Trump pode vencer a eleição? Sim. Mas o caminho é estreito e acidentado

Republicano precisa outra vez elevar apoio entre os eleitores da classe trabalhadora e coibir força de Biden entre não brancos

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Adam Nagourney
The New York Times

A vitória do presidente Donald Trump em 2016 é lembrada por ter contrariado as pesquisas de opinião e pego os democratas despercebidos. Sob muitos aspectos, porém, não chegou a surpreender.

Trump prevaleceu com uma mensagem contundente de outsider sobre empregos, imigração, China e comércio internacional. Ele se conteve no Twitter nas semanas finais da campanha e, ao mesmo tempo, retratou a adversária, Hillary Clinton, como hostil a eleitores da classe trabalhadora e economicamente desfavorecidos que lotavam seus comícios.

Sua campanha trabalhou sistematicamente para aumentar as margens de eleitores brancos em estados em que os democratas pensavam ter maioria indubitável.

O presidente Donald Trump durante comício em Johnstown, no estado da Pensilvânia
O presidente Donald Trump durante comício em Johnstown, no estado da Pensilvânia - Saul Loeb - 13.out.20/AFP

Os obstáculos que Trump precisa superar são consideravelmente maiores desta vez. Ele é um presidente impopular no meio de uma pandemia e de um declínio econômico. Enfrenta um adversário muito diferente, Joe Biden, que estudou cuidadosamente os erros cometidos por Hillary Clinton.

No entanto, faltando duas semanas para o dia da eleição, Trump ainda conserva um caminho estreito para a vitória, na visão de muitos analistas. Esse caminho exigiria que ele voltasse a usar suas táticas mais eficazes de 2016 e operasse mudanças fundamentais em seu estilo de campanha para conseguir ampliar sua base política habitual. E ele precisa que Biden pise em falso.

O caminho mais claro para Trump seria conservar um dos três estados que arrebatou dos democratas em 2016—Pensilvânia, Michigan ou Wisconsin—, além do restante de seu mapa eleitoral vencedor, incluindo Arizona e Flórida, onde Biden agora exibe números competitivos.

As pesquisas indicam que é uma tarefa difícil, mas não impossível, especialmente se Trump conseguir mais uma vez elevar seu apoio entre os eleitores da classe trabalhadora, incluindo nas áreas rurais em que ele dominou em 2016, e, ao mesmo tempo, coibir o apoio a Biden entre os eleitores não brancos.

Mesmo assim, entrevistas com 21 estrategistas republicanos e democratas, muitos dos quais trabalharam para outras campanhas presidenciais nos últimos 30 anos, sugerem que Trump precisará de algumas surpresas de última hora na disputa.

Poderiam ser coisas como um tropeço grave de Biden na campanha, decisões judiciais ou táticas republicanas que causem a supressão do voto democrata ou, ainda, um trabalho republicano de porta em porta para angariar votos que atraia eleitores não contabilizados pelos institutos de pesquisa.

E, dizem os estrategistas, Trump terá que demonstrar disciplina na campanha, algo que até agora não foi capaz fazer. Ele terá que apresentar argumentos convincentes e claros de que é mais capaz do que Biden de reconstruir a economia, e, ao mesmo tempo, esforçar-se mais uma vez para traçar um contraste entre ele próprio e um adversário que ele tem tentado retratar como demasiado à esquerda para comandar o país.

No final, disseram quase todos os estrategistas, a melhor coisa para Trump seria que Biden fizesse algo para preocupar ou afastar os eleitores indecisos que Trump já empurrou para o campo democrata.

E contar com a possibilidade de seu adversário dar um tropeço fatal nos dias finais de uma campanha raramente constitui uma boa estratégia.

Os republicanos têm tido êxito no registro de novos eleitores em estados como Flórida e Pensilvânia. Isso pode ser importante para repetir e fortalecer uma parte chave da estratégia seguida pelo presidente em 2016: convencer americanos brancos, de classe trabalhadora, que não haviam votado até então, a votar.

“Restam poucos dias para mudar a disputa”, comentou Sara Fagen, que foi diretora política na Casa Branca de George W. Bush. “Neste momento, a melhor coisa que Trump poderia fazer seria elevar de modo dramático a participação de eleitores brancos, sem ensino superior, de regiões industriais do Meio-Oeste.”

Mesmo os democratas otimistas enxergam isso como motivo de preocupação.

“Desta vez os republicanos têm enfocado fortemente a ampliação de sua base de eleitores”, disse Donna Brazile, que comandou a campanha presidencial de Al Gore em 2000. “Os republicanos estão com um trabalho em campo melhor do que qualquer coisa que vimos desde 2004.”

