A estranha viagem de despedida de Mike Pompeo, repleta de silêncios e símbolos

Secretário faz turnê na reta final do governo Trump, quando maioria dos países já foca diálogo com Biden

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Francesco Fontemaggi
Abu Dhabi (Emirados Árabes Unidos) | AFP

O que faz um secretário de Estado americano quando os aliados dos Estados Unidos já viraram a página da Presidência de Donald Trump, mesmo quando ele insiste em não reconhecer sua derrota?

Mike Pompeo encontrou uma resposta surpreendente para esta incógnita: embarcar em uma longa turnê de despedidas, esquivando-se da imprensa e polindo o legado de sua política exterior controversa.

O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, participa de entrevista coletiva junto ao primeiro-ministro de Israel, Binyamin Netanyahu, e o ministro de Relações Exteriores do Bahrain, Abdullatif Al Zayani, em Jerusalém
O secretário de Estado dos EUA, Mike Pompeo, participa de entrevista coletiva em Jerusalém - Menahem Kahana - 18.nov.20/Reuters

Paris, uma visita fantasma

Cinquenta e quatro horas em Paris. Um minuto de aparição pública.

A viagem do chefe da diplomacia da maior potência mundial começa em um fim de semana privado com sua esposa na residência da embaixadora de seu país, que organizou uma série de encontros não mencionados na agenda oficial.

Após uma homenagem silenciosa na segunda-feira (16) às vítimas dos recentes atentados na França, seu encontro com o presidente Emmanuel Macron ocorreu a portas fechadas.

As autoridades francesas não quiseram dar importância para sua "visita de cortesia", em uma demonstração de sua vontade de trabalhar com o presidente eleito Joe Biden.

O leal ministro de Trump afirmou antes de sair de Washington, contra qualquer evidência, que haveria um segundo mandato do republicano e criticou os líderes estrangeiros, apressados em dialogar com o vencedor democrata.

Istambul, oportunidade perdida

Na Turquia, Pompeo quis convencer o presidente Recep Tayyip Erdogan a interromper suas ações "muito agressivas".

Apesar das intensas negociações, Washington e Ancara não conseguiram estabelecer um encontro com responsáveis turcos nesta visita dedicada à "liberdade religiosa", o carro-chefe de Pompeo, um cristão ferrenho em matéria de direitos humanos.

"Incompatibilidade de agendas", minimizou o lado americano.

Já para o lado turco, o tema da reunião pode ter parecido uma crítica implícita ao histórico da Turquia em questões religiosas.

A relação entre os dois países, tensa mas frequentemente salva pela amizade Trump-Erdogan, parece atravessar uma fase difícil neste final de mandato. O presidente turco já parabenizou Biden pela vitória.

Geórgia, um eco

Eleições controversas, recontagem de votos, desconfiança no sistema eleitoral.

Pompeo esperava escapar do caldeirão político americano até chegar a Tiblissi, capital da Geórgia. O país do Cáucaso enfrenta uma crise interna semelhante à que abala os Estados Unidos e, particularmente, o estado de mesmo nome, onde uma recontagem confirmou a vitória democrata.

Jerusalém, novos tabus quebrados

Silencioso desde o início da viagem, o secretário de Estado finalmente começa a falar.

Pompeo viaja a Jerusalém e ao Oriente Médio para polir a estratégia de Trump: apoio incomparável a Israel, "pressão máxima" ao Irã.

Torna-se o primeiro secretário de Estado a visitar uma colônia israelense na Cisjordânia ocupada e também o primeiro nas Colinas de Golã, região anexada por Israel e cuja soberania israelense foi reconhecida pelo governo Trump.

Multiplicando os gestos unilaterais favoráveis a Israel, o secretário republicano quer bajular os cristãos evangélicos americanos, um eleitorado-chave ao qual são atribuídas aspirações presidenciais para 2024.

O primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, politicamente astuto para omitir em sua presença a "conversa calorosa" que acaba de ter por telefone com o presidente eleito Biden, desdobra-se em elogios pelo "amigo Mike".

No entanto, suas palavras, um verdadeiro discurso de despedida, devem ter um gosto amargo para o americano. Até mesmo Netanyahu já está com os olhos voltados para a era pós-Trump.

Golfo, frente anti-Irã

As últimas etapas da turnê, em Abu Dhabi, Qatar e Arábia Saudita, buscam consolidar a união anti-Irã, após os acordos históricos de normalização de relações alcançados por Israel, mediados pelo governo Trump, com Emirados Árabes Unidos e Bahrein.

Além disso, falar com os talebans, em um momento em que o presidente Trump acelera a retirada das tropas americanas do Afeganistão.

No entanto, no nono e último dia da viagem, afetada também pelas restrições sanitárias, os jornalistas que o acompanham ainda não puderam fazer perguntas para Pompeo, o que é incomum na história das viagens dos secretários de Estado.

Difícil saber, portanto, se o ministro pretende esclarecer aos aliados árabes as intenções do governo americano para seus dois últimos meses, entre a promessa de novas sanções contra interesses iranianos, a ameaça de designar os rebeldes houthis do Iêmen como uma organização terrorista e a ideia, não confirmada, de ações maiores, como ataques militares contra o Irã.

Difícil saber também se ele ainda apoia Donald Trump em sua batalha para negar a derrota eleitoral.

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