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O retorno do MAS (e Evo Morales)

Na Bolívia, Luis Arce tem o grande desafio de fortalecer as instituições democráticas

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José Orlando Peralta Beltrán

Cientista político da Universidade Autônoma Gabriel René Moreno (UAGRM), em Santa Cruz, Bolívia. Mestre em Administração Pública e Governo Autônomo (Universidad Santiago de Compostela 2009-2010 - Espanha).

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O curto verão do bloco anti-MAS na Bolívia durou quase um ano, já que o novo presidente eleito, Luis Arce Catacora (MAS), terá que prestar juramento em novembro ou dezembro deste ano. O possível retorno de Evo Morales gera alegria para alguns e desconforto para outros, mas o triunfo de seu candidato (golfinho) é uma prova de que seu sentido política está altamente desenvolvida.

Por sua vez, os candidatos derrotados, Carlos Mesa e Luis Fernando Camacho, têm que assumir o papel da oposição –uma minoria fragmentada– com o fardo sobre seus ombros de ter repetido os mesmos erros políticos do passado: não reconhecer que a lógica nacional-popular é predominante em setores populares e grupos indígenas (majoritários) que habitam as periferias das cidades capitais de La Paz e Santa Cruz.

Luis Arce, candidato do MAS à Presidência da Bolívia, durante entrevista coletiva em La Paz
Luis Arce, candidato do MAS à Presidência da Bolívia, durante entrevista coletiva em La Paz - Ueslei Marcelino - 18.out.20/Reuters

Como se explica o novo cenário político na Bolívia?

Os resultados preliminares têm corroborado a ideia de que, em grande parte do imaginário social boliviano, Luis Arce tem o melhor perfil para liderar a economia do país. Sua condição de de ex-ministro da área no tempo da bonança econômica, quando muitas pessoas saíram da pobreza extrema e a classe média se expandiu, foi sua melhor carta de apresentação em um momento crítico: quando a pandemia deixou muitas famílias desempregadas e as arrastou de volta à pobreza, pior ainda, com a má gestão nas áreas econômica e de saúde pública e com os atos de corrupção na administração da presidente interina Jeanine Añez.

Por outro lado, a campanha do candidato Carlos Mesa foi fraca e sem impacto. Seu discurso político não disse nada de novo, na verdade, foi implantado sob os parâmetros discursivos do MAS em relação à administração de empresas estatais estratégicas. Uma posição pragmática se considerarmos que o papel do Estado na gestão da economia e na geração de fontes de emprego tem um alto nível de aceitação entre os cidadãos.

Em resumo, Mesa era um candidato de televisão e vídeo em redes sociais, não da rua. O distanciamento social (idade de risco na pandemia) foi levado muito a sério durante o tempo de campanha, mas seu custo foi bastante alto.

No caso de Luis Fernando Camacho, sua estratégia discursiva se fundamentou no fato de que ele era um candidato que representava a renovação da classe política boliviana, um homem fiel à fé religiosa (católica e cristã) e o novo líder político que a região oriental da Bolívia (principalmente o departamento de Santa Cruz) precisava.

Seu antecedente: ter enfrentado Evo Morales em 2019 e depois provocado sua renúncia –quando supostamente houve fraude– deu-lhe as credenciais para concorrer à presidência. No entanto, foi um fracasso. A simbiose região-fé-juventude teve um efeito em apenas 14,1% dos eleitores – de acordo com a contagem rápida do Jubileu (uma instituição com alta credibilidade no desenvolvimento de pesquisas de intenção de voto)– e marcou uma polarização social com a divisão oriente versus ocidente.

Quais são os desafios do novo presidente eleito?

Embora para uma grande parte da população (eleitores) Luis Arce tenha os créditos necessários para administrar as finanças do Estado no contexto de uma pandemia que afetou economicamente a população mais vulnerável, ele também tem o grande desafio de fortalecer as instituições democráticas.

Se a maioria na nova Assembleia Plurinacional (Parlamento) for representada por seu partido (MAS) –como está previsto–, então ele terá o caminho livre para definir a agenda para vários assuntos e problemas pendentes. Entretanto, se a agenda de temas da minoria é inviabilizada em sua totalidade, não terão sido feitos grandes progressos.

Se o oficialismo neutraliza politicamente a oposição e esta última se mantém fragmentada e desorientada, teremos uma nova gestão caracterizada pela cacofonia desta última e a investida da primeira. Nada de novo sob as estrelas na Bolívia.

É necessário destacar que, no contexto internacional, o triunfo do MAS tem sido um golaço de meio campo da esquerda progressista latino-americana. O presidente cubano, Miguel Díaz-Canel, tuitou: "Parabéns ao MAS, que recuperou nas urnas o poder usurpado pela oligarquia, com a cumplicidade da OEA e da orientação imperial”.

Por sua vez, o ex-presidente equatoriano Rafael Correa escreveu: "Jallalla Bolívia! Um abraço para os irmãos Luis Arce e David Choquehuanca. Com sua liderança, junto com Evo e Álvaro, nossa amada Bolívia volta ao seu povo, volta também à Grande Pátria."

Agora, então, uma grande dúvida que permanece no ar é a independência-dependência e a proximidade-legitimidade entre Arce e Morales. Será que Luis Arce terá seu próprio estilo de governo? Ou será Morales quem puxará os fios do poder? Somente o tempo dirá.

Por enquanto, a verdade é que ele ganhou uma eleição com seus próprios méritos e terá como companheiro de candidatura o ex-chanceler David Choquehuanca –considerado "o último Inca"–, que foi eleito por várias organizações indígenas e populares, principalmente do oeste do país, para ser o candidato à vice-presidência. Aqui surge outra pergunta: até que ponto as respectivas visões e agendas sobre o Estado, economia e sociedade de Arce e Choquehuanca são as mesmas?

Esta será a quarta vez que o MAS chega ao governo nacional com amplo apoio eleitoral e um novo binômio com perfis diferentes de seus antecessores: um presidente com a imagem de um tecnocrata e um vice-presidente com o rosto de uma pessoa indígena.

O retorno do MAS ao governo e de Evo Morales ao país são dois eventos políticos que transmitem, em paralelo, raiva para uns e esperança para outros. "Vamos governar para todos os bolivianos, vamos construir um governo de unidade nacional", foi uma das mensagens de Arce como presidente eleito.

Esperemos que essas palavras não sejam levadas pelo vento e que o novo presidente demonstre que fará todo o possível para colocá-las em prática, pois há uma grande necessidade.

*Tradução do espanhol por Maria Isabel Santos Lima

www.latinoamerica21.com, um projeto plural que dissemina diferentes visões da América Latina.

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