Descrição de chapéu Eleições EUA 2020

Minha eleição: 'Clima era de final de Copa do Mundo misturado com marcha de Luther King'

Barack Obama, no entanto, frustrou expectativas de unir país e sanar injustiça racial

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São Paulo

Parecia que o ar havia parado, e eu assistia a um filme se desenrolando na minha frente.

Milhares de pessoas corriam e se abraçavam, chorando de alegria, no entorno do Grant Park, em Chicago. Era 4 de novembro de 2008, e os EUA haviam eleito Barack Hussein Obama, seu primeiro presidente negro.

A última vez que eu havia tido essa sensação de estar testemunhando a história tinha sido em 11 de setembro de 2001, em Nova York. Andando pelas ruas do West Village, logo depois de as duas torres do World Trade Center terem caído, vi centenas de pessoas correndo, apavoradas, diante do fim do mundo como o conhecíamos.

Desta vez, o filme tinha um final feliz —ou, pelo menos, era o que acreditavam milhões de pessoas naquele momento.

Ex-presidente Barack Obama participa de comício para Joe Biden e Kamala Harris em Orlando, na Flórida.
O ex-presidente Barack Obama participa de comício para Joe Biden e Kamala Harris em Orlando, na Flórida - Ricardo Arduengo/AFP

Na noite da eleição, o clima era de final de Copa do Mundo misturado com marcha sobre Washington de Martin Luther King. Nas ruas, em vez do radinho de pilha para ouvir os gols, todo mundo acompanhava os resultados da apuração em seus iPhones e BlackBerrys.

Muitos ligavam para avisar amigos: "O Barack ganhou na Pensilvânia! O Barack ganhou em Ohio!". Outros gritavam de tempos em tempos: "Sim, nós podemos", o slogan da campanha do então senador.

As filas para entrar na festa da vitória de Obama, no Grant Park, chegavam a 15 quarteirões —eram jovens e velhos, crianças de colo, negros, brancos latinos e asiáticos.

Quando finalmente anunciaram —Barack Obama será o próximo presidente dos Estados Unidos—, muitos se abraçaram. Começou a tocar o hino americano, e a choradeira foi generalizada. E então começou o hino não oficial da campanha —"Signed Sealed Delivered, I'm Yours", de Stevie Wonder.

Era um outro mundo. Quando os telões passaram o discurso de derrota do republicano John McCain, a multidão foi respeitosa, não houve vaias.

Um mês antes, durante a campanha, o mesmo McCain havia defendido Obama durante um comício. Uma apoiadora republicana tinha chamado Obama de árabe —havia na época a teoria da conspiração birther, de que Obama teria nascido no Quênia, e não no Havaí, e seria muçulmano.

“Minha senhora, ele [Obama] é um homem decente, um homem que tem uma família, é um cidadão, e eu apenas discordo dele a respeito de questões fundamentais, e é disso que se trata essa campanha.”

Quem diria que, em 2016, o então candidato republicano Donald Trump não apenas iria endossar, como faria questão de incitar apoiadores em seus comícios a gritar “lock her up [coloquem ela na cadeia]”, referindo-se à sua concorrente democrata, Hillary Clinton. (Em 2008, aliás, Trump foi um dos principais disseminadores da informação falsa de que Obama não era um cidadão americano.)

Eram 23h de 4 de novembro de 2008 quando o presidente recém-eleito subiu ao palco do Grant Park. "Se alguém ainda duvida de que a América é o lugar onde tudo é possível, o dia de hoje é a resposta", disse.

Na época, a euforia era tanta que a piada era que as pessoas acreditavam na capacidade de Obama de cruzar o deserto e abrir o mar Vermelho, tal como Moisés.

As enormes expectativas depositadas no ex-senador foram, como não poderiam deixar de ser, frustradas.

Oito anos depois, um país mais polarizado do que nunca alçou Trump à Presidência e mostrou que não bastava eleger o primeiro presidente negro para sanar décadas de injustiça racial e unir os EUA.

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