Descrição de chapéu Entrevistas históricas

Kennedy defendeu aumento do 'esforço científico' em entrevista à Folha em 1960

Presidente dos EUA de 1961 a 1963, ele falou ao jornal um dia depois de ser eleito

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São Paulo

​​Em 8 de novembro de 1960, o senador democrata John Fitzgerald Kennedy, de Massachusetts, foi eleito o primeiro presidente católico da história dos Estados Unidos e também o mais jovem. Tinha 43 anos.

kennedy aponta para a frente enquanto jackie olha com binóculos; o casal sorri
O então presidente John Fitzgerald Kennedy e a primeira-dama, Jacqueline, assistem à regata da America's Cup em 1962, em Rhode Island, nos EUA - Bettmann/Corbis

Ele disputou contra o vice-presidente, Richard Nixon, do Partido Republicano, em um pleito acirrado —a vitória foi decidida pelos estados do Texas e de Illinois. No voto popular, Kennedy venceu por uma margem de apenas 120 mil votos.

Sua campanha teve como mote o slogan "Get America moving again" (fazer com que a América se mexa de novo). Durante a corrida eleitoral, o democrata atribuiu à gestão do presidente republicano Dwight Eisenhower o atraso tecnológico do país em relação à União Soviética, que àquela altura já havia lançado ao espaço os foguetes do programa Sputnik, um deles com a cadela Laika a bordo.

O racismo nos EUA, sobretudo as leis Jim Crow, que instituíam nos estados do sul normas de segregação, foram também pauta crucial naquelas eleições. Semanas antes do pleito, o líder do movimento pelos direitos civis Martin Luther King Jr. foi preso em Atlanta, na Georgia, e sua esposa recebeu um telefonema de solidariedade do então candidato democrata.

Apesar de ter conquistado o voto de 70% dos eleitores negros do país e criado expectativas de que sua gestão combateria a segregação racial, apenas três anos depois da sua eleição o presidente abordou o tema de forma mais enérgica.

Kennedy afirmou em discurso que a segregação nos EUA era uma "questão moral" e anunciou que sua administração iria elaborar a Lei dos Direitos Civis, que só seria aprovada após o seu assassinato em novembro de 1963.

Na política externa, o 35° presidente dos EUA liderou o país durante a chamada crise dos mísseis de Cuba, quando EUA e URSS estiveram próximos de uma guerra nuclear. Foi também responsável por uma fracassada missão para assassinar Fidel Castro, líder do regime cubano, no episódio conhecido como invasão da Baía dos Porcos.

O ano de 1960 também seria marcado por outro importante acontecimento geopolítico pelo qual Kennedy demonstrou interesse: a independência de 16 países da África. Ao longo das décadas seguintes, o continente se tornou campo de disputa ideológica entre americanos e soviéticos.

Na entrevista concedida ao correspondente especial da Folha, Louis Wisnitzer, publicada em 10 de novembro de 1960, dois dias depois do anúncio da vitória, Kennedy defendeu o aumento do “esforço científico” nos EUA e citou novos planos para o desarmamento no país.

Falou também sobre a América Latina, mencionando a Operação Pan-Americana do presidente brasileiro Juscelino Kubitschek, um projeto de integração regional que via no combate à miséria a única maneira de afastar o comunismo do continente.

JFK também analisou a situação de Berlim —como se constatou nos anos seguintes, sua tentativa de influenciar os rumos políticos da Alemanha não foi bem-sucedida, e a decisão final para construir o Muro de Berlim foi uma resposta do regime soviético a um discurso do presidente norte-americano.

A entrevista é republicada agora na série Entrevistas Históricas, que integra os projetos de centenário da Folha, a ser comemorado em fevereiro de 2021.

*

“Uma nova geração toma posição em meu país”

O mais jovem presidente da história dos Estados Unidos, John Kennedy, sucede ao mais velho, Dwight Eisenhower. Sua indicação pela convenção do Partido Democrata e sua eleição pelo povo norte-americano seguiram ritmos relâmpagos e deram o sinal de uma destas grandes reações de que o povo ianque tem um segredo, depois dos períodos de inércia.

