Chineses acompanham as eleições presidenciais americanas com um misto de curiosidade e incompreensão —da mesma forma que muitos estrangeiros.
No entanto, aqui, o primeiro debate entre Joe Biden e Donald Trump, em 29 de setembro, foi claramente um divisor de águas nas percepções sobre o processo eleitoral deste ano.
Rico em desordem e pobre em conteúdo, o evento passou a ser usado pela mídia oficial para promover as vantagens do modelo político chinês. Para alguns, o embate foi visto como emblemático da decadência americana. Como disseram, no primeiro confronto entre Biden e Trump, a grande vencedora foi a China.
Outros elementos indicativos da fragilidade e da imprevisibilidade deste processo eleitoral passaram então a alimentar a máquina de propaganda chinesa: as constantes referências a possíveis fraudes, a recusa de Trump em confirmar que deixaria a Casa Branca em caso de derrota e a possibilidade de que a Suprema Corte venha a decidir o pleito.
Para completar, no pano de fundo da perspectiva chinesa, sempre esteve o contraste brutal entre a eficácia da China no combate à pandemia e a resposta desastrosa dos EUA —algo que a imprensa local está sempre pronta para apontar, direta ou indiretamente.
Chineses se espantam que as eleições tenham servido para politizar ainda mais a crise sanitária. Para alguns, o processo eleitoral teria agravado o problema, num indicativo adicional da desfuncionalidade do modelo americano.
A possibilidade de que a legitimidade do resultado eleitoral dos EUA seja questionada seria, para os adeptos locais da realpolitik, um presente para o Partido Comunista Chinês.
Com 70 anos no poder e sem nada que se aproxime de uma eleição presidencial, o partido sabe que especialmente fora da China sua legitimidade é questionada.
Alguns observadores notam que Pequim estaria sendo mais tolerante em relação ao compartilhamento de notícias e vídeos sobre as eleições americanas na internet.
As autoridades não estariam receosas de críticas internas sobre falta de democracia no país. Parecem confiar que a maior parte do que circula nas mídias sociais sobre essas eleições é, na realidade, um presente para o regime chinês.
Vários numa China cada vez mais autoconfiante sentem-se tentados a rir da desgraça alheia.
Pois não deveriam. Em primeiro lugar, porque, apesar de tudo, é arriscada a aposta de que os EUA vão tropeçar no próprio pé, com contestação do resultado eleitoral e instabilidade política.
Depois, as tensões com os americanos e o ambiente internacional mais hostil devem ser motivos de preocupação para a China, não importa quem seja o próximo presidente nem quão turbulenta seja uma eventual transição.
É certo que a imagem da democracia americana sai arranhada na China com as notícias da corrida eleitoral e especialmente com os resultados desastrosos na batalha contra a Covid.
Movida a excesso de autoconfiança, a máquina de propaganda do partido está achando graça do circo. Alguns torcendo para que pegue fogo.
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