Como compreender a dimensão de um evento histórico como o fim de uma guerra de meio século e que tinha matado mais de 220 mil pessoas?
E, mais, entender o que isso significaria para um país vizinho ao Brasil, de quase 50 milhões de habitantes e que possui uma imensa variedade de paisagens e realidades políticas, geográficas e econômicas?
A resposta não poderia ser a de "vamos lá cobrir a votação no dia do plebiscito", o que seria um pensamento automático e quase protocolar por parte da Redação do jornal.
Eu tinha a convicção de que apenas visitando os diferentes rincões da Colômbia poderíamos ter uma ideia desse processo histórico. Por sorte, houve ótima recepção do plano por parte da chefia.
E lá fui eu, em julho de 2016, três meses antes do plebiscito, percorrer a Colômbia para entender por que o país estava dividido e por que a ideia de pôr fim ao conflito era tão óbvia a alguns e inaceitável a outros.
Entendi que havia várias respostas. Em Bogotá, onde fixei minha base, o "sim" para a paz predominava. Claro, trata-se de uma cidade cosmopolita, com uma sociedade bem informada, aberta à diversidade e vanguardista.
Conhecer histórias de gente de locais que haviam sido castigados pelo conflito, porém, era diferente e comovente. Em Meta, Vaupés, Bolívar, Norte de Santander, os relatos em geral iam para outro lado.
A maioria dos entrevistados havia perdido familiares para a guerra entre guerrilha, paramilitares e Exército.
Muitos sabiam, inclusive, os nomes dos agressores e em que frentes (as Farc se dividiam em frentes) atuavam. Tinham tido filhos ou filhos de amigos recrutados à força para a guerrilha. Era compreensível que não aceitassem anistias.
Já os guerrilheiros eram uma organização hierarquizada, em que havia diversas intenções. Via-se que a camada de dirigentes queria entrar na política e livrar-se de processos e condenações proferidas por diferentes crimes. Já a linha de combatentes de nível mais raso estava confusa. Alguns mostravam fotos de familiares e queriam a paz para voltar à casa que haviam abandonado na adolescência.
Outros não entendiam por que iriam deixar as armas depois de terem sido convencidos de que era possível derrubar o governo e implementar uma pátria socialista.
Em entrevista que fiz com o então presidente Juan Manuel Santos, depois Nobel da Paz, em Bogotá, ele disse que sabia que o acordo tinha falhas e que sua implementação também seria difícil.
"Utópico é imaginar que não", afirmou. Mas ele considerava que aprovar o acordo era um avanço que valia a pena apenas pelo fato de salvar vidas.
Os índices da violência hoje e a situação geral do país mostram que seu esforço valeu a pena.
Como também é sempre fascinante ver gênios (bons ou maus) da política em ação, foi uma experiência única entrevistar Álvaro Uribe em Cartagena no mesmo dia e a metros do local onde Santos e o líder das Farc, Timotchenko, assinavam o acordo numa festa simbólica.
Uribe tinha um discurso articulado, envolvente, simples e direto, e conseguia, contra toda a narrativa daquele dia, levar os interlocutores a crer que talvez o bom mesmo fosse continuar com a guerra.
De ouvir tantas vozes e viver essa experiência toda num país fascinante, a frase que me fica na cabeça é a que havia proferido, no passado, outro Nobel colombiano, Gabriel García Márquez (1927-2014), que tinha se envolvido em várias discussões sobre o conflito em seu país: "Viva a paz, com os olhos abertos".
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