A personalidade magnética de Kennedy entusiasmou o público em todas as partes do país e lembrou os tempos de Roosevelt. A nação respondeu ao seu apelo para “novas fronteiras”. Roosevelt reagiu a Pearl Harbor, e Kennedy é a resposta americana ao "sputnik", a determinação dos americanos de não ficarem atrás da tecnologia moderna e na competição com os soviéticos quando se tratar de auxiliar os povos subdesenvolvidos.

Em entrevista exclusiva à Folha de S.Paulo, Kennedy disse:

“Devemos prestar auxílio muito maior aos povos subdesenvolvidos da América Latina, da África, da Ásia, impedindo os comunistas de criarem o caos e a confusão nessas regiões. Devemos ajudar esses países a conquistarem não apenas a sua independência política como também a econômica. Vamos ajudar a Índia na realização de seu plano quinquenal, para que ela possa competir com a China na liderança econômica da Ásia.

Precisamos tentar relações com os nossos amigos latino-americanos tornando-nos vizinhos de verdade, providenciando ajuda financeira e técnica em grande escala, talvez através da Operação Pan-Americana proposta pelo presidente Kubitscheck. Precisamos concluir acordos com o propósito de estabilizar os preços, estreitar as relações comerciais e possibilitar convertibilidade monetária."

Uma solução para Berlim

Kennedy continuou:

"Precisamos convencer as novas nações africanas de que não precisam ir à Rússia para receber auxílio, conselhos e amizade. Precisamos mandar para a África peritos, técnicos, professores para formar engenheiros africanos que, por sua vez, poderão construir as fábricas de que carecem.

Precisamos deixar clara a nossa determinação de defender Berlim e, ao mesmo tempo, buscar soluções gerais para o problema alemão, o problema europeu, dentro dos quais o problema de Berlim poderá ser solucionado. O nosso alvo é uma Berlim livre, dentro de uma Alemanha unida, dentro de uma Europa com menos tensão e menos armamentos. Em relação à Europa Oriental, precisamos seguir uma política mais flexível, mais realista do que nos últimos oito anos"

América mais forte

E concluiu:

"Não adianta aconselhar revolta aos povos oprimidos para depois não os ajudar. É necessário estabelecer novos planos práticos para o desarmamento e o controle de armamentos. O governo nestes últimos anos não quis se preocupar seriamente com esses problemas nem oferecer soluções novas, originais.

Precisamos, enfim, construir uma América mais forte da qual, em última análise, dependerá a defesa do mundo livre. Precisamos aumentar muito nosso esforço científico em todas as direções, melhorar o nosso sistema de educação, estabilizar a nossa economia e, ao mesmo tempo, promover o seu crescimento. Vamos deixar de confundir luxo com força nacional, conforto com saudade. Vamos fazer realmente frente aos problemas —urgentes, enormes— de nossa época.

O povo americano está à altura dessa tarefa e pode suportar a verdade e o esforço. Os anos vindouros serão históricos. Uma nova geração está tomando posição no meu país. Ela será digna dos altos ideais do mundo livre e providenciará o tipo de liderança que dela se espera."

*

A trajetória do jornalista e escritor brasileiro Louis Wiznitzer (1925-1996) inclui dezenas de textos assinados como correspondente da Folha nos anos 1960 e 1970. Ele entrevistou várias personalidades do Brasil e do mundo, como Albert Camus, Heitor Villa-Lobos, Guimarães Rosa e Frank Sinatra.

É autor de "Jimmy Carter ou L'irrésistible ascension" (A irresistível ascensão), lançado em Paris, em 1976, pela editora Alain Moreau.

Este texto faz parte da série Entrevistas Históricas, que lembra conversas marcantes publicadas pela Folha.

Entrevistas Históricas

Relembre conversas marcantes publicadas pela Folha

  1. Proibidos de usar gravador, repórteres da Folha provocaram ira de Figueiredo com entrevista

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  12. Após 15 anos no exílio, Paulo Freire concedeu à Folha sua primeira entrevista

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  14. Kennedy defendeu aumento do 'esforço científico' em entrevista à Folha em 1960

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