Grupo de escoteiros nos EUA é alvo de mais de 95 mil denúncias de abuso sexual

Boy Scouts of America decretou falência para tentar impedir pedidos de indenização

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Washington | AFP

Cerca de 95 mil pessoas denunciaram abusos sexuais sofridos em um dos maiores grupos de escoteiros dos EUA, o Boy Scouts of America (BSA), até esta segunda-feira (16), prazo final dado pela Justiça para formalizar pedidos de indenização do fundo de compensação criado pela entidade ao decretar falência.

De acordo com um grupo de advogados que representa as vítimas, as denúncias vêm de americanos com idades que variam de 8 a 93 anos. Os números revelam a magnitude dos abusos cometidos ao longo de décadas por membros e líderes do BSA, tradicionalmente vistos como exemplos para a sociedade.

"Estamos devastados pelo número de vidas que sofreram abusos no passado entre os escoteiros e comovidos pela coragem daqueles que saíram do silêncio", disse a organização por meio de um comunicado. "A resposta que vimos dos sobreviventes foi angustiante. Sentimos profundamente."

Membros do grupo de escoteiros Boys Scouts of America em Bentleyville, no estado de Ohio - Shannon Stapleton - 25.out.20/Reuters

Fundado em 1910, o BSA chegou a ter 5 milhões de membros nos anos 1970 e, atualmente, conta com cerca de 2,2 milhões de associados, com idades entre 5 e 21 anos.

Em 110 anos de história, o grupo recebeu mais de 130 milhões de americanos, incluindo celebridades, como o cineasta Steven Spielberg, o astronauta Neil Armstrong e o ex-presidente John F. Kennedy.

Desde os anos 1930, entretanto, a entidade registrou casos de abuso sexual. Uma reportagem do New York Times publicada em 1935 conta que o grupo identificou "centenas de degenerados" entre os líderes dos escoteiros. Em 2010, o BSA foi condenado a pagar uma multa de US$ 18,5 milhões (R$ 100,4 milhões, na cotação atual) por acobertar abusos sexuais praticados por um de seus monitores nos anos 1980.

Mais recentemente, em 2012, o jornal Los Angeles Times publicou milhares de documentos do BSA que evidenciavam décadas de abusos praticados por seus membros. Os "arquivos de perversão", como ficaram conhecidos os registros, resultaram na formação de um banco de dados com mais de 5.000 nomes de voluntários adultos suspeitos de violência sexual contra as crianças de quem cuidavam.

O BSA se limitou a expulsar os suspeitos, e a maioria deles não chegou a ser denunciada criminalmente.

O volume de denúncias, entretanto, foi crescendo ao longo dos anos até que, em fevereiro deste ano, a entidade entrou com um pedido de falência para impedir todos os processos de indenização movidos por ex-escoteiros na Justiça e encaminhá-los para um fundo de compensação.

De acordo com os dados do pedido de falência, o BSA tem patrimônio estimado em US$ 1 bilhão (R$ 5,4 bilhões) —o grupo não divulgou qual será o valor destinado às verbas indenizatórias para as vítimas.

Embora muitos dos casos de abuso tenham ocorrido nas últimas décadas, alterações recentes na legislação de alguns estados americanos permitiram que as vítimas recorram à Justiça mesmo após o período de prescrição dos crimes. É o caso, por exemplo, de Frank Spinelli, 53, uma das vítimas do BSA, que contou seu relato ao New York Times.

Em 1978, aos 11 anos, ele se juntou ao grupo em Nova York. Um dos líderes, que além de escoteiro era policial, começou a se aproximar mais do garoto e o convidava com frequência para tomar sorvete e para dormir em sua casa. Segundo Spinelli, o caso evoluiu para abusos sexuais que duraram três anos.

O policial foi preso por molestar outros três meninos e acabou morrendo na prisão. Depois de adulto, Spinelli buscou advogados para processar o grupo de escoteiros, mas a legislação anterior não permitia porque o crime estava prescrito.

O estado de Nova York, entretanto, aprovou uma nova lei, e ele conseguiu mover uma ação judicial contra o BSA. Ao jornal Spinelli disse que não está surpreso com o número de homens apresentando as denúncias. Também acrescentou que a compensação financeira não é o mais importante para ele.

“Realmente acredito que são essas conversas desconfortáveis ​​que precisamos ter para reconhecer um caminho a seguir”, disse.

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