Pela 1ª vez, papa Francisco se refere a uigures, minoria muçulmana na China, como 'povo perseguido'

Pontífice menciona grupo étnico do oeste chinês entre outros alvos de perseguição; para Pequim, comentários são infundados

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Cidade do Vaticano e Pequim | Reuters

Em seu novo livro, o papa Francisco se refere pela primeira vez aos uigures, grupo étnico de minoria muçulmana na China, como um povo "perseguido" por motivos religiosos.

"Penso com frequência em povos perseguidos: os rohingya, os pobres uigures, os yazidi", diz um trecho do livro "Vamos Sonhar Juntos", obra produzida em colaboração com um dos biógrafos do pontífice, o jornalista britânico Austen Ivereigh, que apresenta a visão de Francisco a um novo mundo pós-pandamia.

O papa já havia falado em outras ocasiões sobre os rohingya, perseguidos em Mianmar por serem muçulmanos, e sobre os yazidi, grupo alvo do Estado Islâmico por professar uma religião que mistura características do cristianismo, do zoroastrismo e de diferentes crenças persas. Mas até a publicação de seu mais novo livro, o líder da Igreja Católica nunca tinha incluído os uigures na mesma categoria.

Grupo de padres faz reverência ao papa Francisco durante reunião no Vaticano - Filippo Monteforte - 30.set.20/AFP

Grupos de defesa dos direitos humanos acusam a China de manter mais de um milhão de uigures em campos de detenção que têm como alvos principais líderes religiosos, ativistas e acadêmicos.

Segundo denúncias, a minoria muçulmana, concentrada em Xinjiang, no oeste chinês, é alvo de uma campanha abrangente para transformá-los em seguidores obedientes do Partido Comunista e enfraquecer seu compromisso com o islamismo.

"As atrocidades incluem detenção arbitrária de 1 milhão a 1,8 milhão de pessoas em campos de concentração, um amplo programa de doutrinação política, desaparecimentos forçados, destruição de locais culturais, trabalho forçado, taxas desproporcionais de encarceramento prisional e campanhas e políticas coercitivas de prevenção de natalidade", diz uma carta aberta assinada por mais de 20 entidades e direcionada ao Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em setembro.

No mesmo mês, um estudo realizado pelo Instituto Australiano de Política Estratégica (ASPI) mapeou ao menos 380 campos de detenção em Xinjiang. Pequim nega qualquer violação e alega que as unidades são centros de educação e treinamento vocacional que fazem parte de um conjunto de medidas para combater o terrorismo e o fundamentalismo islâmico.

Há relatos, porém, de uigures que foram presos por possuir um Corão, livro sagrado do islamismo, ou se absterem de comer carne de porco, prática comum entre os muçulmanos.

Analistas avaliam que o Vaticano vinha sendo relutante em falar sobre os uigures porque estava em processo de renovação de um acordo com Pequim.

No acerto, renovado em setembro por dois anos, o regime chinês reconhece a autoridade religiosa do papa, que fica com a palavra final na indicação de bispos da China.

Assinado pela primeira vez em 2018, o pacto solucionou provisoriamente uma questão que atrapalhava as relações diplomáticas havia décadas e que causou divisão entre católicos chineses.

Nesta terça (24), o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China, Zhao Lijian, disse que "os comentários do papa Francisco são infundados" e que pessoa de todas as etnias em Xinjiang desfrutam de proteção total de seus direitos de subsistência, direitos de desenvolvimento e de liberdade religiosa.

"O governo chinês sempre protegeu os direitos legais das minorias étnicas igualmente", acrescentou Zhao, durante uma entrevista coletiva em Pequim.

Há dois meses, a China abriu a possibilidade de receber observadores independentes da União Europeia (UE) para apurar denúncias de abusos generalizados contra os uigures.

Os europeus querem que a China faça mais concessões no campo dos direitos humanos para conseguir avançar em um acordo comercial cujas negociações já se arrastam por sete anos e que inclui questões de muita complexidade, como a defesa da propriedade intelectual, repasse de tecnologia e subsídios.

"A UE expressou seu desejo de visitar Xinjiang, e a China já concordou e está disposta a fazer arranjos", disse um porta-voz de Pequim naquela ocasião.

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