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Para chegar ao Chile, repórter viajou por antiga rota de judeus que fugiam do nazismo

Voo da Bolívia, onde jornalista cobriu eleição de Luis Arce, foi cancelado por conta de greve de funcionários

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Santiago

Sair da Bolívia em tempos de agitação social não é fácil. O aeroporto de La Paz fica em El Alto, na região metropolitana da capital, a 4.000 metros de altitude, ao qual se chega por ruas estreitas e tortuosas.

Ali, não aterrissam aviões de grande porte, os voos são poucos e em aeronaves pequenas. As escalas para trajetos internacionais são feitas em Santa Cruz de la Sierra ou em Cochabamba. Além disso, El Alto é uma região politizada, e é comum que haja bloqueios e manifestações.

O trem que liga Arica, no Chile, a La Paz, na Bolívia
O trem que liga Arica, no Chile, a La Paz, na Bolívia - Claudio Santana - 13.mai.13/AFP

Desta vez, ao tentar sair da Bolívia depois da cobertura da eleição para ir ao Chile, enfrentei impedimento duplo: greve de aeroviários em Santa Cruz e o fato de que a cidade, um reduto da oposição ao MAS (Movimento ao Socialismo), partido de Evo Morales e do recém-eleito presidente Luis Arce, estava tensa.

Apoiadores do direitista Luis Fernando Camacho, derrotado no pleito, foram às ruas e bloquearam acessos, fazendo com que o aeroporto de Viru-Viru ficasse sem operar por dois dias.

Esperar não era uma alternativa, porque no domingo (25) haverá o plebiscito constitucional no Chile. A solução encontrada foi sair do país por terra, usando a rota La Paz-Arica, cidades separadas por 488 km —e uma estrada tortuosa que vai da Cordilheira dos Andes até o litoral do Pacífico chileno.

O trajeto de paisagens deslumbrantes —picos gelados, lagos de água azul escura, lhamas cruzando a via— é uma rota cheia de histórias. Uma delas, pouco conhecida, é a dos mais de 20 mil judeus que, entre 1938 e 1941, usaram esse caminho para encontrar refúgio na Bolívia.

Como vários países da região se recusavam a recebê-los, esses refugiados do nazismo viajavam de navio até o porto de Arica e ali pegavam o trem para La Paz. Os vagões partiam tão lotados que a viagem ficou conhecida como “Expresso Judeu”.

Conta-se que, à época, na estação central de La Paz, ouvia-se mais gente falando alemão que espanhol.

Fiz o mesmo trajeto, de carro, só que no sentido oposto, e as pessoas com quem encontrei pelo caminho estão hoje assustadas com o coronavírus e com a crise que veio com as medidas de restrição.

Nos povoados, muitos comércios faliram. Ao longo da estrada, estações de serviço estão fechadas ou vendem comida apenas por meio de uma janelinha.

A Ruta del Desierto, por onde viajantes costumavam caminhar, está vazia. Nos locais em que parei, as pessoas arregalavam os olhos com a chegada de estrangeiros —a fronteira do Chile está fechada há meses devido à pandemia de Covid-19.

Além de percorrer grandes distâncias e de me adaptar à mudança brusca do frio e da altitude de 4.800 metros —ponto mais alto do trajeto, em Chungará—, enchendo o pulmão de ar com a brisa do Pacífico, agora o desafio será a cobertura do plebiscito.

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