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Liberação de Trump a eventos públicos coroa derrapadas éticas de médico da Casa Branca

Sean Conley virou alvo da comunidade médica após declarações questionáveis no tratamento de Covid do presidente

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São Paulo

O médico que acompanha o presidente Donald Trump no tratamento da Covid-19 tem chamado a atenção da comunidade médica internacional pelas derrapadas éticas que vem cometendo na condução do caso.

A polêmica mais recente é o fato de Sean Conley ter liberado Trump para retomar as atividades de campanha neste sábado (10), quando completaria dez dias do diagnóstico de coronavírus do republicano.

O líder americano deve receber centenas de convidados nos jardins da Casa Branca e, na segunda-feira, realizar um comício no estado da Flórida. Para Conley, o presidente respondeu “extremamente bem” ao tratamento e há segurança no retorno.

O médico da Casa Branca, Sean Conley, durante entrevista coletiva em frente ao hospital militar Walter Reed, em Maryland
O médico da Casa Branca, Sean Conley, durante entrevista coletiva em frente ao hospital militar Walter Reed, em Maryland - Jonathan Ernst - 5.out.20/Reuters

Ninguém diz, porém, se Trump teve resultado negativo em novos testes de detecção do vírus.

Ainda não se sabe ao certo por quanto tempo uma pessoa que foi infectada pelo coronavírus pode transmitir a doença, mas estudos já mostraram que o contágio pode ocorrer por até três semanas. Ao menos 20 pessoas do entorno presidencial já foram infectadas pelo vírus.

Segundo Claudio Cohen, professor de bioética da Faculdade de Medicina da USP, há uma exceção crucial à obrigação do médico de proteger a privacidade do paciente: quando esse paciente é uma ameaça para os outros. Seria o caso de Trump nesse momento.

No entanto, Conley só poderá ser responsabilizado por negligência, por exemplo, se houver uma confirmação de que o presidente infectou alguém de fato. “Não se pune o risco, e sim o dano.”

No último domingo, o médico da Casa Branca também foi criticado por não condenar a decisão do republicano de interromper a quarentena e passear de carro com agentes do serviço secreto para acenar a apoiadores. Nos bastidores, médicos do hospital militar Walter Reed, onde Trump estava internado, chamaram o ato de "insanidade".

Segundo Cohen, o médico também tem o dever moral de não mentir. Em uma entrevista coletiva no último sábado (3), Conley disse que Trump não estava recebendo, naquele momento, oxigênio suplementar. Em seguida, evitou responder se ele já o tinha feito.

No domingo, porém, afirmou que o presidente havia, sim, recebido oxigênio em duas ocasiões desde o diagnóstico da doença. Conley disse ter ocultado o fato antes porque “estava tentando refletir a atitude otimista que a equipe, o presidente [e] o curso da doença estavam tendo...”

Para Claudio Reingenheim, professor convidado do eixo de humanidades do curso de medicina da Faculdade Albert Einstein, Conley poderia até ter se reservado o direito de não falar nada, em respeito à privacidade do paciente, mas nunca ter agido da forma como agiu.

Outra atitude eticamente questionável, segundo os médicos brasileiros, foi a decisão de indicar o uso do medicamento dexametasona, mesmo negando que Trump tenha tido problemas respiratórios significativos. A Sociedade Americana de Doenças Infecciosas não recomenda o medicamento para pacientes que não estejam em estágios graves de Covid-19.

Quando os repórteres pediram a Conley para explicar a decisão pelo tratamento, ele disse que não entraria em detalhes. Também desconversou sobre os resultados dos testes de imagem do tórax de Trump. Referiu-se a “descobertas esperadas", o que é diferente de "normal", termo que médicos usam quando não há nada de errado.

Conley, 40, acompanha o presidente desde março de 2018. Como a maioria dos médicos da Casa Branca, é oficial militar, o que significa, em última instância, que Trump é seu comandante-chefe.

Ele se formou na Universidade de Notre Dame em 2002 e depois estudou na Faculdade de Medicina Osteopática da Filadélfia, obtendo o diploma de doutor em medicina osteopática em 2006.

A medicina osteopática tem uma abordagem mais holística para o tratamento, com foco no estilo de vida e nos fatores ambientais. Mas, ao contrário do Reino Unido, nos Estados Unidos a formação para osteopatas é muito semelhante à de médicos com treinamento convencional.

Eles devem atender aos mesmos requisitos para praticar a medicina e estão legalmente licenciados para fazê-lo em todos os 50 estados americanos. Também podem prescrever medicamentos.

Conley, com esse conjunto de atitudes criticadas por pares e declarações conflitantes, tem se tornado porta-voz da demonstração de força pessoal de Trump, que segue negando a gravidade da pandemia.

Pouco antes de voltar à Casa Branca, na segunda (5), o presidente tuitou: “Não tenha medo da Covid. Não deixe isso dominar sua vida”. Mais de 210 mil americanos já morreram de Covid-19.

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