Investigado por tráfico de influência, novo presidente do Peru é parlamentar inexpressivo

Manuel Merino de Lama assume o comando do país depois de o Congresso afastar Martín Vizcarra por suspeitas de corrupção

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Buenos Aires

Manuel Merino de Lama, 59, tinha, até a noite desta segunda-feira (9), uma trajetória política com quase nenhum destaque. Mas após o Congresso peruano decidir afastar o presidente Martín Vizcarra do cargo, caberá ao discreto parlamentar comandar o país até a próxima eleição, em 2021.

Assim como seis antecessores no cargo, o novo presidente do país também está envolvido em escândalos. Casado com uma professora e pai de três filhos, ele é investigado por tráfico de influência, por ter supostamente facilitado contratos entre sua família e o governo.

Sua irmã, a arquiteta Elba Merino de Lama, foi contratada num projeto do governo de saneamento rural. Já sua mãe alugou um escritório para o Instituto Nacional de Defesa Civil. E seu irmão, Marco Antonio Merino, foi identificado como proprietário de uma empresa que é provedora de insumos agrícolas ao Ministério da Agricultura. O político nega ter tido qualquer participação nessas contratações.

Manuel Merino de Lama, novo presidente do Peru, durante sessão no Congresso
Manuel Merino de Lama, novo presidente do Peru, durante sessão no Congresso - Congreso de la República del Perú

Filho de uma família de criadores de gado, o engenheiro integrou diversas associações de produtores da região de Tumbes, onde nasceu e foi criado. Foi justamente a defesa do agronegócio que lhe serviu de bandeira em sua campanha para sua se eleger pela primeira vez para o Legislativo, em 2001.

Mesmo com uma votação inexpressiva —recebeu o apoio de apenas 5.271 eleitores no último pleito, em janeiro—, ele acabou sendo escolhido como presidente do Congresso por ser o parlamentar com mais experiência dentro de seu partido, o Ação Popular.

Com 24 eleitos, a sigla ficou com a maior bancada da Casa após a votação, e a lei peruana determina que a agremiação com mais congressistas chefie o Legislativo. Ao assumir o comando do Congresso, Merino também se tornou a primeira pessoa na linha de sucessão de Vizcarra.

À frente do Legislativo, Merino recebeu críticas da oposição por ter demorado a realizar sessões virtuais quando a pandemia de coronavírus começou. Ele defendeu as sessões presenciais até que, em julho, foram detectados mais de dez casos de parlamentares contaminados.

O engenheiro foi criticado, também, por ter entrado em contato com as Forças Armadas logo depois de a primeira moção de vacância contra Martín Vizcarra ter sido aceita, em setembro, algo que não faz parte do protocolo e foi visto pelo Executivo e pelo Judiciário como uma atitude irregular.

O parlamentar se defendeu dizendo que o objetivo da ligação não era levantar apoio entre os militares a um possível governo comandado por ele, mas apenas informar as Forças Armadas da situação.

O almirante da Marinha a quem Merino telefonou, porém, cortou a chamada antes de receber qualquer mensagem, porque também considerava a conversa imprópria.

Merino está há 41 anos no Ação Popular, partido de centro-direita fundado em 1956. A sigla é a que mais elegeu democraticamente presidentes no país. Historicamente, o principal nome da legenda é Fernando Belaúnde Terry, morto em 2002, que governou o Peru duas vezes (1963-1968 e 1980-1985) —um dos mandatos foi interrompido por um golpe militar.

Também era desse partido Valentín Paniagua, presidente interino entre novembro de 2000 e julho de 2001, em uma situação semelhante à de Merino hoje.

Na ocasião, Paniagua chefiava o Congresso e teve de assumir o comando do país após os parlamentares afastaram o então presidente, Alberto Fujimori —atualmente preso por crimes contra humanidade.

Foi exatamente depois disso que Merino chegou ao Congresso. Em seu primeiro mandato, entre 2001 e 2006, ele fez parte da parte da base de apoio do ex-presidente Alejandro Toledo —atualmente foragido nos EUA acusado de corrupção.

O Ação Popular tem atualmente 24 das 130 cadeiras no atual Parlamento e continua sendo um tradicional opositor do fujimorismo —representado pelo partido Força Popular.

Para o cientista político Steven Levitsky, professor da Universidade de Harvard e especialista na política do Peru, o partido não carrega mais nenhum de seus traços do passado.

"Estou seguro de que a maioria dos congressistas atuais do Ação Popular sequer sabe quem foi Belaúnde. O que se vê no Congresso peruano hoje são os nomes dos partidos históricos virando casas de aluguel tomadas por interesses econômicos, seja da igreja ou do mundo agro. O nome Ação Popular não é o que foi antes, foi comprado por um grupo de interesses financeiros, como todos", disse Levitsky à Folha.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.