E não são só eleitores brancos de classe trabalhadora. As pesquisas sugerem que Trump está se saindo tão bem ou um pouco melhor do que em 2016 junto aos eleitores negros e latinos de alguns estados.

Biden está competitivo em vários estados que Trump conquistou em 2016: Arizona, Carolina do Norte, Georgia, Wisconsin, Pensilvânia e Michigan. Algumas sondagens também o mostram com dianteira na Flórida, que há muito tempo é um estado que os candidatos democratas não conseguem conquistar.

Mas qualquer caminho à reeleição terá que passar por Pensilvânia, Michigan e Wisconsin. É pouco provável que ganhe sem uma vitória em pelo menos um desses estados que conquistou inesperadamente em 2016 (idealmente, em dois deles). Mas o estado em que suas chances são melhores muda a cada dia.

Alguns analistas sugeriram que ele deveria injetar recursos em Wisconsin, que iniciou a votação presidencial antecipada na terça (20). “É um desafio para ele”, comentou a cientista política Katherine Cramer, da Universidade de Wisconsin-Madison. “Parece que Biden está realmente firme nesse estado.”

A partir disso, Trump poderia montar a colcha de retalhos de que precisa para chegar a 270 votos no Colégio Eleitoral –se dominar Arizona, Carolina do Norte, Geórgia e, potencialmente, arrebatar Nevada, Minnesota ou New Hampshire dos democratas. Sobretudo, Trump não pode perder a Flórida.

Para os analistas, Trump poderia limitar os danos políticos contínuos que sofre devido à sua gestão da pandemia se deixasse de externar visões otimistas sobre o coronavírus e parasse de se apresentar como prova de que a doença que já fez mais de 220 mil mortos no país não é um perigo tão grave assim.

E então ele poderia tratar de questões que ampliariam seu apoio, especialmente entre as mulheres e os eleitores mais velhos. “Ele deveria levar o coronavírus a sério”, disse a consultora democrata Stephanie Cutter, veterana de campanhas presidenciais. “Deveria começar a presidir reuniões sobre a Covid. Fazer algumas transmissões de TV conjuntas com [o epidemiologista] Anthony Fauci. Manifestar alguma empatia pelas pessoas que morreram. Parar de falar dele mesmo.”

Uma das razões pelas quais Trump venceu em 2016 foi que ele começou a exibir mais disciplina nas semanas finais de sua campanha: começou a publicar menos no Twitter e ofender menos. Se ele repetisse essa atitude, talvez conseguisse que os americanos exaustos lhe lançassem um último olhar.

“Trump precisa voltar a apresentar a cara disciplinada, seguindo as orientações do teleprompter, que usou nas duas últimas semanas de 2016”, disse Charlie Black, veterano de muitas campanhas presidenciais republicanas. “Ele precisa falar de apenas duas coisas: a economia e o plano dos democratas de aumentar o número de juízes da Suprema Corte.”

Trump sempre contou com a possibilidade de Biden sofrer um lapso mental que confirmaria a alegação do presidente de que o ex-vice já perdeu acuidade mental. Biden já cometeu vários tropeços desse tipo ao longo dos anos, fato que pode incentivar esse tipo de esperança de Trump. Mas isso não ocorreu nos debates, e Trump vem se frustrando em suas tentativas de explorar os tropeços de Biden na campanha.

Ainda haverá mais dez dias de campanha que darão a Trump uma oportunidade de manter a pressão sobre seu adversário –por exemplo, com ataques às transações comerciais de seu filho Hunter Biden—, na esperança de levar Biden a cometer algum erro que atraia de volta os indecisos que Trump perdeu.

Por meio de legislações e de batalhas nos tribunais, os republicanos vêm procurando restringir o voto não presencial, algo que pode fazer uma diferença em uma eleição disputada ponto a ponto.

“Cercar os contadores de votos; encontrar governadores e comissários favoráveis à causa republicana que se neguem a certificar o voto”, disse Susan Estrich, que dirigiu a campanha presidencial de Michael Dukakis em 1988. Stuart Stevens, consultor republicano que hoje é crítico do presidente, disse que “a única esperança realista que Trump tem de vencer é suprimir o voto através de todos os meios possíveis”.

Trump já surpreendeu antes. Mas, mesmo levando em conta sua base leal e sua tenacidade como candidato, republicanos e democratas pensam que seu futuro político pode estar fora de suas mãos.

“Sua chance de vitória está estagnada há meses e agora, após os debates, está se distanciando ainda mais”, comentou Mark Salter, assessor sênior do senador John McCain, candidato presidencial republicano em 2008. “Suponho que alguma catástrofe inesperada ou algum erro monumental de Biden poderiam reverter a tendência, mas parece claro que a maioria dos eleitores quer mais é que Trump vá embora antes de deixar as coisas ainda piores do que já estão.”

Tradução de Clara Allain

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