Para historiador argentino, eleição provará se Trump é populista ou fascista

Federico Finchelstein afirma que comportamento em caso de derrota será determinante para saber que tipo de líder republicano é

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São Paulo

Especialista na história do fascismo, o argentino Federico Finchelstein teme que o movimento autoritário da primeira metade do século 20 esteja perto de retornar por meio de líderes como o americano Donald Trump e o brasileiro Jair Bolsonaro.

Para o professor da universidade The New School, em Nova York, o que aproxima Adolf Hiltler e Benito Mussolini da atual geração de governantes autoritários —que inclui também os premiês de Índia, Narendra Modi, e Hungria, Viktor Orbán, entre outros— é que todos eles usam a mentira como política de governo.

“Assim como na época fascista, acreditar hoje nessas mentiras pode levar alguém à morte. Os líderes acreditam nessas mentiras e ignoram a realidade. O resto de nós sofre com isso”, diz Finchelstein.

O historiador argentino Federico Finchelstein
O historiador argentino Federico Finchelstein - Divulgação

Para o historiador, Bolsonaro e Trump representam um rompimento com a tradição populista do pós-Segunda Guerra, que era autoritária, mas respeitava a democracia, como o ex-presidente argentino Juan Domingo Perón. Já essa atual geração de líderes, afirma ele, almeja a implementação de uma ditadura.

A prova derradeira será a eleição americana, nesta terça (3). Se Trump for derrotado por Joe Biden e aceitar o resultado, ele era apenas um populista. Mas se o republicano se recusar a deixar o cargo, não restará dúvida: seus ideais são fascistas.

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Em seu novo livro, o senhor classifica Trump como pós-fascista. O que isso significa? A resposta para isso é história. Depois da Segunda Guerra, líderes que tinham sido ditadores, como Perón na Argentina, perceberam que o fascismo não era mais uma via para chegar ao poder. Eles então reformaram o fascismo de uma maneira democrática e criaram o populismo moderno. É isso que chamo de pós-fascismo, em oposição ao neofascismo. Em outras palavras, populismo é o fascismo mais a democracia.

É possível explicar o fascismo a partir de quatro elementos. Primeiro, o fascismo é uma ditadura. Segundo, ele coloca a xenofobia e o racismo como elementos centrais da política. Número três, o fascismo glorifica a violência e militariza a política. E, em quarto lugar, ele usa uma técnica de propaganda, que ficou famosa graças a pessoas como [o braço-direiro de Hitler, Joseph] Goebbels, que conta mentiras de uma maneira enfática. Não são apenas os fascistas que usam mentiras —o comunismo, o liberalismo, o conservadorismo também mentem—, mas eles acreditam nela.

O populismo mudou muito ao longo das últimas décadas, criou alas à esquerda e à direita. Mas o que os populistas têm em comum, de Fernando Collor a Carlos Menem, de Hugo Chávez a Silvio Berlusconi, é que nunca fizeram desses quatro elementos algo central em suas políticas. Eram autoritários, com certeza, mas sem acabar com a democracia, sem nunca atingir o mesmo nível do fascismo.

E líderes atuais como Trump e Bolsonaro, como eles se relacionam com essa tradição populista? Eles e outros líderes, como Modi e Orbán, parecem estar retornando para o modelo que os antigos populistas deixaram para trás, para o fascismo. Mas eles ainda não são fascistas. É preciso analisar os quatro elementos. Se você olha para a militarização da política e a violência, você vai ver que isso aumentou não apenas no discurso mas também na prática. Esses líderes aumentaram a repressão e, em alguns casos, até permitiram matanças. Eles entendem que a democracia é uma guerra e olham isso de uma maneira militarizada. Eles estimulam seus apoiadores a recorrerem às armas para lutar contra democracia e contra inimigos imaginários. E eles mentem, mentem como ninguém nunca mentiu antes.

