Cinquenta dias antes da eleição americana, a Folha começou a publicar a série de reportagens “50 estados, 50 problemas”, que se debruça sobre questões estruturais dos EUA e presentes na campanha eleitoral que decidirá se Donald Trump continua na Casa Branca ou se entrega a Presidência a Joe Biden.
Até 3 de novembro, dia da votação, os 50 estados do país serão o ponto de partida para analisar com que problemas o próximo —ou o mesmo— líder americano terá de lidar.
O desemprego nos EUA bateu dois recordes extremos neste ano. Em fevereiro, a taxa estava em 3,5%, menor cifra em 50 anos, depois de dez anos de queda gradual e constante, que teve seus momentos mais baixos com Donald Trump.
Mas a pandemia mudou tudo. Entre março e abril, a taxa subiu mais de dez pontos percentuais e chegou a 14,7%, valor mais alto desde a Grande Depressão dos anos 1930.
A recuperação tem sido rápida. Os dados de setembro apontam 7,9% de desemprego, equivalente ao número do início de 2013. Das 22 milhões de vagas perdidas desde fevereiro, cerca de metade já foi recuperada, mas 12 milhões de pessoas ainda seguem sem trabalho.
A incerteza sobre possíveis novos surtos de coronavírus, no entanto, dificulta o otimismo. E o mercado de trabalho nos EUA precisa lidar com algumas questões que vêm de antes da crise sanitária.
Em um movimento de décadas, os empregos industriais perderam força à medida que companhias buscaram se transferir a países em que os salários são mais baixos —um fluxo cada vez mais comum.
E o avanço da automação faz com que haja cada vez menos gente no chão de fábrica. A tecnologia se torna mais barata conforme evolui, e as baixas taxas de juros facilitam a compra de equipamentos.
Assim, regiões cuja economia dependia de fábricas tiveram grandes problemas quando as linhas de produção foram embora. Rhode Island conhece a situação faz tempo. No século 19, o menor estado do país enriqueceu ao se tornar um dos primeiros a abrigar teares mecânicos.
Sua indústria têxtil foi vigorosa por décadas, mas sucumbiu em meio à crise dos anos 1930. As fábricas migraram para zonas mais baratas, e desde então a região nunca mais teve a mesma relevância.
Nas décadas seguintes, o estado buscou criar empregos em outras áreas. Teve algum brilho na produção de joias, mas perdeu a concorrência para os baixos preços do exterior. Entre as principais instituições com sede por lá estão a fabricante de brinquedos Hasbro, a rede de farmácias CVS e a universidade Brown.
Atualmente, a economia de Rhode Island depende mais do setor de serviços, como lojas, alimentação e educação, cujas atividades foram freadas pela pandemia e enfrentam dificuldades na retomada. Agora, o estado registra o segundo maior percentual de desemprego do país: 12,8%, em agosto (o primeiro é Nevada, com 13,2%).
A retórica de trazer empregos industriais de volta marcou a campanha de Trump em 2016, mas os resultados não foram tão fortes quanto os discursos. Ele prometeu 25 milhões de empregos. Conseguiu gerar 6 milhões antes da pandemia, sendo 483 mil postos na indústria.
Contudo, entre fevereiro e agosto, o setor demitiu 1,4 milhão.
O republicano apostou em uma guerra comercial com a China, na desregulação e em estímulos a empresas que tragam suas fábricas de volta aos EUA. Também fez grande esforço para barrar imigrantes em busca de trabalho, o que deixaria mais vagas livres a americanos.
Contudo, as medidas bruscas contra outros países podem complicar a produção industrial, dependente de peças fabricadas em várias partes do mundo. E mais impostos sobre produtos importados podem desestimular seu consumo. Na campanha atual, Trump promete seguir com suas políticas e diz que criará 10 milhões de empregos em dez meses.
O democrata Joe Biden defende que a solução é primeiro resolver de vez a pandemia. E promete 10 milhões de empregos, em prazo não definido, por meio de investimentos em tecnologias que usam energias limpas, como carros elétricos. Também planeja ampliar o acesso a creches e cuidados para idosos, de modo que as pessoas que cuidam deles possam ter mais tempo livre para trabalhar.
Ao mesmo tempo, Biden também acena ao protecionismo ao defender que os EUA dependam menos de produtos estrangeiros e voltem a fabricar localmente as coisas de que precisam.
O efeito que o desemprego terá nas eleições é incerto. Um estudo de Amber Wichowsky, cientista política da Marquette University, aponta que taxas mais altas de desemprego costumam ampliar o comparecimento às urnas. O voto não é obrigatório no país.
Já o impacto no resultado varia. George Bush pai perdeu a reeleição em 1992, quando o desemprego era de 7,6%. E Barack Obama conseguiu um novo mandato em 2012, em meio a uma taxa de 7,8%.
Obama, Bill Clinton e George Bush filho chegaram à reta final dos mandatos com a desocupação em torno de 5%, mas não conseguiram eleger o sucessor.
O governo Trump terá também mais um recorde: será a primeira vez desde a Segunda Guerra que um presidente termina um mandato com menos empregos no país do que quando tomou posse.
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