Leia editorial em que New York Times declara apoio a Biden

Para jornal americano, candidato democrata está à altura do desafio de 'restaurar o coração da América'

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Nova York | The New York Times

Joe Biden prometeu ser um presidente para todos os americanos, mesmo os que não o apoiam. Em eleições anteriores, uma promessa desse tipo poderia ter soado banal ou melosa. Hoje, a ideia de que o presidente deve velar pelos interesses da nação inteira parece quase revolucionária.

Biden também prometeu “restaurar o coração da América”. É um lembrete doloroso de que o país hoje está mais fraco, com mais raiva, menos esperançoso e mais dividido do que estava quatro anos atrás.

Com essa promessa, Biden está assegurando à população que reconhece a magnitude do que o próximo presidente precisará fazer. Felizmente, Biden está à altura desse desafio.

Em meio ao caos implacável, Biden oferece a uma nação ansiosa e exausta algo que ultrapassa a política e a ideologia. Sua campanha tem suas raízes na constância, experiência, compaíxão e dignidade.

Um presidente Biden abraçará o Estado de direito e restaurará a confiança pública nas instituições democráticas. O governo voltará a respeitar a ciência e os conhecimentos especializados.

Biden povoará sua administração com indivíduos competentes, qualificados, regidos por princípios. Ele se colocará ao lado dos aliados da América e contra os adversários que procuram solapar nossa democracia.

Ele trabalhará para combater injustiças sistêmicas. Não cortejará autocratas de outros países nem dará apoio a supremacistas brancos. Seu foco será voltado a sanar as divisões e a mobilizar a nação em torno de valores compartilhados. Ele compreenderá que seu primeiro dever é sempre com o povo americano.

Mas Biden é mais do que apenas uma mão firme no leme. Sua mensagem de unidade e pragmatismo encontrou eco junto aos eleitores democratas, que se mobilizaram em grande número para elevá-lo acima do campo extenso das primárias.

Sua equipe formulou uma agenda ousada que visa enfrentar alguns dos problemas mais urgentes do país.

O ex-vice-presidente está empenhado em trabalhar por assistência médica universal, por meio de medidas que acrescentem uma opção pública à Lei de Proteção e Assistência ao Paciente (Obamacare) –para cuja aprovação ele próprio exerceu papel importante—, reduzam a idade mínima de acesso ao Medicare para 60 anos e cortem o custo dos medicamentos vendidos com receita médica.

Biden reconhece o perigo letal da mudança climática e propôs um plano arrojado de US$ 2 trilhões para reduzir as emissões de carbono, investir numa economia verde e combater o racismo ambiental.

Biden não vai se transformar em um maximalista ideológico tão cedo, mas já admitiu que a tríade atual de crises –uma pandemia letal, um derretimento econômico e turbulência racial— requerem uma visão de governo ampliada.

Sua campanha vem pedindo a colaboração de uma grande gama de pensadores, incluindo ex-rivais, para ajudar a formular soluções dinâmicas.

Na metade do verão americano, Biden apresentou um plano de recuperação econômica batizado “Build Back Better” (reconstruir para melhor), com propostas para fortalecer o setor manufatureiro americano, incentivar a inovação, construir uma “economia de energia limpa”, promover a paridade racial e apoiar cuidadores e educadores.

Seu plano para combater o coronavírus inclui a criação de um corpo de empregos na saúde pública. Os progressistas que querem ainda mais dele não devem ter medo de fazer pressão. Experiência não é sinônimo de estagnação.

Biden possui um histórico longo e distinto de realizações, incluindo, como senador, a promoção da histórica lei de 1994 contra a Violência contra as Mulheres e, como vice-presidente, da Lei de Reinversão e Recuperação Americana de 2009, aprovada em resposta à Grande Recessão.

Em entrevista de 2012 ao programa “Meet the Press”, suas declarações de apoio ao casamento gay –que pegaram a Casa Branca de surpresa total e causaram confusão pública— acabaram sendo um momento divisor de águas para a causa da igualdade.

Em 1996, como senador, Biden votou a favor da Lei de Defesa do Casamento, que proibia o reconhecimento federal do casamento homossexual, fato que tornou sua evolução em relação a essa questão especialmente digna de nota.

Ele tem domínio e visão incomumente amplos da política externa, uma área que tradicionalmente não exerce papel central na corrida presidencial –embora a pandemia, a crise climática, uma China mais assertiva e as guerras de desinformação travadas contra o público americano argumentem fortemente que isso deveria mudar.

O próximo presidente enfrentará a tarefa de reparar os danos enormes infligidos à reputação global da América.

Biden possui a experiência necessária, tendo passado boa parte de sua carreira concentrado sobre questões globais. Ele não apenas encabeçou missões diplomáticas espinhosas como vice-presidente como passou mais de três décadas servindo no Comitê de Relações Exteriores do Senado.