Para entender as mentiras de Trump ou de Bolsonaro é preciso voltar a Hitler ou Mussolini porque eles não são populistas. É mais que isso, eles acreditam nas próprias mentiras. Eles dizem que a pandemia era uma gripezinha, como Bolsonaro afirmou, eles estimulam curas milagrosas, como Trump fez, e eles acreditam nisso. Tanto é que se expuseram ao vírus e foram infectados. Assim como na época fascista, acreditar hoje nessas mentiras pode levar alguém à morte. Os líderes acreditam nessas mentiras e ignoram a realidade, o resto de nós sofre com isso. Não é uma coincidência que o Brasil e os Estados Unidos lideram os casos de Covid-19.

Mas eles não comandam ditaduras... Esse é o único elemento que falta e é por isso que eu acho que neste momento nem Bolsonaro nem Trump são fascistas, mas representam uma ameaça fascista. E sabemos que eles admiram ditadores, então há razões para ficarmos preocupados.

Então a ameaça de um retorno do fascismo nunca foi tão grande desde o fim da Segunda Guerra? Sim, eu diria isso. Mas a diferença daquela época para agora é que nós sabemos o que aconteceu com o fascismo, nós conhecemos a história. Nós sabemos que foi horrível para os países que criaram e apoiaram o fascismo. Houve uma crise política, econômica e cultural nesses países, uma miséria total. Outra coisa que sabemos é que o fascismo triunfou não apenas porque algumas pessoas o apoiaram, mas porque muita gente ficou apática, sem se preocupar que a democracia estava sendo destruída. Então se você me perguntar se existe uma ameaça fascista, minha resposta é sim. Mas se você me perguntar se o fascismo vai vencer, eu digo que tenho esperança na população americana, na população brasileira.

Todos os países que sofrem essa ameaça fascista representada por Trump e Bolsonaro precisam da independência do Judiciário para garantir o respeito à Constituição. Precisam de forças de segurança que se comprometam com a democracia e não em seguir a vontade dos líderes. Precisam que pessoas de direita que não se identifiquem com o fascismo façam um movimento pela democracia, elas precisam saber que tem mais em comum com a esquerda e com o centro do que com Bolsonaro e Trump. Temos visto isso, de alguma forma, na eleição americana, com alguns republicanos apoiando Biden.

Enfim, esses líderes querem ser mais autoritários? Acho que todos os indicativos são que sim, é isso que Bolsonaro gostaria de fazer, é isso que Trump gostaria de fazer. Eu diria que eles são aspirantes a fascistas nesse momento, e não fascistas.

Caso Trump seja reeleito, essa ameaça fascista aumenta? Sim, eu acho que, se isso acontecer, ele vai considerar que recebeu um cheque em branco para fazer o que bem quiser. Há muitos riscos para a democracia americana nesta eleição. Mas é preciso lembrar que, mesmo se ele vencer, não será com o apoio majoritário da população a suas políticas racistas, sua violência e a sua mensagem de ódio. Trump só ganhou por causa do Colégio Eleitoral, esse modelo arcaico.

E se Biden vencer, o que isso representaria para todo esse movimento? Isso mandaria uma importante mensagem. Trump legitimou pessoas como Bolsonaro. Ele mostrou que a imagem autoritária estava na moda. Então sua derrota seria um sinal preocupante para esses líderes espalhados pelo mundo.

Em seu último livro, o senhor afirma que esses líderes populistas usam mentiras como políticas de governo. Por que isso acontece? Eu estava assistindo a Bolsonaro falar antes da última eleição e, como historiador do fascismo, impressionou-me muito que ele estava falando como Goebbels, e não como um líder democrático. Ele faz isso usando mentiras para negar qualquer coisa da realidade de que ele não goste. Isso ficou muito claro e trágico durante a pandemia de coronavírus. Acho que muitas pessoas estão começando a perceber que qualquer coisa que esses líderes falam não corresponde à realidade. É mais fácil fazer esse tipo de propaganda de mensagem de ódio do que ter um programa de governo de verdade. Por isso, criam essas fantasias, criam inimigos imaginários, depois transformados em pessoas reais.

Mas a parte chocante, o que os aproxima tanto do fascismo, é que eles acreditam nessas mentiras. Os bolsonaristas acreditam que sem ele o Brasil se tornaria a Venezuela ou Cuba. Isso está extremamente errado, mas Bolsonaro realmente acredita nisso. É o mesmo que acontece com o vírus e com várias outras coisas. Ele vê o mundo a partir do prisma de um fanático ideológico.

