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Minha eleição: 'Campanha de 2008 ensinou a ver americanos além de estereótipos'

Vitória de Obama despertou esperança até em republicanos ao romper barreira histórica

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São Paulo

No dia em que Barack Obama foi eleito presidente dos Estados Unidos, em novembro de 2008, encontrei meu vizinho americano no fim da tarde, quando saímos para buscar a correspondência deixada pelo carteiro nas caixas de correio na frente de casa. Perguntei o que ele achara do resultado da eleição.

"Cresci no Oklahoma e ainda me lembro de quando havia banheiros públicos separados para brancos e negros", disse ele. "Nunca pensei que um dia veria o que aconteceu hoje." Tinha votado no republicano John McCain, mas parecia contente mesmo assim. "Este país se reinventa de tempos em tempos."

Veterano da Guerra do Vietnã, ex-funcionário da área de inteligência do governo e dono de uma consultoria na área de defesa, ele temia a inexperiência de Obama, mas reconhecia que a chegada de um negro à Casa Branca representava uma virada importante, o rompimento de uma barreira histórica num país marcado por séculos de injustiça racial.

Barack Obama e sua mulher, Michelle, ao tomar posse como presidente dos Estados Unidos, em 2009
Barack Obama e sua mulher, Michelle, ao tomar posse como presidente dos Estados Unidos, em 2009 - Jim Bourg - 20.jan.09/Reuters

Nos quase quatro anos em que vivi nos EUA, trabalhando como correspondente do jornal Valor Econômico, aprendi que a sociedade americana é muito mais complexa do que sugerem os estereótipos usados com frequência para descrevê-la. Talvez isso nunca tenha ficado tão evidente como naquela eleição.

Republicanos como meu vizinho, que mantinha um armário cheio de armas em casa e saía com os amigos para caçar nos fins de semana, estavam desiludidos com o fiasco no Iraque e angustiados com a crise que empurrava a economia para a recessão. Ainda assim, ninguém saiu atirando na rua após o triunfo de Obama.

Outra vizinha, que trabalhava como secretária em um consultório médico quando não estava cuidando da casa e das duas filhas pequenas, dizia sentir vergonha por ter votado um dia nos republicanos, mas achava Obama arrogante demais para merecer seu voto. Ela nunca quis revelar a escolha que fez naquela eleição.

Havia desconfiança em toda parte sobre a capacidade que Obama teria de cumprir as expectativas que criou, mas ele despertava esperança e arrebanhava seguidores com seus discursos inspiradores, apresentando-se como um político conciliador que ajudaria os EUA a curar as feridas do passado em vez de reavivá-las.

No dia da posse, numa manhã gelada de janeiro de 2009, uma multidão estimada em 2 milhões de pessoas se reuniu no centro de Washington para participar da festa. Muitos entraram no metrô de madrugada e chegaram antes de o sol aparecer. Outros viajaram horas de ônibus para chegar a tempo.

Andando no meio das pessoas, era possível encontrar gente que nunca havia se visto antes fazendo reflexões sobre a história do país, suas experiências individuais e a virada que testemunhavam. Alguns assistiram ao discurso de Obama como se estivessem num culto religioso, expressando aprovação com gritos e batendo palmas.

Um funcionário público que distribuía bandeirinhas de papel a quem quisesse entregou duas a uma mulher negra que se aproximou pouco antes de Obama começar a falar. Quando perguntei o que estava achando da festa, ela contou que pela primeira vez tinha vontade de agitar a bandeira pintada de azul, vermelho e branco e salpicada de estrelas.

Muitos se decepcionaram depois com as vacilações de Obama, o atoleiro da guerra no Afeganistão e os compromissos que os democratas fizeram para se manter no poder. Mas isso foi mais tarde. Naquele dia, parecia que os americanos tinham encontrado um motivo para celebrar o país que haviam construído e começar tudo de novo.

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