Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
Keisha Lance Bottoms é minoria mesmo depois de chegar ao poder.
Entre as cem maiores cidades dos EUA, somente sete são comandadas por mulheres negras, e a Atlanta de Bottoms integra a lista que escancara a falta de diversidade na política americana.
Eleita prefeita da capital da Geórgia em 2017, a democrata ganhou destaque ao enfrentar de forma assertiva duas das principais crises que assolaram os EUA às vésperas da eleição à Casa Branca: os protestos contra o racismo e a violência policial no país e a pandemia do coronavírus.
No primeiro caso, Bottoms agiu rápido ao fazer da reforma do sistema de Justiça uma bandeira renovada de sua gestão e, no segundo, recusou-se a seguir o cronograma de reabertura do governador republicano Brian Kemp, que se ateve a um roteiro precoce, estimulado pelo presidente Donald Trump, a despeito do aumento de casos de Covid-19 em Atlanta, principalmente entre a população negra.
Com 10,6 milhões de habitantes, 32% deles negros, a Geórgia se tornou um campo de batalha importante na disputa à Presidência dos EUA e serviu de palco para Bottoms amplificar a mensagem imperativa de que é preciso mais diversidade em todas as esferas de poder do país.
O Congresso eleito em 2018 é o mais diverso da história americana, mas ainda está longe de representar de fato os EUA. Entre os 535 deputados e senadores, somente 22% são considerados minorias —negros, latinos, asiáticos ou indígenas. Mais: apesar de o número ter aumentado cerca de 80% em 20 anos, ainda é desproporcional se comparado à população geral.
De acordo com o censo dos EUA, 39% das pessoas que vivem no país são consideradas não brancas.
As mulheres são 55% do eleitorado, mas representam somente 25% do Congresso e, se o assunto for parlamentares negras, o índice despenca ainda mais.
Dos 435 deputados da Câmara de Representantes, somente 22 são mulheres negras. Dos cem senadores, só Kamala Harris carrega os dois títulos, e sua indicação como vice na chapa de Joe Biden à Casa Branca foi um aceno justamente a dois grupos que, apesar de subrepresentados por seus líderes, serão decisivos como eleitores para novembro: mulheres e negros.
Essa é a primeira vez que uma mulher negra concorre à vice-Presidência nos EUA por um grande partido, e também a primeira vez que uma candidata tem origem indiana. Em seu primeiro mandato como senadora, Kamala tornou-se a cara da renovação do Partido Democrata, ao lado da deputada Alexandria Ocasio-Cortez, a AOC, jovem de origem latina que representa a ala à esquerda da sigla.
Caso vença em novembro, Biden será o presidente dos EUA mais velho a tomar posse, com 78 anos, e já se colocou como um líder de transição, abrindo caminho para que Kamala, por exemplo, seja sua possível sucessora em 2024.
Há dois anos, o número de candidatas mulheres tentando uma vaga no Congresso americano era o maior de todos os tempos, impulsionado pelos democratas. Agora, é o Partido Republicano que tenta recuperar o espaço perdido entre o eleitorado feminino. Enquanto 356 candidatas democratas tentam uma vaga na Câmara neste ano, o mesmo número de 2018, as aspirantes republicanas saltaram de 133 para 227.
Na esteira da renovação que elegeu Kamala, AOC e Bottoms, movimentos que pedem mais diversidade na política argumentam que essa é a chave para mobilizar às urnas mais jovens, negros e latinos —o voto não é obrigatório nos EUA, mas as minorias representarão pela primeira vez um terço do eleitorado.
O desafio é dar capilaridade a esse esforço em um país tão complexo e desigual. Os EUA elegeram o primeiro homem negro à Presidência de sua história, mas deixaram que a misoginia fosse um dos motivos que impediram a vitória de uma mulher para sucedê-lo.
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