Descrição de chapéu The New York Times

Por que os que não votaram em 2016 nos EUA pretendem fazer o mesmo em 2020

Americanos mais pobres e com menor nível de escolaridade são mais propensos à abstenção

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Sabrina Tavernise Robert Gebeloff
East Stroudsburg (Pensilvânia) | The New York Times

Como quase metade de todos os eleitores de seu condado em 2016, Keyana Fredrick não votou.

Quatro anos mais tarde, a política tomou conta de sua região do nordeste da Pensilvânia. Alguém serrou um buraco num grande cartaz de Trump perto de um dos lugares onde ela trabalha.

A seção eleitoral de seu condado está tão sobrecarregada com a demanda que invadiu o espaço do escritório do médico legista, que fica ao lado. Os pais de Fredrick, ambos democratas nascidos na década de 1950, ficam dizendo à filha que ela deveria votar em Joe Biden.

Qualquer coisa é melhor que o presidente Donald Trump, dizem eles.

Mulher sentada nos degraus da entrada de sua casa
Susan Miller, que votou pela única vez em Barack Obama, em 2008, em sua casa em Stroudsburg, na Pensilvânia - Hannah Yoon - 22.out.20/The New York Times

Mas Fredrick, que tem dois empregos —num hotel e numa loja de departamentos—, não confia nos dois partidos políticos principais, porque nada em seus 31 anos de vida a levou a crer que teria razão para isso. Ela diz que os partidos abandonam os eleitores, “como uma mãe ou um pai irresponsável que promete vir visitar você". "Fico sentada diante da porta com a mala feita, e eles não aparecem”.

É por isso que Fredrick não lamenta a decisão que tomou em 2016 de não comparecer às urnas. Na realidade, ela pretende fazer o mesmo neste ano. Ela e uma amiga começaram a esconder essa intenção de seus conhecidos. “Resolvemos que vamos mentir, simplesmente dizer ‘ah sim, eu votei’”, conta ela. “Não estou com vontade de ser crucificada em função do que penso.”

Com a campanha presidencial entrando em sua última semana, o comparecimento antecipado de eleitores em vários estados vem sendo maior que em 2016, os pedidos de cédulas de voto pelo correio estão aumentando, e alguns analistas preveem a maior participação eleitoral em décadas no país.

Mas se a história passada for algum indicativo, uma parcela importante dos americanos não vai participar —um sinal de desconfiança e desilusão com o sistema político, algo que afeta os dois partidos.

Votar é fundamentalmente um ato de esperança. Desde a década de 1960, porém, entre um terço e metade dos eleitores ficaram em casa durante as eleições presidenciais, levando a um dos índices de participação eleitoral mais baixos entre os pares desenvolvidos dos Estados Unidos.

Desde o início do século 20, o pico de participação ocorreu em 1960, quando 63,8% dos adultos cadastrados foram às urnas. A informação é do US Election Project, que rastreia dados eleitorais registrados desde 1789. Mais recentemente, o pico ocorreu em 2008, quando 61,6% dos eleitores votaram.

Uma análise das pesquisas do Censo dos EUA sobre a eleição de 2016 revela uma profunda divisão de classes: em relação às pessoas que votaram, os americanos que não votaram eram mais propensos a ser pobres, menos propensos a ter diploma universitário e mais propensos a ser pais ou mães solteiros.

Era menor, também, sua chance de fazer parte da força de trabalho.

Os dados oferecem visão abrangente de quem votou e quem não o fez, e, embora não existam eleições iguais, apontam para padrões que indicam por que algumas pessoas tendem a votar mais que outras.

A abstenção do voto é um elemento que faz parte da paisagem política dos EUA há décadas. Mas, com margens estreitíssimas em vários estados indecisos em 2016, os eleitores que não votam assumiram uma importância maior. Mesmo uma vitória pequena em persuadir alguns deles a votar pode fazer a balança pender para um lado ou outro.

Considere-se o caso da Pensilvânia. Mais de 3,5 milhões de eleitores no estado não votaram para presidente na eleição de 2016, um número que superou de longe a margem estreita de 44.292 eleitores que deu a vitória a Trump nesse estado. Monroe County, local turístico nos Montes Poconos onde Keyana Fredrick vive, é um microcosmo do estado. Cerca de 56 mil adultos que poderiam ter votado ficaram em casa —mais de cem vezes a margem de vitória de Hillary Clinton, 532 votos.

Entrevistadas em Monroe County neste mês, algumas das pessoas que se abstiveram em 2016 disseram que pretendem votar. Explicaram que o que está em jogo é importante demais para que se omitam.

“Nunca pensei que eu me preocuparia com essa baboseira toda, mas neste momento faz diferença de verdade”, comentou Jack Breglia, 49, motorista de caminhão aposentado, de Kunkletown, na Pensilvânia. Ele disse que não se lembrava da última vez que votou, mas que pretende votar em Trump.

Mas muitas outras pessoas disseram que não vão votar. Expressaram uma descrença profunda na política e duvidaram que seu voto faria uma diferença. Elas enxergam o futuro do país com pessimismo e acham que a política é uma das principais forças negativas em ação.

Muitas delas não têm grande preferência partidária e disseram que evitam pessoas que têm.

“Procuro fugir da política porque essa discussão fica raivosa e agressiva”, disse Susan Miller, 42, garçonete na Compton’s Pancake House, em Stroudsburg. Ela contou que votou apenas uma vez na vida, em Barack Obama em 2008.

Um indicador do engajamento político das pessoas é se a política era um assunto comentado em sua família. Não é o caso de Miller. E ela está tão farta da única pessoa em sua vida que insiste que ela vá votar —uma tia sua que defende Trump— que começou a simplesmente fazer de conta que vai.

Nas últimas décadas, pessoas mais ricas e instruídas têm mostrado tendência muito maior a votar.

Na análise de 2016, cerca de três quartos das pessoas com renda familiar anual de pelo menos US$ 150 mil (R$ 854 mil) votaram, contra menos da metade daquelas com renda familiar anual inferior a US$ 25 mil (R$ 142 mil). Mais ou menos 76% das pessoas com instrução superior votaram, contra 52% das pessoas com apenas diploma do ensino médio.

O casamento também fazia diferença: apenas 45% das mulheres solteiras com filhos e cadastradas para votar foram às urnas, comparadas a 70% das mães casadas.

Jennifer Martin, 46, mãe solteira que esperava numa fila em seu carro no banco de alimentos da Pleasant Valley Ecumenical Network, em Sciota, na Pensilvânia, disse que a última vez que votou foi quando tinha 20 e poucos anos. A política, explicou, tem pouca importância em sua vida. Os dois partidos políticos lhe parecem ser mais ou menos iguais.

Um estudo recente constatou que pessoas como ela, que não acompanham a política de perto, têm preocupações diferentes das pessoas politizadas. Dizem, por exemplo, que os baixos salários por hora estão entre os problemas mais graves do país. Para as pessoas fortemente politizadas, que têm propensão maior a votar, a questão mal aparece em seu radar.

“Trabalho numa creche que paga quase nada”, disse Martin. “É por isso que tenho que vir a lugares como este para poder alimentar meus filhos.” A eleição pode mudar alguma coisa para ela?

“Não estou interessada na eleição”, disse ela.

Tradução de Clara Allain

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