de dez semanas de gravidez) eram 5% dos casos —o impacto da pandemia de coronavírus aumentou a dificuldade das mulheres que querem interromper a gestação, segundo a relatora Albane Gaillot, do grupo EDS (Ecologia, Democracia, Solidariedade), de centro-esquerda.

A cada ano, segundo Gaillot, de 3.000 a 5.000 mulheres francesas acabam viajando a outros países para abortar, porque o prazo de 12 semanas da lei francesa é excedido.

“O fechamento de fronteiras durante a crise de saúde e a impossibilidade de as mulheres viajarem aumentam o temor de um aumento significativo no número de gravidezes indesejadas”, afirma ela.

Outro problema é que os abortos tardios são justamente os que mais deixam de ser feitos por recusa dos médicos, situação que se agravou quando o Sindicato Nacional dos Ginecologistas Obstetras Franceses passou a se opor à prática, afirmando em 2018 que ela equivale a homicídio.

Além de ampliar o prazo para o aborto, Gaillot pediu a retirada de um artigo específico de cláusula de consciência na lei do aborto, que permite a um médico recusar-se a cuidar de um doente, sem ter de apresentar razões.

O relatório afirmava que a brecha levava a França para o mesmo caminho da Itália, em que 70% dos médicos se recusam a praticar o aborto declarando objeção de consciência.

Segundo Gaillot, cerca de 50 mil mulheres são forçadas a praticar abortos ilegais no país por não conseguirem fazer valer o direito legal ou por perderem o prazo estabelecido na lei.

O texto (no original) passou com 86 votos a favor, e 59 contra (7 deputados se abstiveram), com a maioria dos votos do EDS e da esquerda.

O grupo Republicanos, de direita, votou majoritariamente contra a proposta. Embora a maioria dos deputados do governista LREM tenha aprovado o projeto, a gestão de Emmanuel Macron disse apenas que o tema era "delicado" e que contava com a "sabedoria" dos deputados.

O governo encaminhou a questão ao Comitê Consultivo Nacional de Ética —para analistas, uma tentativa de derrubar as mudanças sem precisar se envolver politicamente no Legislativo.

O Senado tem também uma composição mais conservadora: 43% de seus membros são do Republicanos, enquanto na Assembleia eles são 18%.

Certificados de virgindade

Já o combate aos certificados de virgindade faz parte de um projeto para reforçar valores seculares e combater o que Macron chamou de "separatismo islâmico".

Além de prever punições aos médicos, o projeto, que deve ser apresentado ao Parlamento em dezembro, segundo o governo, incluirá punições a pais ou noivos que exijam o teste de virgindade.

Reportagem da TV France 3 afirmou que cerca de 30% dos médicos franceses dizem já ter recebido pedidos para fornecer certificados como esse —a maioria diz ter recusado.

Mulheres egípcias protestam contra testes de virgindade no Cairo, com cartazes dizendo 'pelo direito das minhas irmãs'
Mulheres egípcias protestam contra testes de virgindade no Cairo, com cartazes dizendo 'pelo direito das minhas irmãs' - Filippo Monteforte - 27.dez.11/AFP

Segundo a Organização Mundial da Saúde, a prática de inspecionar o hímen de uma mulher ou menina viola seus direitos humanos e não comprova se ela teve relações sexuais ou não, já que o hímen pode ter sido rompido por outros motivos ou pode ficar intacto mesmo depois de uma penetração.

Em 2018, a ONU publicou uma declaração pedindo a governos que proíbam esses testes e conscientizem as comunidades contra “os mitos relacionados à virgindade e as normas que enfatizam o controle da sexualidade e do corpo de mulheres e meninas".

Sem campanhas educacionais, afirmam entidades de direitos civis, a proibição vai apenas criar uma cortina de silêncio ao redor do problema, sem resolver os preconceitos e o desrespeito às mulheres.

À TV francesa médicos relataram já ter dado certificados a meninas que temiam violência física de parentes ou a rejeição dos pais.

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