Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
O governador de Nova Jersey não conseguiu esconder a irritação. “Às vezes há insanidade nas redes sociais. Esta é minha filha, que não fez uma festa de despedida de solteira e não vai se casar neste final de semana. Só para que vocês saibam, seus idiotas que acreditam nessa história”, disse o democrata Phil Murphy em entrevista coletiva no fim de julho.
Mais de 5.200 pessoas haviam compartilhado em redes sociais uma foto de uma jovem sem máscara em uma despedida de solteira, no meio de uma aglomeração, dizendo se tratar da filha de Murphy. Não era.
A disseminação de fake news não é um fenômeno novo, mas se tornou ingrediente inevitável das campanhas eleitorais americanas a partir de 2016, ano em que o presidente Donald Trump venceu as eleições —com ajuda de trolls, robôs e contas falsas ligadas ao Kremlin.
As contas russas espalharam notícias falsas sobre a então candidata democrata, Hillary Clinton, dizendo que ela estaria envolvida em rituais satânicos, e se empenharam em disparar mensagens distorcidas para fazer eleitores negros desistirem de votar na adversária do republicano.
Dois mil e dezesseis também foi o ano em que Edgar M. Welch entrou numa filial da pizzaria Comet Ping Pong em Washington com um fuzil AR-15 e um revólver calibre 38.
Welch chegou atirando para, segundo ele, libertar as “crianças presas em gaiolas no porão” do estabelecimento, vítimas da “rede de pedófilos do Partido Democrata”.
A notícia falsa sobre a tal rede de pedófilos começou a viralizar em blogs de direita, nas redes usadas pelos integrantes do alt-right como o 4chan, após o WikiLeaks vazar emails enviados pelo chefe da campanha de Hillary, John Podesta, que conhecia o dono da pizzaria.
De lá, a teoria conspiratória ganhou tração no Facebook e no Twitter e chegou até Welch, que disse ao New York Times acreditar que Hillary Clinton matava crianças com suas próprias mãos.
Conhecido como Pizzagate, o episódio foi absorvido pelo QAnon, a teoria conspiratória segundo a qual Trump tenta derrotar um “Estado profundo” infiltrado entre os funcionários de carreira em Washington e uma elite de pedófilos ligada ao Partido Democrata.
O Pizzagate ressuscitou em contas do QAnon no TikTok neste ano.
Facebook, Twitter e TikTok baniram todas as contas relacionadas ao QAnon, mas as notícias falsas propagadas pelos conspiracionistas já haviam feito estrago.
Segundo pesquisa do Pew Research Center, 41% dos eleitores republicanos que já haviam ouvido falar no QAnon achavam que o movimento é positivo para os Estados Unidos.
O próprio presidente Trump, ao ser questionado sobre o QAnon, recusou-se a desmentir a teoria mentirosa e disse apenas: “Ouvi falar que essas são pessoas que amam nosso país”.
Trump, aliás, é um dos maiores divulgadores de notícias falsas. Em julho, retuitou mais de uma vez o vídeo em que uma médica fazia afirmações mentirosas sobre a eficácia da hidroxicloroquina no tratamento da Covid-19. O vídeo teve milhões de compartilhamentos antes de ser banido de várias plataformas.
Minorias étnicas, raciais e mulheres são sempre as principais afetadas por campanhas de difamação e fake news. A candidata democrata a vice Kamala Harris, descendente de mãe indiana e pai jamaicano negro, claro, transformou-se em um dos maiores alvos.
Circulam pelas redes sociais milhares de mensagens afirmando que Kamala não poderia se candidatar à Vice-Presidência dos EUA por ser filha de imigrantes e dizendo que ela havia mantido relações sexuais com chefes para subir na vida.
Um dos disseminadores dessas mentiras é o presidente, que afirmou em agosto ter ouvido de um advogado “muito qualificado” que Kamala não podia ser candidata a vice, mas que não sabia se era verdade. Não causa surpresa: Trump também foi um dos maiores promotores da “conspiração birther” —segundo a qual o ex-presidente Barack Obama teria nascido no Quênia e, assim, não podia ser presidente.
Em tempo: Obama nasceu mesmo no Havaí, e Kamala, que nasceu na Califórnia, pode se candidatar.
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