Consciente de que a abordagem da “América em Primeiro Lugar” na realidade equivale a “América sozinha”, Biden trabalhará para recuperar e reativar alianças prejudicadas. Ele goza do respeito e confiança dos aliados dos EUA e não será feito de tolo por seus adversários.

É verdade que, vistas em retrospectiva, nem todas as decisões de política externa tomadas por Biden ao longo das décadas parecem sábias, mas ele deu mostras de visão apurada em momentos chaves.

Ele travou uma luta de retaguarda na Casa Branca de Obama para limitar o aumento inútil de tropas enviadas ao Afeganistão. Foi contra a intervenção de 2011 na Líbia e cético quanto ao envio de tropas americanas à Síria. Biden foi contra a renovação da Lei de Vigilância de Inteligência Estrangeira em 2007 e 2008 porque ela conferia ao governo poder excessivo para espionar os americanos.

Ele já se expressou a favor de fechar a prisão de Guantánamo. Não surpreende que conte com o apoio do “quem é quem” da comunidade da política externa e de autoridades de segurança nacional dos dois partidos.

Biden não é purista ideológico nem atirador de bombas. Alguns enxergarão isso como uma falha ou como ingenuidade excessiva. De fato, é improvável que, se os republicanos mantiverem o controle do Senado, seu líder, Mitch McConnell, vá abandonar sua política de obstrucionismo fanático de qualquer presidente democrata.

Isto dito, como o emissário frequentemente enviado pelo presidente Barack Obama para dialogar com legisladores republicanos durante disputas legislativas árduas, Biden tem experiência íntima do impasse partidário que paralisa o Congresso.

Ele sabe como funcionam as alavancas do poder em ambas as extremidades da Pennsylvania Avenue e tem relacionamentos de anos com membros de ambos os partidos.

Mais que qualquer dos outros pré-candidatos presidenciais democratas deste ciclo, Biden ofereceu aos eleitores cansados de guerra uma chance de ver se existe a possibilidade de um mínimo que seja de bipartidarismo.

Ele também está oferecendo um vislumbre do futuro do Partido Democrata, por meio da pessoa que escolheu para sua companheira de chapa, a senadora Kamala Harris, da Califórnia.

Como vice, Harris se tornará a primeira em várias categorias –mulher, negra e asiático-americana—, acrescentando à chapa o aspecto instigante de estar fazendo história. Ex-promotora pública, ela é forte, inteligente e sabe como desmontar um argumento falho ou um adversário político.

Harris é progressista, mas não radical. Em sua própria campanha para a candidatura presidencial democrata, ela se apresentou como líder unificadora com propostas políticas de centro-esquerda em molde semelhante ao de Biden, embora de uma geração mais jovem.

Biden tem consciência de que não representa mais um rosto novo e já disse que se enxerga como uma ponte para a próxima geração de líderes de seu partido. Kamala Harris é um passo promissor nessa direção.

Se Biden vencer a eleição, ele terá que levar sua agenda de governo ao povo —a toda a população, não apenas às vozes mais elevadas ou mais online de seu partido. Para isso, será preciso persuadir os americanos que ele compreende suas preocupações e é capaz de traduzir esse entendimento em políticas sólidas.

Biden possui um dom raro de forjar essas conexões. Quando era mais jovem, ele, como tantos outros senadores, às vezes parecia estar apaixonado pelo som de sua própria voz.

O tempo e as tragédias suavizaram suas arestas. Biden fala a linguagem do sofrimento e da compaixão com intimidade inequívoca. As pessoas de todas as raças e classes sociais respondem a isso, mais ainda agora, nestes tempos de incerteza.

Em um dos muitos exemplos recentes da empatia do vice-presidente, conquistada a custa de sofrimento, o pai de Jacob Blake, vitimado por tiros da polícia, descreveu a conversa telefônica que teve com Biden como tendo sido cheia de “amor, admiração, carinho”.

Biden sabe que não existem respostas fáceis. Ele possui a experiência, o temperamento e o caráter necessários para guiar a nação por meio deste vale e conduzi-la para um futuro mais iluminado, com mais esperança. Nós o endossamos para presidente.

Quando os eleitores forem às urnas neste ano, não estarão escolhendo apenas um líder. Estarão decidindo o que a América será. Vão decidir se são a favor do Estado de direito, como o governo os ajudará a superar a maior calamidade econômica em gerações, se querem que o governo permita que todos tenham acesso à saúde, se consideram o aquecimento global um perigo sério, se acreditam que o racismo deve ser tratado como problema de política pública.

Biden não é um candidato perfeito e não será um presidente perfeito. Mas a política não é questão de perfeição. A política é a arte do possível. É questão de encorajar a América a abraçar seus melhores anjos.

Tradução de Clara Allain

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