É por isso que esses líderes negam a ciência? Claro. Há ainda um outro elemento desse movimento que se aproxima mais do fascismo do que do antigo populismo. É que existe um culto ao líder. Não é uma coincidência que os bolsonaristas chamam Bolsonaro de mito. Qualquer coisa que o líder disser é mais importante do que a realidade, seus seguidores acreditam nele porque o consideram uma figura divina. Existe uma espécie de religião bolsonarista, assim como há uma espécie de religião de Trump. Então isso não tem nada mais a ver com a política normal.

Esses líderes se vêem como se estivessem incorporando uma religião. Por isso acham que o que falam é a verdade. Então, quando a realidade não corresponde à verdade que eles falaram, tentam mudar a realidade. Mas às vezes ela acaba se impondo. Hitler, por exemplo, dizia que era impossível os alemães perderam a guerra. Mas mesmo o mais fanático dos nazistas percebeu, em algum momento, quando os russos estavam tomando Berlim, que o seu líder estava mentindo e que eles estavam, sim, perdendo.

É neste momento que eles deixaram de acreditar nas mentiras. Só que naquele momento já era muito tarde para muitas pessoas na Alemanha, assim como já é muito tarde agora para milhares de brasileiros que morreram na pandemia.

Em seu livro mais recente, o senhor afirma que esses líderes tentam transformar o fascismo em uma mitologia… Eles criam um passado que nunca existiu. Trump toda hora diz "Make America Great Again". Quando ele diz isso, está dizendo que quer retornar para uma época de segregação e violência contra minorias. É um chamado para um passado que à primeira vista parece bom, mas que na verdade nunca ocorreu. Eu chamo isso de guerra contra história.

Isso também ajuda no culto ao líder. Como ele está mais próximo de Deus, todas as suas ações ganham um caráter mitológico. Se não tiverem apoio para fazer o que querem, o país vai sofrer o apocalipse.

Por que esse novo modelo de líder pós-fascista só ganhou força nos últimos cinco anos? Existe hoje o que se chama de crise de representatividade. Foi isso que permitiu o surgimento desse tipo de líder messiânico, que diz "confie em mim, eu sou um de vocês, eu vou te representar". Isso, é claro, foi combinado com as mentiras e com uma mensagem de ódio. E algumas pessoas acreditaram nisso.

E, assim como aconteceu com os líderes fascistas, as pessoas agora também vão perceber que precisam de outras soluções. Porque elas elegeram líderes que não apresentam soluções, não se importam com seu bem-estar, que não se importam com sua vida. Havia uma crise econômica e uma crise política, e esses líderes deixaram a situação ainda pior. Eles são péssimos para conduzir a economia, eles estão destruindo a democracia, eles não sabem o que fazer durante essa crise sanitária.

Os cientistas e os jornalistas estão mostrando para o público que os fatos não correspondem às mentiras das propagandas que esses líderes vendem. Em vez de acreditar em fantasias ideológicas, outros políticos vão ouvir o jornalismo e a ciência e vão encontrar soluções para resolver os problemas pelos quais os países estão passando.

Dado esse caráter mitológico, esses líderes vão aceitar quando por ventura forem derrotados nas urnas? Isso é que vai definir se são de fato fascistas ou não. Hitler não aceitava a derrota. Quando o Exército russo estava em sua porta, ele ainda imaginava que podia ganhar a guerra. Quando viu que era impossível, quando sofreu um choque de realidade, ele decidiu cometer suicídio. Se Trump ou Bolsonaro forem iguais aos populistas tradicionais, eles vão aceitar a derrota quando ela acontecer e se retirar. Mas não é essa a atitude de fascistas. Então esse será o momento derradeiro para saber se são fascistas ou só populistas.


Federico Finchelstein, 45

Nascido em Buenos Aires, o historiador é especialista em fascismo e em populismo na América Latina. Formado pela Universidade de Buenos Aires, fez doutorado em Cornell (EUA). Atualmente, é professor no departamento de história da universidade The New School, em Nova York, e lançou neste ano seu sétimo livro, “Uma Breve História das Mentiras Fascistas​”.

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