Virtual presidente da Bolívia é antítese de Evo na formação e no jeito político

Temperamento pouco afeito ao confronto foi determinante para escolha de Luis Arce como candidato

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La Paz

O perfil pouco afeito ao confronto foi determinante para a escolha de Luis Arce, 57, como candidato à Presidência na Bolívia. O temperamento mais ameno do que o do ex-presidente e padrinho político Evo Morales deve ser uma marca do novo líder do país, caso as projeções de boca de urna sejam confirmadas.

Nas assembleias que o MAS (Movimento ao Socialismo) realizou para escolher quem disputaria o pleito, o nome de Arce se destacava não só pela atuação como titular da Economia, mas também pelo perfil afável.

A base do MAS e organizações sociais, por outro lado, preferiam o nome de David Choquehuanca, que acabou como candidato a vice na chapa da legenda. “Talvez o próprio Evo o preferisse, mas creio que a estratégia foi bem pensada. Sabia que Choquehuanca teria alta rejeição e poderia competir com a personalidade dele, por isso apostou em Arce”, diz o cientista político Pablo Stefanoni.

O candidato à Presidência pelo MAS, Luis Arce, durante entrevista coletiva em La Paz
O candidato à Presidência pelo MAS, Luis Arce, durante entrevista coletiva em La Paz - Mateo Romay - 18.out.20/Xinhua

Nas últimas semanas de campanha, Arce buscou se descolar de Evo, talvez em um gesto aos antievistas ou porque, de fato, pretende ser um presidente diferente do que foi o padrinho político.

Quando, na semana passada, Evo atacou a imprensa por "participar do golpe contra ele em 2019" e sugeriu “fazer algo com os veículos para que trabalhem em favor da Bolívia”, Arce disse no dia seguinte que discordava da posição do ex-presidente e que “uma imprensa livre é essencial para a democracia”.

A jornalistas, na madrugada de segunda, o virtual presidente boliviano ainda fez autocríticas. Disse que o MAS "corrigirá seus erros numa nova administração" e que "aprendemos com o tempo e a experiência”.

Também na última madrugada, em discurso a militantes do MAS que celebravam a provável vitória diante da sede do partido, em La Paz, Arce não mencionou o nome de Evo, distensionou a polarização e afirmou que seu governo seria para “todos os bolivianos, para recuperar juntos a democracia e a esperança”.

Luis Arce nasceu em 1963, em La Paz, filho de professores de ensino médio. Estudou economia na Bolívia e fez mestrado na Universidade de Warwick, no Reino Unido, entre 1996 e 1997.

Ao retornar à Bolívia, trabalhou no Banco Central, em um cargo técnico. Também passou a dar aulas na Universidad Franz Tamayo e foi professor convidado na Universidade de Buenos Aires, na Argentina, além de em Harvard e Columbia, nos EUA.

Desde a época estudantil, considerava-se um socialista e dizia que as políticas neoliberais eram prejudiciais para o país. Não se tornou, porém, militante de nenhum partido. Entrou na política quando Evo o nomeou ministro, em 2006. À frente da pasta de Economia, promoveu políticas de incentivo ao mercado interno, de estabilidade cambial e de modernização da exploração de recursos naturais.

Arce foi responsável pelos processos de nacionalização da exploração de petróleo e de gás natural, os maiores vetores do crescimento do PIB boliviano —de US$ 11,45 bilhões (R$ 64,22 bilhões), em 2006, para US$ 40,89 bilhões (R$ 229,17 bilhões), em 2019.

Uma crítica que se faz ao modelo implantado por Arce, entretanto, é que a Bolívia não modernizou sua economia e ficou muito dependente das exportações de matérias-prima e energia.

A estratégia funcionou bem durante o “boom das commodities”, mas, quando o ciclo terminou, o país não tinha construído uma alternativa para a nova situação.

Para resolver a crise econômica na Bolívia, país muito atingido pela pandemia do coronavírus e que tem previsão de queda de 6% no PIB deste ano, segundo o Fundo Monetário Internacional, Arce sugere uma política de subsídios a empresas estatais, modernização da relação com as empresas privadas e uma série de ajustes, que, segundo ele, serão feitos “com responsabilidade e justiça social”.

Ele se afastou temporariamente do cargo em 2017, para se tratar no Brasil de um câncer no rim. Questionado sobre sua saúde pela Folha, disse estar bem, mas que pela primeira vez faltou a um dos controles semestrais, “devido à campanha e ao adiamento seguido das eleições”.

Afirmou também que ir ao médico em São Paulo é uma de suas prioridades após o pleito.

O fato de Arce ser membro da classe média de La Paz causou certo incômodo no núcleo duro do MAS, que preferia Choquehuanca. Nos comícios, o ex-chanceler mostrava maior facilidade para falar em público, enquanto o ex-ministro, mais calmo, carregava tom menos inflamado que o do companheiro de chapa.

Choquehuanca, por sua vez, é um defensor aberto do regime ditatorial de Nicolás Maduro na Venezuela.

Tem vínculos fortes com sindicatos indígenas no altiplano boliviano e é de origem aimará, assim como Evo. Nasceu em uma pequena comunidade indígena na beira do lago Titicaca e, também como o ex-presidente, só aprendeu a falar espanhol quando começou a frequentar a escola.

Estudou filosofia na universidade Simón Bolívar, curso que não completou porque preferiu ingressar na política. Nos anos 1980, viveu em Cuba e estabeleceu laços com Fidel Castro.

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